Pesquisar
Close this search box.
Fiasco de público
Na primeira temporada de assembleias após a Instrução 481, acionistas ignoram sistema de voto com procuração eletrônica

, Fiasco de público, Capital Aberto

Terminou, no fim de abril, a primeira temporada de assembleias-gerais sob a vigência da Instrução 481. A regra, editada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em dezembro, prometia, se não revolucionar, instigar os acionistas a exercer seu direito de voto por meios eletrônicos. Não foi o que aconteceu dessa vez. No dia 6 de abril, a Natura saiu de seu encontro anual de acionistas sem nenhum voto computado pela Assembleia na Web, sistema eletrônico desenvolvido pela Financial Investor Relations Brasil (Firb) para o envio de procurações. Na Petrobras, apenas 14 de seus 472 mil investidores votaram na assembleia-geral pela internet — desconsiderando-se a participação da CAPITAL ABERTO, que testou a plataforma da Assembleias Online, empresa criada pela MZ Consult para explorar esse mercado (veja box na página 12). A BM&FBovespa, com mais de 100 mil pequenos acionistas, obteve 13 adesões (descontando-se, novamente, o registro da CAPITAL ABERTO).

“O resultado ficou abaixo do esperado”, admite Denys Roman, CEO da Assembleias Online. Entre março e abril, a MZ, que tem 12 companhias na sua base de clientes, registrou 280 novos acionistas em sua plataforma, que se somaram aos 600 já cadastrados. A Firb tem dois clientes: Natura e Eternit. O presidente da consultoria, Arleu Anhalt, prefere não falar de outros números. “Temos um processo cultural a vencer”, afirma. “De um lado, as companhias iniciam uma aproximação com os acionistas. De outro, os investidores começam a se interessar pela participação na assembleia”, analisa.

Apesar do fracasso de público, as empresas que saíram na frente ao oferecer plataformas eletrônicas avaliam que a experiência foi positiva. “O sistema veio para ficar”, garante Carlos Kawall, diretor executivo de relações com investidores (RI) da BM&FBovespa. No caso da Bolsa, a adesão ao sistema é considerada um projeto piloto. E, justamente por isso, a companhia não investiu em uma campanha de divulgação da plataforma. A Bematech, usuária da Assembleias Online desde janeiro de 2009, também não vai desistir do sistema. A última assembleia-geral extraordinária (AGE) da empresa, em 19 de abril, registrou procurações eletrônicas de 13 acionistas, representantes de 12,94% do capital votante e social. Embora modesto, o número é maior que o atingido na estreia do sistema, quando apenas dois investidores, responsáveis por uma participação acionária de 5%, degustaram a novidade.

A baixa adesão faz lembrar a experiência com o uso das plataformas eletrônicas no exterior. Nos Estados Unidos, a substituição do material impresso referente à assembleia pela indicação do site na internet no qual o acionista encontra as mesmas informações — chamadas de “notice and access” — fez com que a participação de pessoas físicas nas votações caísse pela metade. No Brasil, a situação é outra. Grande parte dos acionistas não tem o hábito de votar. A falta de interesse em exercer esse direito político se deve ao panorama corporativo nacional, caracterizado por companhias com controladores bem definidos.
Na maioria das vezes, o voto do investidor minoritário não faz diferença. O baixo interesse pelos sistemas virtuais, portanto, é apenas mais um sintoma da costumeira reduzida audiência das assembleias no País.

Para garantir um quórum significativo de votação, as consultorias começam a investir também na conquista dos procuradores de voto. São intermediários, principalmente advogados, que representam fundos estrangeiros. A Assembleias Online confirma conversas com dois procuradores bastante atuantes no mercado. “A ideia é que eles façam a intermediação pelo sistema on-line e reduzam os próprios custos”, diz Roman.

Mas é preciso mais para atrair o voto dos grandes investidores. Os gestores de fundos que participam das assembleias não veem praticidade na diversificação de modelos de outorga de procuração. Enquanto apenas um pequeno grupo de companhias adere às plataformas eletrônicas, grande parte das empresas continua oferecendo apenas o modelo tradicional de envio do documento. E cumprir a burocracia de sistemas diferenciados de procuração para exercer o voto em um único país não seria eficiente. “Os investidores de fora viram com bons olhos a Instrução 481, mas há uma corrente que defende que todas as companhias adotem a votação eletrônica”, comenta Fernando Carneiro, diretor do The Altman Group.

Os números modestos reforçam a decisão de algumas companhias de se aterem ao modelo tradicional de votação. Primeira empresa de capital pulverizado do País, com uma base de mais de 5 mil acionistas (3,9 mil são pessoas físicas), a Lojas Renner é conhecida pelas práticas inovadoras de governança. Foi a pioneira a confeccionar manuais de assembleia e a designar procuradores diferentes para cada opção de voto. No entanto, diante do surgimento de sistemas eletrônicos, preferiu ficar de fora e deve continuar assim ao longo da temporada. “Registramos quórum recorde na última assembleia ordinária: 37,68% do capital”, comemora José Carlos Hruby, diretor financeiro e de relações com investidores. “O bom resultado nos estimula a manter o mesmo sistema ao longo do ano”, completa. A varejista, no entanto, não descarta definitivamente as plataformas eletrônicas. “Queremos observar o mecanismo e ter absoluta certeza de que dará certo”, diz Hruby. Dar certo, na avaliação do executivo, inclui aumentar a frequência dos acionistas nos encontros. Nesse teste, as plataformas ainda não foram aprovadas.

QUALIDADE DUVIDOSA — O balanço quantitativo das assembleias não é dos mais animadores, e o qualitativo também não. Nem todas as empresas atingiram um dos principais objetivos tanto da Instrução 480, que trata das obrigações de uma companhia aberta perante a CVM, quanto da 481, ou seja: aumentar o volume de informações fornecidas antes das deliberações. Na Petrobras, os acionistas que votaram pela Assembleias Online, entre os dias 9 e 19 de abril, não tinham em mãos a proposta de remuneração dos administradores, nem os nomes dos candidatos indicados pelo controlador para os conselhos de administração e fiscal, essenciais para a deliberação sobre esses assuntos na AGO. Mesmo assim, os investidores eram convidados a votar esses temas. Nos arquivos que deveriam conter tais dados, a Petrobras comunicou que não poderia fornecê-los, “pois não recebeu as informações necessárias do acionista controlador”. A estatal não atendeu ao pedido de entrevista feito pela CAPITAL ABERTO.

A Petrobras não é a única a pecar nesse quesito. Aliás, faz parte da maioria, como mostra o balanço da primeira etapa de supervisão referente ao cumprimento das Instruções 480 e 481 realizado pela CVM. Dentre as 380 companhias da categoria A com registro ativo e em fase operacional, a autarquia analisou, em 195 delas, as propostas de administração relativas às assembleias-gerais. O critério de seleção da CVM baseou-se no sistema de supervisão baseada em risco, o que significa priorizar a fiscalização sobre as empresas com maior potencial de dano ao mercado. O resultado não foi dos melhores. Apenas 26 companhias foram aprovadas. Em 87% dos casos (169 empresas), houve necessidade de reapresentação ou aprimoramento das informações. “O trabalho é muito grande, mas esperamos bons resultados na tentativa de fazer valer a Instrução 481”, diz Elizabeth Machado, superintendente da área. A CVM notificou as companhias que erraram e exigiu que fossem feitas as devidas correções antes da realização da assembleia.

Eu testei o sistema

Afinal, como é votar pela internet? Quanto tempo é preciso dedicar ao processo? É mais fácil votar com a procuração eletrônica do que pelos meios tradicionais? Para responder a essas questões, fiz as vezes de acionista e testei a plataforma Assembleias Online, da MZ Consult. As companhias, aleatoriamente selecionadas, foram Petrobras e BM&FBovespa.Como o meu propósito era apenas jornalístico, abstive-me de votar e vendi as ações logo em seguida.

O processo começou em 12 de abril, quando me cadastrei no site. No dia seguinte, providenciei e enviei os documentos para emissão do certificado digital: cópias autenticadas do documento de identidade e do comprovante de residência; cópia simples do CPF; além do termo de adesão à plataforma com firma reconhecida. No dia 14, a Assembleias Online já havia recebido os documentos, e o processo de emissão e instalação do certificado digital foi iniciado.

A primeira tentativa deu errado.“O certificado não foi instalado com sucesso”, avisou o programa. Comecei tudo de novo. A MZ revogou o certificado anterior, emitiu mais um e eu refiz o passo a passo da instalação. Erro novamente.
Por telefone, a MZ me orientou a ajustar as configurações do meu notebook. Percebemos que eu não tinha a versão certa do programa Java — tinha de ser a mais atualizada — e empreendemos nova tentativa. Mais um certificado emitido, uma esperança e um insucesso. Repetimos o processo inúmeras vezes durante todo o dia 15. Na manhã seguinte, já correndo o risco de eu perder o prazo da votação, resolvemos tentar instalar o certificado em outro computador. Bingo, deu certo. Depois que eu me identifiquei como jornalista, Denys Roman, CEO da Assembleias Online, disse que eu fui a única pessoa a enfrentar um problema de instalação não solucionado.

A exigência da entrega física de documentos, necessária no primeiro cadastramento em uma plataforma eletrônica, também parece ter complicado a vida de alguns acionistas. Na BM&FBovespa, o saldo final foi de 15 votantes, contando-se a participação da CAPITAL ABERTO — metade dos que se cadastraram e emitiram o certificado e que, portanto, estavam aptos a participar da assembleia. No entanto, mais de cem chegaram a se cadastrar, mas ficaram pendentes com a entrega de documentos.

Uma vez feito o cadastro, o processo tende a ser bem mais ágil. Além de permitir que um único certificado seja usado para todas as empresas clientes da plataforma, a assinatura digital, cuja validade é de um ano, pode ser automaticamente renovada antes do vencimento, o que dispensa um novo processo de entrega de documentos. (Y.Y.)

Na cola de Buffett, Natura faz sua assembleia

Mesmo sem nenhum voto eletrônico, a Natura foi o destaque da temporada de assembleias, saindo na frente ao transformar o que seria um simples encontro para aprovação das demonstrações financeiras de 2009 em um evento de integração entre os acionistas pessoas físicas e os gestores da empresa. A inspiração veio de Omaha, cidade norte-americana do estado de Nebraska que abriga a Berkshire Hathaway. A companhia do multimilionário Warren Buffett atrai, todos os anos, milhares de acionistas. No caso da Natura, foram cerca de 200, o que já significa uma participação acima da média brasileira. “Foi mais um passo na evolução da nossa governança”, disse Pedro Passos, copresidente do conselho da empresa.

Para atrair tantos acionistas, a companhia não mediu esforços. Forneceu transporte, a partir do Shopping Eldorado, de São Paulo, para Cajamar, município situado a 38 quilômetros ao norte da capital paulista, onde fica a principal fábrica da empresa de cosméticos. Foi montado todo um aparato para receber os sócios: vídeos sobre os produtos, brindes, brunch, visita guiada às instalações e uma apresentação do CEO, Alessandro Carlucci, sobre os resultados de 2009. O ponto alto do encontro, assim como na assembleia de Buffett, foi a seção de perguntas e respostas. Sentados diante dos acionistas, os três copresidentes do conselho de administração, junto com o CEO, responderam às perguntas dos investidores. A assembleia propriamente dita não durou mais de 15 minutos e foi transmitida simultaneamente de Itapecerica da Serra. Por força da Lei das S.As., o encontro tem de ser realizado na sede oficial da companhia.

A iniciativa fez sucesso. A relações públicas Gisela Heitzmann, de 51 anos, é investidora da Natura desde janeiro e, pela primeira vez, participou de uma assembleia. “Percebi que é preciso estudar para acompanhar os temas que estão sendo votados”, constatou. Para o próximo ano, ela planeja fazer o dever de casa e exercer seu direito de voto. A dona de casa Marli Augusto participou do encontro representando o marido, titular das ações há cerca de dois anos. “Fico mais segura ao ver que parte do nosso patrimônio está nessa empresa”, disse. Annita Cohn Rosenberg, 74 anos, veio do Rio com o marido, de 84, só para o evento. “Sou consultora e acionista há três anos, mas é a primeira vez que venho à assembleia. Quero ficar aqui o dia todo”, afirmou à CAPITAL ABERTO.

Segundo Moacir Salzstein, diretor de governança corporativa da Natura, outras companhias demonstraram interesse em conhecer e replicar a experiência. A Lojas Renner pensa em levar o Renner Day, hoje restrito à sede, em Porto Alegre, a capitais como Rio de Janeiro e São Paulo. Também cogita organizar o evento na mesma data da assembleia ordinária. “Não foi possível neste ano, mas já conversamos sobre o assunto”, afirma José Carlos Hruby, diretor financeiro e de relações com investidores da varejista. (Yuki Yokoi e Simone Azevedo)


Para continuar lendo, cadastre-se!
E ganhe acesso gratuito
a 3 conteúdos mensalmente.


Ou assine a partir de R$ 34,40/mês!
Você terá acesso permanente
e ilimitado ao portal, além de descontos
especiais em cursos e webinars.


Você está lendo {{count_online}} de {{limit_online}} matérias gratuitas por mês

Você atingiu o limite de {{limit_online}} matérias gratuitas por mês.

Faça agora uma assinatura e tenha acesso ao melhor conteúdo sobre mercado de capitais


Ja é assinante? Clique aqui

mais
conteúdos

APROVEITE!

Adquira a Assinatura Superior por apenas R$ 0,90 no primeiro mês e tenha acesso ilimitado aos conteúdos no portal e no App.

Use o cupom 90centavos no carrinho.

A partir do 2º mês a parcela será de R$ 48,00.
Você pode cancelar a sua assinatura a qualquer momento.