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Famílias no controle
Investidores devem levar em conta peculiaridades dessas empresas na seleção de seus investimentos

Muitos investidores associam o Novo Mercado a companhias de capital pulverizado e com práticas de governança mais avançadas. Isso é apenas parcialmente correto. Sem dúvida, a concentração acionária é, em média, menor nesse segmento premium de listagem, assim como as empresas que fazem parte dele se comprometem a cumprir certas práticas diferenciadas de governança.

O que poucos observam, entretanto, é que o tradicional controle familiar também predomina como principal forma de controle no Novo Mercado. Ele faz parte de cerca de 40% das companhias, conforme pesquisa divulgada recentemente pelo Centro de Estudos em Governança Corporativa (CEG) da Fipecafi em parceria com a KPMG. O estudo mostra, ainda, que, quando comparadas às demais companhias do Novo Mercado, as empresas familiares possuem conselhos menores, maior frequência de sobreposição dos cargos de CEO e presidente do conselho, menor número de reuniões do conselho, menor número de comitês (particularmente os de remuneração), e menos informações públicas sobre as práticas corporativas para gerenciamento dos riscos.

Uma análise mais detalhada evidencia que algumas companhias apresentam práticas de governança questionáveis que devem ser cuidadosamente observadas pelos investidores, particularmente os que pretendem aplicar seu dinheiro no longo prazo. A seguir, são apresentados exemplos da estrutura de governança de sete empresas familiares atualmente listadas no Novo Mercado:
1) na empresa A, seis dos sete membros da diretoria executiva são da mesma família. Um deles é, ao mesmo tempo, CEO, presidente do conselho e controlador;
2) na empresa B, cinco dos oito conselheiros são da mesma família. Dois deles são os únicos diretores estatutários da companhia, incluindo um que acumula os cargos de diretor presidente, diretor de finanças e diretor de relações com investidores (além do cargo de conselheiro);
3) na empresa C, dois irmãos atuam como presidente e vice-presidente do conselho de administração e, ainda, como CEO e diretor vice-presidente;
4) na empresa D, pai e filho atuam como presidente do conselho e CEO, respectivamente;
5) na empresa E, o controlador atua simultaneamente como presidente do conselho e CEO. Não há qualquer comitê de assessoramento ao conselho;
6) na empresa F, o conselho é composto de dois pais na faixa dos 70 anos, e seus respectivos filhos (ambos abaixo dos 40). Há apenas um conselheiro externo; e
7) na empresa G, o conselho conta com a presença de um pai e três filhos, dois deles ocupam simultaneamente os dois principais cargos da diretoria.

Além das estruturas de governança diferentes das recomendadas pelas melhores práticas, a análise dos documentos públicos permite observar, em diversas companhias familiares do Novo Mercado, um verdadeiro festival das potencialmente problemáticas transações com partes relacionadas. Elas incluem empréstimos, contratos de mútuo, prestação de serviços, terceirização de atividades, e atuação das empresas como avalistas de controladores, dentre outras operações.

Diversas empresas familiares do NM têm estruturas de governança bem diferentes das recomendadas

Analisadas em conjunto, o que essas informações nos dizem? Que essas companhias têm uma governança mais complexa do que as demais empresas, já que, além dos relacionamentos potencialmente conflituosos entre executivos, conselheiros e acionistas, possuem outro fator complicador: a família, que envolve aspectos sentimentais de relacionamento entre os parentes.

Os investidores de longo prazo, portanto, devem avaliar se tais companhias estão estruturadas para lidar adequadamente com os tradicionais riscos associados às empresas familiares, como os de: problemas sucessórios e de transição de gerações; nepotismo, informalidade na avaliação de desempenho e ausência de meritocracia; geração de facções entre ramos familiares; separação das questões familiares das empresariais; ausência de fóruns para solução de divergências no âmbito familiar, etc.

Em poucas palavras, há sempre o risco, em maior ou menor grau, de que os controladores coloquem a família em primeiro lugar, em detrimento da companhia e, consequentemente, dos seus demais acionistas. Um exemplo clássico disso é o da Parmalat, fundada, controlada e dirigida por Carlisto Tanzi até sua derrocada em 2003. O caso evidencia que Tanzi tratou uma companhia aberta com acesso à poupança pública como se fosse sua própria conta bancária, tomando decisões que o beneficiavam em prejuízo dos demais acionistas. Algumas delas foram: 1) a criação de empresas não relacionadas ao foco da companhia a fim de acomodar familiares (como agência de turismo, emissora de TV, etc.); 2) a emissão de volumes excessivos de dívida visando a manter um crescimento agressivo sem perder o controle (o que teria acontecido caso tivesse optado por aumentos de capital); e 3) a escolha de um sistema de controle fortemente centralizador, com um conselho de administração passivo e pouco questionador.

Entretanto nem tudo são riscos e problemas. Vários especialistas argumentam que as empresas familiares possuem diversas vantagens potenciais, como maior convergência de interesses na alta gestão entre acionistas e administradores; maior comprometimento e dedicação dos executivos familiares em comparação com os executivos de mercado; possibilidade de um horizonte temporal mais amplo nas decisões corporativas; agilidade no processo decisório; e o interesse de diversos controladores em construir um negócio para as gerações futuras.

Na esfera acadêmica, os resultados de estudos realizados em todo o mundo ainda são inconclusivos. Dentre os poucos resultados encontrados, dois se destacam: o de que as empresas com fundadores ativos na gestão parecem ser negociadas com prêmio (o chamado “founder premium”); e o de que o desempenho e o valor das companhias tendem a cair após a primeira sucessão de liderança, principalmente quando a gestão é passada para um herdeiro familiar.

Um dos principais trabalhos que exemplificam isso é o de Belen Villalonga e Raphael Amit em 2006. Nele, os pesquisadores encontraram resultados bem diferentes em função da forma de classificação das empresas familiares. Por um lado, observaram que as companhias familiares criam valor apenas quando o fundador continua na ativa como CEO ou como presidente do conselho (nesse caso, com um CEO não pertencente à família). Por outro, perceberam um desempenho inferior em companhias dirigidas por familiares descendentes do fundador, mesmo quando este atuava como presidente do conselho de administração.

As conclusões dos estudos acadêmicos, citadas muitas vezes efusivamente em eventos sobre governança familiar, devem ser interpretadas com cuidado. Quando realizadas em países desenvolvidos, particularmente nos Estados Unidos, muitas pesquisas utilizam a denominação “empresa familiar” para aquelas em que uma determinada família possui 10% ou mais das ações, um percentual extremamente baixo se comparado à nossa realidade. Quando os estudos são realizados em países em desenvolvimento, um eventual resultado positivo das empresas familiares pode simplesmente ser reflexo de acesso a condições de mercado diferenciadas em função de conexões políticas (como acesso a capital subsidiado ou obtenção de reservas de mercado), em vez de refletir melhor desempenho operacional.

O que, então, é mais provável acontecer com essas companhias no longo prazo: criação de valor e crescimento sustentável ou problemas financeiros e de governança? Obviamente, não há resposta certa de antemão. Algumas seguirão um caminho saudável, enquanto outras enfrentarão percalços. O importante é o investidor, particularmente o de longo prazo, levar em consideração esse aspecto peculiar ao compor sua carteira de investimentos e fomentar melhores práticas nessas companhias (já que dificilmente elas irão mudar em cobranças). Afinal, é do seu dinheiro que essas famílias irão cuidar nos próximos anos.


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