E agora, BM&Bovespa?
Ausente dos times das consolidadoras e das consolidadas e à espera de um concorrente doméstico, a quarta maior bolsa do mundo luta para se manter na tropa de elite mundial

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Em busca de musculatura, tradicionais bolsas de valores estão unindo forças. O movimento mais emblemático aconteceu no mês passado, com o anúncio da união entre a Deutsche Böerse e a Nyse Euronext. O resultado é a criação da maior plataforma de negociação de ações e derivativos do mundo. Não é apenas o gigantismo do negócio que atraiu os olhares. Alemães terão 60% da nova empresa, enquanto norte-americanos ficarão com os outros 40%. Na leitura do mercado, a Bolsa de Nova York, ícone do capitalismo ocidental, se rendeu à estrutura verticalizada da Bolsa alemã, que mantém, sob um só chapéu, ambientes de negociação, compensação e liquidação de transações (“clearing”) e custódia. Formalizada em fevereiro, a compra da canadense TMX, dona das bolsas de Toronto e de Montreal, pelo grupo London Stock Exchange também fará com que a bolsa da City londrina se torne integrada. Em comum, essas duas operações reafirmam o sucesso da receita da BM&FBovespa, um espécime do sistema verticalizado; ao mesmo tempo, nos fazem pensar sobre o futuro da bolsa brasileira num cenário de gigantescos conglomerados globais.

A BM&FBovespa não está no grupo das consolidadoras de mercado. Suas mais prováveis aquisições seriam bolsas latino-americanas. Mas, devido ao estágio em que se encontram as vizinhas, com liquidez baixíssima em relação à da brasileira, comprá-las seria o mesmo que desembolsar recursos sem levar market share para casa. A melhor estratégia tem sido aguardar as bolsas latinas se desenvolverem mais. E elas estão nesse caminho. No fim de janeiro, a Bolsa de Valores de Lima (BVL), do Peru, e a Bolsa de Valores de Colômbia (BVC) assinaram memorando de entendimentos para dar os primeiros passos rumo à fusão, no que será a primeira junção entre bolsas da América Latina.

Se não tem vocação para caçadora, a BM&FBovespa tampouco apresenta os requisitos básicos para virar a caça. Poucos teriam cacife para comprá-la. É a quarta maior do mundo em valor de mercado (US$ 14,2 bilhões), atrás apenas da Bolsa de Hong Kong (HKEx), do CME Group e da Deutsche Böerse. Além disso, o preço para um eventual comprador seria inflado pelas “poison pills” previstas em seu estatuto. Elas determinam que quem quiser abocanhar uma fatia de 15%, ou mais da BM&FBovespa terá de arcar com os custos de uma oferta pública de aquisição de ações (OPA) por todo o capital social. E também estabelecem que nenhum acionista de sua base poderá exercer direitos políticos em número superior a 7% do capital — isso significa que até pedaços menores da companhia podem acabar afastando o interesse de novos sócios por causa da limitação de votos.

“Me surpreendeu ver o que a Bats é hoje e o que ela pretende ser amanhã”, diz o presidente da Bolsa

Sem estar entre as consolidadoras nem entre as consolidadas, como a BM&FBovespa pretende continuar na elite mundial das bolsas? O caminho escolhido até o momento tem sido o da expansão através de acordos operacionais. O mais recente foi assinado com a Bolsa de Xangai. Ele prevê a discussão conjunta sobre oportunidades de negócio e troca de informações, mas não a listagem nas duas praças (“cross listing”). No fim do ano passado, a bolsa paulista acertou uma parceria com a chilena Bolsa de Comércio de Santiago (BCS). O negócio prevê a busca de uma solução tecnológica que permitirá o roteamento de ordens entre as duas instituições. Com isso, corretoras brasileiras poderão enviar ordens de compra e venda de ativos listados no Chile, e vice-versa.

Na lista dos parceiros da BM&FBovespa está ainda o CME Group, controlador de bolsas como a Chicago Mercantile Exchange (CME) e a New York Mercantile Exchange (Nymex). Segundo o acordo, o grupo norte-americano e o brasileiro se tornaram sócios estratégicos preferenciais globais. Em conjunto, identificam novas oportunidades de operações, investimento e parcerias comerciais com outras bolsas do mundo.

Tamanha movimentação do mercado tem explicação. É, na verdade, uma continuação do processo de desmutualização de bolsas de valores que começou em 1998. O primeiro a seguir esse caminho foi o OMX Group, conjunto de bolsas nórdicas comprado pela Nasdaq. Desde então, bolsas de todo o mundo deixaram de ser sociedades sem fins lucrativos controladas pelas próprias corretoras, abriram o capital e sofisticaram seus negócios através de plataformas eletrônicas que custam cada vez mais caro. Agora, obrigadas a dar retornos crescentes aos acionistas, buscam expandir através de fusões. “É a lógica econômica do ganho de escala, já que uma das características do setor é demandar investimentos elevados em desenvolvimento de sistemas”, avalia Carlos Rocca, diretor do Centro de Estudos do Mercado de Capitais (Cemec).

ADEUS, MONOPÓLIO — O que tem também ajudado a manter a BM&FBovespa numa posição relativamente confortável é o fato de operar sozinha no mercado local. Mas isso logo pode mudar de figura. Havia algum tempo que circulavam burburinhos sobre a chegada de uma bolsa concorrente, mas, em 15 de fevereiro, pela primeira vez, foi feito um anúncio oficial. A norte-americana Bats Global Markets, empresa provedora de tecnologia para o mercado financeiro e operadora das bolsas BZX Exchange e BYX Exchange, confirmou sua parceria com a gestora de recursos Claritas para trabalharem na criação de um novo pregão no Brasil. Pela regulação, uma corretora de valores não pode deter mais de 10% do capital de uma bolsa, mas as gestoras, por não intermediarem negócios, estão livres para isso.

A notícia causou certa surpresa no presidente executivo da BM&FBovespa, apesar dos rumores que davam o projeto como certo. “Me surpreendeu no sentido de ver o que a Bats é hoje e o que ela pretende ser amanhã”, afirmou Edemir Pinto, durante a coletiva de imprensa para divulgação do resultado do exercício de 2010. No Brasil, atualmente, a Bats não tem operação. Nos Estados Unidos, é o terceiro maior ambiente de negociação de ações, atrás da Nasdaq e da Nyse. A Bats e a Claritas anunciaram que adotarão o mesmo modelo de negócio da BM&FBovespa no País: uma bolsa verticalizada, com plataformas para negociação, clearing e custódia.

A regulamentação brasileira em vigor não representa obstáculos para a constituição de bolsas de valores. Permite a chegada de novos players e não prevê exclusividade do uso da clearing em funcionamento. Uma segunda bolsa poderia, por exemplo, ser cliente da BM&FBovespa no serviço de liquidação. Mas o desafio da Bats é justamente a montagem da sua própria clearing. A decisão pode, inclusive, acabar garantindo o monopólio da BM&FBovespa no curto prazo.

O custo para o desenvolvimento de uma câmara de compensação e liquidação é elevado. “Na casa da centena de milhões de dólares”, estima uma fonte com conhecimentos profundos sobre bolsas. O preço embute pesados investimentos em tecnologia e tempo para o desenvolvimento de um sistema capaz de atender à exigência de identificação do beneficiário final das operações, presente na Instrução 190 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

A Bats e a Claritas adotarão o mesmo modelo de negócio da BM&FBovespa: a verticalização

No exterior, a prática é saber quem são os intermediários que enviam as ordens, mas não quem está na ponta final. Essa particularidade das regras brasileiras faz com que mesmo a importação de uma clearing estrangeira consuma investimentos significativos para sua adaptação ao Brasil.

O funcionamento de duas clearings, simultaneamente, também requer algumas reflexões. Como seria, na prática, ter câmaras diferentes compensando e liquidando os mesmos ativos? Não se sabe se cada bolsa teria que recomendar o uso da sua própria clearing e nem como ficaria a concorrência caso um player que não oferece o serviço também esteja disposto a desembarcar no Brasil. Diante das novas indagações e da evolução do próprio mercado de capitais, a CVM se prepara para colocar em audiência pública a revisão da Instrução 89. A norma, emitida em 1988, trata dos serviços de ações escriturais, de custódia de valores mobiliários e de agente emissor de certificados. “Estamos iniciando as discussões, mas fatalmente vamos nos deparar com as questões dos efeitos concorrenciais”, diz Otavio Yazbek, diretor da autarquia. A expectativa é divulgar, nos próximos meses, a minuta que receberá os comentários públicos.

Para completar o cenário, a BM&FBovespa larga com ampla vantagem sobre qualquer possível rival. Não apenas por estar estabelecida no mercado local, mas por conta da percepção de que a liquidez existente no Brasil é indivisível. “Não existe espaço para outra bolsa aqui”, declara Richard Wahba, estrategista da Fator Corretora. Como intermediário do mercado de valores mobiliários, contudo, Wahba comemora os efeitos da concorrência, mesmo que ainda não concretizada. “Precisamos reduzir o custo das transações”, avalia ele.

A Brasil Investimentos & Negócios (Brain), organização que visa a fomentar o projeto de transformar o País em um polo financeiro e de negócios internacional, vê a competição com bons olhos. Mas Paulo Oliveira, diretor-geral da Brain, também reconhece que a tendência mundial é de redução do número de bolsas. “É patente que, para ser mais eficiente, é preciso ter mais liquidez”, observa. O mercado brasileiro é tido como grande o suficiente para manter o bom resultado operacional da BM&FBovespa — que lucrou R$ 1,14 bilhão em 2010 —, mas pequeno para proporcionar desempenho satisfatório a uma empresa novata.

A conta fica ainda mais complicada quando se levam em consideração os custos que a concorrente acumularia até conseguir desembarcar de vez no Brasil. Marcelo Telles, analista do Credit Suisse, em relatório divulgado logo após o anúncio da Bats, estimou em dois ou três anos o prazo para uma nova plataforma ficar pronta. Tanto que manteve a classificação acima da média (outperform) para as ações ordinárias da Bolsa, com preço-alvo de R$ 17 para os próximos 12 meses, o que representa uma valorização de mais de 40% em relação à cotação anterior ao anúncio da Bats. Nessa direção, seguiu o Itaú BBA, que projeta preço-alvo de R$ 17,60 para o mesmo período.

DARK POOL BRASILEIRA — Iminente ou não, o fato é que os efeitos da concorrência já são percebidos pela BM&FBovespa. No início do mês passado, poucos dias antes de a Bats divulgar seu projeto, a Bolsa se encontrou com representantes das corretoras. Apresentou seu plano para revisão da política de tarifação de negociação e liquidação (clearing) e falou da Block Trade Facility, produto que promete ser um dos seus mais importantes lançamentos. Voltada para a negociação de grandes lotes de ações através de ordens anônimas, a Block Trade caminha para ser a versão brasileira das dark pools — ambientes de negócios que operam sem a transparência das bolsas para que grandes investidores possam comprar e vender lotes de ações sem influenciar demasiadamente os preços nos mercados tradicionais.

Um mercado específico para grandes lotes era demanda antiga do mercado. Mas uma dark pool, no molde norte-americano, em que funciona como mercado de balcão, não seria possível no Brasil. Por aqui, é vetada a negociação simultânea de ativos listados em bolsas e mercados de balcão. A medida evita arbitragens regulatórias diante das maiores obrigações de transparência e prestação de informações do primeiro grupo. Para escapar da restrição, a BM&FBovespa está trabalhando para caracterizar sua dark pool como uma plataforma de negócio, e não como um mercado de balcão organizado. Isso será feito através de uma amarra de preços. Ou seja, os negócios realizados na dark pool deverão estar dentro de um intervalo previamente definido e cuja referência será a cotação da ação em bolsa.

Que efeitos uma dark pool, ainda que light, produziria no mercado local?

Para trazer o serviço novo ao mercado, a BM&FBovespa ainda enfrenta mais um empecilho. Pela legislação vigente, grandes lotes de ações devem ir a leilão. A previsão está na Instrução 168 que, ainda este ano, será levada a audiência pública. De acordo com Otavio Yazbek, diretor da CVM, a reforma da regra já estava em estudo na autarquia antes mesmo das manifestações da BM&FBovespa. Há outras questões a serem pensadas. O primeiro ponto é justamente a semelhança da nova plataforma com uma dark pool. “Dá para discutir o projeto desde que ele não seja tão dark assim”, constata Yazbek. Segundo ele, a CVM não abrirá mão da identificação dos investidores na ponta final.
O que não impede que, para os intermediários, a negociação seja feita “no escuro”.

A segunda questão é o efeito que uma dark pool, ainda que “light”, produziria sobre o mercado local. “Ao tirar essas ordens do mercado regular, não estaríamos roubando parte da liquidez que promove a eficiência dos preços? Não se abriria a possibilidade de manipulação? Essas são questões que precisamos debater”, ressalta Yazbek. Nos Estados Unidos, reflexões sob os efeitos das dark pools estão a pleno vapor, especialmente por conta do volume de negócios que conquistaram — só as dark pools seriam responsáveis por 7,9% das transações. A sugestão da Securities and Exchange Commission (SEC) é reduzir a obscuridade dos ambientes alternativos e incluí-los no National Market System (NMS), o sistema integrado de dados do mercado norte-americano. Assim, suas cotações passariam a ser divulgadas e ajudariam na formação de preços do mercado como um todo. Procurada pela reportagem para comentar os desafios do Block Trade, a BM&FBovespa não concedeu entrevista. Mas, de acordo com a apresentação feita às corretoras, a questão será equacionada com a abertura das portas do Block Trade apenas para os papéis mais líquidos. Caberá ao mercado pesar os prós e contras.


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