Dinheiro não é problema
Investimentos de private equity caem mais uma vez este ano apesar de US$ 700 milhões ainda estarem à espera de boas oportunidades de negócio

, Dinheiro não é problema, Capital AbertoNão é raro ouvir empresários e executivos reclamarem da escassez de crédito no mercado e das altas taxas de juros. Mas também existem aqueles que têm de sobra alguns milhões em caixa e nem sempre encontram projetos que mereçam receber a aplicação de seus recursos. É o caso de Luis Eugênio Figueiredo, da Rio Bravo; Patrice Etlin, da Advent International; Mordejai Goldenberg, da Eccelera; e Álvaro Luis Gonçalves, da Stratus. Todos executivos de grandes empresas de investimentos ávidas por negócios com forte potencial de crescimento.

Estima-se que os fundos que investem no chamado capital de risco – modalidade conhecida como Venture Capital e Private Equity – têm US$ 700 milhões para aplicar no País. O objetivo é encontrar negócios emergentes e entrar como sócio. Quando a companhia prospera e se valoriza, o fundo vende sua participação e embolsa o lucro. Mas, assim como há escassez de crédito, também faltam bons negócios para investir.

Prova disso são os números de uma pesquisa da Associação Brasileira de Capital de Risco (ABCR) divulgada em meados de novembro. No primeiro semestre deste ano foram investidos R$ 219 milhões em 22 empresas, contra R$ 274 milhões em 30 empresas no mesmo período do ano passado. Nos últimos três anos, em conseqüência das condições econômicas adversas, esse mercado experimentou uma queda de 58% no montante investido em reais.

DIFICULDADE É MAIOR NO BRASIL – A dificuldade de encontrar bons projetos para investimentos de private equity não existe apenas no Brasil. Ao contrário, é inerente ao mercado de capital de risco no mundo todo. A escolha dos candidatos para receber o investimento é extremamente rígida. De cada cem interessados apenas um chega à reta final.

Ocorre que, no Brasil, essa dificuldade é agravada por diversos motivos. Segundo especialistas do ramo, um dos principais são as elevadas taxas de juros ainda vigor, que ofuscam os atrativos de qualquer investimento não ligado a renda fixa. Em momentos como os vividos nos últimos anos, com os juros na estratosfera e estagnação econômica, encontrar empresas promissoras o suficiente, que compensem o elevado custo de oportunidade de manter o capital confortavelmente aplicado na renda fixa, não tem sido tarefa fácil.

Outro empecilho para o investimento de capital de risco no Brasil é a falta de transparência encontrada em muitas empresas. “Várias ainda não adotaram regras de governança corporativa, não apresentam resultados auditados e, por isso, não podem oferecer as informações exigidas pelos fundos de investimentos”, diz Etlin, sócio da Advent International, empresa que tem US$ 150 milhões em capital de risco à procura de boas oportunidades no País.

, Dinheiro não é problema, Capital AbertoAlém da questão cultural, as legislações trabalhista e fiscal também dificultam o surgimento de negócios com grande potencial de lucro. “A alta carga de impostos no Brasil prejudica o crescimento de muitas companhias. Por isso acabam não atraindo investimentos”, diz o economista Cláudio Furtado, diretor do Centro de Estudos de Venture Capital e Private Equity da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Para Furtado, é necessário que o governo crie condições que tornem viável a participação de pequenas e médias empresas no mercado de capital de risco. Por exemplo, obtendo a aprovação da reforma tributária e persistindo na redução da taxa básica de juros. “Cultura se muda com incentivo”, afirma.

MAIS DE US$ 5 BI EM NOVAS EMPRESAS – Mesmo com tantas dificuldades, muitas companhias conseguem chamar a atenção dos investidores. Nos últimos cinco anos, foram desembolsados US$ 5 bilhões em empresas emergentes no Brasil. Aquelas que receberam o dinheiro multiplicaram suas chances de sucesso. Uma das selecionadas foi a Helisolutions, que recebeu investimentos de um dos fundos da Rio Bravo, empresa que tem entre seus sócios o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco. Criada há quatro anos, a Helisolutions introduziu no Brasil o programa de propriedade compartilhada de helicópteros. Ao invés de comprar os aparelhos e revendê-los, a companhia negocia cotas de sua frota com um pool de clientes. “O negócio não pára de crescer entre Rio de Janeiro e São Paulo”, diz Figueiredo, diretor da Rio Bravo. Com três fundos de capital de risco, a empresa de investimentos aplica em setores de tecnologia da informação, telecomunicações, serviços, infra-estrutura e logística.

Outro negócio escolhido pela empresa de Gustavo Franco é a Direct Talk, que desenvolve aplicativos para que companhias possam atender sua clientela via Internet. O projeto nasceu numa incubadora há quatro anos e recebeu o investimento da Rio Bravo há um ano e meio. “Desde então, o número de licenças de software subiu de 380 para 1.200”, comemora Daniel Heise, sócio do empreendimento. “Fomos escolhidos porque atuamos num mercado em ascensão, somos transparentes, montamos uma equipe acima da média e temos foco em nossos objetivos”, ensina Heise. Com 40 empregados e 140 clientes – entre os quais ABN Amro, Microsoft, Mercedes Benz, Americanas.com e Livraria Saraiva –, a Direct Talk cresceu mais de 100% em 2003.

Essa é uma condição básica para quem persegue as boas oportunidades de investimento: é preciso que ele vingue rápido. Em geral, a expectativa é que o retorno ocorra entre três a cinco anos. É por isso que os garimpeiros de empresas preferem áreas em franca expansão, com nichos de mercado inexplorados. A Eccelera, formada com recursos do grupo venezuelano Cisneros, encontrou essas características na Superbid – empresa especializada na otimização de ativos físicos e inventário excedente por meio de leilões online. Trata-se de uma plataforma tecnológica que possibilita qualquer pessoa participar dos leilões via Internet, independentemente de sua localização geográfica. “O investimento da Eccelera, realizado há dois anos, foi fundamental para o nosso crescimento”, diz Edson Bouer, CEO da Superbid. “Comercializamos em 2003 mais de R$ 200 milhões em ativos de empresas como Delphi, Motorola, Vale do Rio Doce e Comgás”, comemora.

Ao contrário do que ocorria no passado, a indústria de informática não é hoje a que mais atrai investimentos de capital de risco. Os recursos para esse segmento vêm decaindo a cada ano e continuou com tendência de queda durante o primeiro semestre de 2003. Apenas R$ 2,4 milhões foram aplicados em empresas de Internet e software para computadores – um número surpreendente baixo em relação ao tamanho destas indústrias no Brasil.

Legislações trabalhista e fiscal dificultam o surgimento de negócios com alto potencial de retorno

De acordo com o levantamento da ABCR, o setor de indústria e transportes foi o que mais recebeu investimentos em capital de risco no País durante o primeiro semestre do ano, representando 56% do total aplicado, num total de R$ 129 milhões. Só a Gol Transportes Aéreos recebeu 32%. O setor industrial e de energia contabilizou R$ 45 milhões ou 21%. Em seguida, vem o setor de biotecnologia, que recebeu R$ 20 milhões (9,2%).

PERSPECTIVA DE RETOMADA – Apesar da redução dos investimentos de capital de risco nos últimos anos, especialistas apostam que tenha chegado a hora do revés. Motivos não faltam: a economia dá sinais de aquecimento e a taxa de juros tem sofrido sucessivas quedas. De olho no novo cenário, a Stratus Investimentos está montando uma frente de trabalho mais agressiva para identificar bons projetos. “Estamos ampliando nossa equipe com a contratação de mais dois diretores”, diz Alvaro Gonçalves, sócio da Stratus.

Investimentos “angel” ganham fundos específicos

Quem vê os grandes números do mercado de private equity imagina que só existam chances para projetos grandiosos. Ledo engano. Há uma modalidade de investimento que ganhou status na fase áurea dos investimentos em empresas de internet e que, apesar de pouco difundida no Brasil em comparação com os Estados Unidos, não chega a ser uma raridade.

A Gávea Angels, fundada há cerca de um ano no Rio de Janeiro, é uma organização interessada nesta modalidade, conhecida no mercado como “angel investment”. Criada por Charles Fpragins, ex-executivo do Citibank e da Alliance Capital, junto com um grupo de amigos, a associação é formada por 17 investidores dispostos a apostar em empresas novas. São executivos aposentados, advogados ou ex-empresários na faixa dos 35 aos 60 anos que venderam seus negócios para a concorrência. Antes de conseguir o capital de um deles, a empresa ou idéia candidata passa por um processo de seleção rigoroso, em que são avaliados o plano de negócios e o grau de risco.

A Gávea Angels já analisou cerca de 35 idéias e empresas, mas apenas cinco foram selecionadas para a etapa final, na qual o empreendedor apresenta seu projeto num seminário para todos os associados. São destinados entre R$ 400 mil e R$ 600 mil para cada empreendimento aprovado. “Geralmente a idéia que mais convence é aquela que traz uma tecnologia inédita para o mercado”, avisa Fpragins.

A diferença entre angel, venture e private equity é o período em que cada uma dessas modalidades investe nas empresas. O angel capital aporta dinheiro na fase de criação da companhia e, por isso, o risco é bastante alto. O venture capital investe em empresas próximas do break even, momento em que receitas e despesas se equilibram. Já o private equity aposta em empresas consolidadas, com boa geração de caixa.

Na modalidade angel ainda é difícil encontrar investidor, pois não existe nada institucionalizado no segmento. Mas há boas chances de isso deixar de ser um problema. A Phoenix Strategic Financial Advisors (empresa que atua na estruturação e financiamento de projetos, consultoria financeira, fusões e aquisições) pretende lançar, no primeiro trimestre de 2004, o primeiro fundo de angel capital do mercado brasileiro, a exemplo dos fundos private equity e venture capital.

A iniciativa surgiu depois que o executivo James Lynch foi demitido do banco Chase Manhattan e decidiu abrir seu próprio negócio, a Phoenix. De tanto prestar consultoria para novos projetos, Lynch tomou gosto pelo empreendorismo e tornou-se um “angel investor”. “Os fundos de angel capital abrirão espaço para que um maior número de bons projetos sejam colocados em prática”, diz Lynch.

O fundo, batizado de Phoenix Tech, terá entre R$ 12 milhões e R$ 30 milhões para investimentos em 20 empresas de tecnologia. Serão três grupos de investidores: o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), investidores particulares e institucionais como a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e a própria Phoenix.

Na opinião de Roberto Hesketh, presidente da ABCR, projetos medianos também vão ser atraentes à medida que o cenário ficar mais favorável. “Com os juros em queda e uma economia em vias de crescimento, empresas num estágio menos consolidado vão começar a chamar a atenção”, afirma. Os primeiros passos já estão sendo dados. A Eccelera prepara um fundo voltado exclusivamente para empresas de médio porte dos setores de consumo, mídia e entretenimento.

Nos Estados Unidos, o capital de risco viabilizou não só médias como também empresas caseiras que, mais tarde, se tornaram gigantes como Microsoft, Intel e Apple. Lá, porém, existe um diferencial que em muitos casos faz toda a diferença: a participação ativa dos fundos de pensão. Eles destinam entre 5% e 6% do total de suas carteiras para investimentos do gênero. No Brasil, esse percentual não ultrapassa 0,5%. A expectativa agora é que essa estatística aumente – não só por causa da queda da taxa dos juros, que pode levar os fundos de pensão a buscar alternativas mais rentáveis de investimento – mas também pela publicação da Instrução 391 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em julho passado.

Além de regularizar a indústria de capital de risco no Brasil, reconhecendo a modalidade dos Fundos de Investimento em Participações (FIPs), a Instrução 391 ampliou a participação dos fundos de pensão nesse mercado. Antes, os investimentos em venture capital e private equity eram realizados de forma adaptada por meio dos Fundos Mútuos de Investimento em Empresas Emergentes (FIEE) e dos Fundos de Investimento em Títulos e Valores Mobiliários (FITVM). Nenhum deles, entretanto, atende com satisfação às necessidades de um típico investimento de capital de risco.

O FIEE é destinado a investimento em companhias fechadas com faturamento anual até R$ 100 milhões. Já o FITVM, ao contrário, é destinado somente a investimento em companhias abertas. O FIP introduzido pela CVM reúne a possibilidade de investimento tanto em companhias abertas quanto em fechadas. Além disso, sua estruturação é bastante flexível, uma vez que a instrução permite que grande parte das regras para seu funcionamento seja estipulada no próprio regulamento do fundo.

Especialistas do setor acreditam que, assim como ocorre nos Estados Unidos, existe espaço para que os fundos de pensão brasileiros destinem até 5% de suas carteiras ao mercado de capital de risco nos próximos anos. Levando-se em conta o investimento líquido atual das fundações, de US$ 65 bilhões, esse percentual representaria aportes de pouco mais de US$ 3 bilhões. Para se ter uma idéia, essa cifra é apenas pouco mais da metade dos investimentos já realizados internacionalmente pelo maior fundo de capital de risco do mundo, o Advent. “A participação dos fundos de pensão será a grande alavanca para o mercado de capital de risco no Brasil”, acredita Etlin, da Advent International.

Investimentos no setor de informática confirmam tendência de queda em pesquisa da ABCR

No entanto, o aumento da presença das fundações em fundos de private equity e afins não será, por certo, imediato. As possibilidades estão abertas, mas este é um grande momento de sondagem. Afinal, a tímida participação de alguns fundos de pensão em projetos do gênero não foi nada vantajosa, como verificado no caso Opportunity.

No início de outubro, um grupo de fundos de pensão liderado pela Previ, do Banco do Brasil, destituiu o banco Opportunity da função de gestor do fundo CVC, o qual tem investimentos em empresas privatizadas como a Brasil Telecom e a Telemig Celular. O motivo foi gestão irregular. Para evitar experiências mal sucedidas como esta, especialistas recomendam que as fundações escolham rigorosamente não só um bom negócio como também um bom gestor para a carteira na qual decidirem aplicar.

Com o objetivo de facilitar essa seleção, a Fundação Getúlio Vargas, por meio de seu Centro de Estudos de Venture Capital e Private Equity, vai oferecer uma ferramenta internacional de pesquisa e tecnologia para análise de projetos e negócios em potencial. Também promoverá, em breve, cursos para empreendedores que desejem se candidatar a investimentos de FIPs. Ainda não é tudo, mas já é um bom começo para que surjam mais empreendimentos capacitados para receber um pedaço dos US$ 700 milhões disponíveis no mercado de capital de risco brasileiro.


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