Dinheiro farto
Juro competitivo, câmbio estável e recuperação econômica criam cenário ideal para as captações externas e agitam o mercado no início do ano

, Dinheiro farto, Capital AbertoO apetite de investidores estrangeiros por títulos privados brasileiros está mais voraz do que nunca. Somente durante as três primeiras semanas de janeiro de 2004, as emissões no mercado internacional – incluídas as operações em fase de estruturação – já somavam cerca de US$ 2 bilhões. E esse é apenas o início de um ano altamente promissor para as captações de companhias brasileiras no exterior, prevêem especialistas. Em 2003, foram US$ 16,06 bilhões em captações, maior número desde a implementação do Plano Real. “E deve-se bater novo recorde este ano”, aposta Fernando Bau, analista da Global Invest. O volume de vencimentos estimado para 2004 é de US$ 35 bilhões.

“Desde a década de 70 não se via o mercado tão eufórico como agora”, constata João Cox, presidente da Telemig Celular. Ele esteve nos Estados Unidos por ocasião do primeiro lançamento de bônus da companhia no mercado externo, realizado em 12 de janeiro, e pôde sentir de perto o bom humor dos investidores. “O clima é de felicidade, pois os dois lados estão ganhando.”

A Telemig Celular Participações fez uma emissão de US$ 120 milhões em bônus de cinco anos, numa operação conjunta com a Amazônia Celular, ambas controladas pelo Opportunity. Foram US$ 80 milhões para a Telemig e US$ 40 milhões para a Amazônia. Em operação inédita no Brasil, foi emitido um mesmo papel para as duas empresas, num formato chamado unit, o que significa dizer que os investidores dependerão da solidez financeira dos dois emissores para terem a rentabilidade esperada. Mesmo assim, a oferta inicial da operação liderada pelo Bear Sterns, que era de US$ 100 milhões, passou para US$ 120 milhões. “Não tínhamos dúvida quanto à conclusão da transação, mas ela superou as nossas expectativas”, afirma Cox.

O rendimento (yield) ficou em 8,875% ao ano e o juro nominal (cupom), em 8,75%. “Caso a Selic esteja, no médio prazo, em 10% ao ano, estaremos, ainda assim, pagando menos que o CDI”, diz. “Se a captação fosse feita no mercado interno, sairia mais cara.”

É provável que seja verdade. Mas como toda escolha tem seu preço, a emissão de títulos no mercado internacional carrega embutido o risco cambial. Para proteger os recursos do financiamento contra oscilações da moeda americana, é preciso que a empresa recorra a operações de hedge no mercado de capitais o que pode, em algumas situações, comprometer o custo até então atrativo. No caso da Telemig e da Amazônia Celular, a proteção dos US$ 120 milhões será feita mais adiante, em momento oportuno.

A situação das exportadoras, nesse ponto, é bem mais confortável. Por gerarem receita em dólar, a proteção dos empréstimos feitos lá fora ocorre de for ma natural. É o caso, por exemplo, da Companhia Vale do Rio Doce. Destaque dentre as emissões neste início de ano, a mineradora ofertou US$ 500 milhões de bônus com prazo de vencimento inédito de 30 anos – o maior já feito por uma empresa brasileira no exterior. A emissão, originalmente, seria de US$ 300 milhões. Mas a demanda chegou a US$ 1,6 bilhão. A opção por captar US$ 500 milhões, de acordo com Fábio Barbosa, diretor executivo de finanças da empresa, foi para “preservar a qualidade dos investidores”. Cerca de 50% dos investidores que participaram da operação foram “high grade” (investidores de papéis de elevada classificação).

Teto para o risco divide agências de rating

Não foi só o bônus de 30 anos que chamou atenção na emissão realizada pela Companhia Vale do Rio Doce. Mereceu destaque, também, a nota concedida pela Moody’s – acima da avaliação do próprio país.

Não é pouca coisa. O rating soberano é, para muitas agências de classificação de risco, uma espécie de dogma. Parte-se do princípio de que todos os emissores nacionais estão potencialmente sujeitos ao risco de transferência em moeda estrangeira. Ou seja, em caso de moratória do país, o governo poderia limitar a saída dessas reservas. Este é, por exemplo, o critério utilizado pela Standard & Poor’s (S&P). “Somos mais rigorosos, principalmente em se tratando de emissões no mercado internacional”, afirma Reginaldo Takara, da Standard & Poor’s. “Mesmo que a empresa seja uma exportadora, os dólares gerados não estão 100% livres do risco de sofrer interferência.”

O mesmo fundamento era válido para a Moody’s até meados de 2001, quando a agência decidiu passar em revista sua política de teto soberano. Experiências recentes com a conduta de governos em situações de crise, em países como Equador, Paquistão, Rússia e Ucrânia, mostraram que a moratória de dívidas generalizada não foi usada para interromper o pagamento de títulos e empréstimos.

Além disso, muitas companhias grandes e importantes têm se valido do acesso aos mercados de capitais internacionais. Significa dizer que uma eventual falta de pagamento provocada por controle de saída de divisas poderia causar danos significativos à economia mundial. “Por isso a agência acredita que o limite de teto soberano, em alguns casos, pode ser muito rígido”, afirma Luiz Tess, da Moody’s.

Assim, apesar de continuar mantendo os tetos dos países para os emissores de dívidas, a Moody´s avaliou quais países provavelmente evitariam a moratória coletiva de dívidas e quais emissores, nesses lugares, possuem características especiais que poderiam torná-los exceções em caso de moratória. No Brasil, as empresas que contam com esse aval, além dos principais bancos, são Petrobras, CSN, Votorantim e Vale do Rio Doce.

Liderada pelo banco Merrill Lynch, a emissão recebeu classificação de risco Ba2 pela Moody’s – superior à B2 concedida à República e duas notas abaixo da cobiçada classificação de “investment grade” (ler quadro). O cupom foi de 8,35%. Barbosa lembrou que a Vale vai trabalhar para conquistar o “investment grade” e, dessa forma, obter custos de captação cada vez mais baixos. A diretoria de finanças está submetendo ao conselho de administração um programa de captação para 2004 num valor próximo de US$ 1 bilhão. “Existe este ano uma perspectiva extraordinariamente boa para a economia, com uma conjunção de crescimento vigoroso nos Estados Unidos, Europa e Ásia”, disse Barbosa durante o anúncio da operação. “Não foi apenas uma janela, mas sim uma avenida que se abriu para as empresas brasileiras.”

Parte desse cenário otimista é explicado justamente pelo fato de o Brasil estar em sincronia com o movimento de crescimento desses países. Contribuem para isso os bons fundamentos da economia, como a perspectiva de crescimento do PIB e a estabilidade da inflação. Depois de um 2002 penoso, com o risco país acima dos dois mil pontos e dólar batendo na casa dos R$ 4,0, 2003 começou como um período de teste.

As primeiras emissões foram feitas por instituições bancárias. Os prazos de vencimento durante o primeiro semestre ficaram, em média, por volta de um ano e meio. Mas o mercado foi mostrando, aos poucos, sinais de confiança. E em dezembro o risco país já estava abaixo dos 500 pontos.

ÁVIDOS POR JURO ALTO – Se as condições macroeconômicas tornam o Brasil atrativo, há, por outro lado, um excesso de liquidez mundial. Segundo Luiz Chrysostomo, diretor de Investment Bank do JP Morgan, o nível das taxas de juro praticadas atualmente nos Estados Unidos e Europa é o mais baixo há 40 anos. “Em busca de uma rentabilidade maior, os investidores internacionais estão comprando tudo”, avalia. Ele conta que o JP Morgan liderou, no início de janeiro, uma emissão de US$ 1 bilhão em títulos da República da Venezuela e a procura registrada foi três vezes maior. “Se até a Venezuela, um país crítico, conseguiu tamanha demanda, quem dirá as empresas brasileiras com qualidade reconhecida internacionalmente.”

De fato, o acesso fácil ao mercado externo ajudou a alongar o perfil dos financiamentos, além de abrir espaço para as empresas de menor porte captarem também. As primeiras experiências começaram já no fim de dezembro, com emissões como a da Vicunha, de US$ 30 milhões, ou do Bic Banco, de US$ 10 milhões, entre outras. “Há um nicho de investidores lá fora que está de olho em empresas médias brasileiras de qualidade e interessadas em captações menores”, comenta Nilton Serson, advogado especializado em direito comercial. A repentina onda de emissões internacionais protagonizada pelas grandes, segundo Serson, está chamando cada vez mais atenção das empresas médias. O interesse é reforçado por um sentimento de certa estabilidade na taxa de câmbio, o que anima quem tem menos condições de arcar com os custos de hedge.

O MOMENTO É AGORA – Dentre os grandes lançamentos, o primeiro de 2004 foi feito pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), ao reabrir uma operação de dezembro de 2003 e captar mais US$ 200 milhões, com bônus de dez anos. O juro nominal ficou em 9,75% ao ano e o rendimento ao investidor foi de 9%. A primeira emissão de um banco este ano foi feita pelo BNP Paribas Brasil. A instituição obteve US$ 60 milhões, US$ 10 milhões a mais do que o valor inicialmente previsto. O cupom ficou em 3,875% e o yield foi de 4% ao ano.

Depois foi a vez da petroquímica Braskem, que captou US$ 250 milhões, US$ 100 milhões a mais que o planejado. O grupo Votorantim levou outros US$ 300 milhões, a Nossa Caixa, US$ 100 milhões e o grupo Ultra, US$ 60 milhões. “Aconselho as empresas a aproveitarem o momento para conseguir captar no prazo mais longo e a preço mais baixo possível”, afirma Chrysostomo, diretor do JP Morgan. A dúvida é por quanto tempo esse cenário vai perdurar. O que poderia dar uma esfriada no humor do investidor estrangeiro é um aumento da taxa de juro americana. Na opinião do diretor, se isso acontecer, deverá ser a partir do segundo semestre de 2004. O Brasil, pelo menos por enquanto, continua com a corda toda.


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