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Dinheiro do bem
Agências de desenvolvimento ampliam os investimentos em participações com o intuito de combater a pobreza
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Elas foram um instrumento político durante a guerra fria, quando trocavam dinheiro por alinhamento ideológico. Hoje, têm a nobre missão de tornar o mundo um lugar melhor para se viver. Turbinadas por recursos de um ou mais Estados ricos, as agências de desenvolvimento oferecem apoio financeiro a atividades privadas com o intuito de melhorar as condições econômicas e sociais de países pobres. A novidade, entretanto, é o gosto pela participação direta em empresas, despertado há pouco tempo. Tradicionalmente afeitas a modalidades de financiamento menos arriscadas, como empréstimos, essas instituições começaram a enxergar no mercado de capitais um importante aliado no cumprimento de seus objetivos.

A cada ano, as agências de fomento vêm aumentando o volume de recursos aplicados em ações de empresas. A International Finance Corporation (IFC), maior agência de desenvolvimento do mundo, é o melhor exemplo. Em 2010, o braço do Banco Mundial para estímulo do setor privado em países em desenvolvimento detinha, em seu portfólio, US$ 10,3 bilhões alocados em participações em empresas. Cinco anos antes, essa fatia correspondia a US$ 3,3 bilhões. Já o aumento da participação dos empréstimos na carteira da IFC, no mesmo período, se deu num ritmo bem mais brando: esses recursos passaram de US$ 14,7 bilhões em 2005 para US$ 26,3 bilhões no ano passado, um crescimento de 78,9%.

A maioria esmagadora desses investimentos é dedicada a empresas de capital fechado, nos moldes de um private equity. A modalidade foi o caminho encontrado pelas agências para melhorar a governança das empresas. “É o que buscamos, inclusive, em termos sociais e ambientais. Além disso, o private equity oferece, no geral, retornos bem mais positivos que os investimentos em companhias listadas”, comenta Yvonne Bakkum, diretora de private equity do Entrepreneurial Development Bank (FMO, na sigla em holandês), banco de desenvolvimento da Holanda.

A escolha pelo private equity começou a ganhar força na década de 1990, depois da queda do muro de Berlim, em 1989. “Até então, a motivação dessas instituições era ideológica. Em plena guerra fria, o objetivo era injetar recursos nos países pobres para obter apoio político”, conta Marc Lebreton, gerente de projetos no Brasil da Proparco, braço da Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD) para o financiamento do setor privado. Essa visão caducou, e o foco hoje é o combate à pobreza, o estímulo à educação, e, mais recentemente, a sustentabilidade. “Com isso, veio a busca por melhores retornos”, diz Lebreton.

Uma das frentes de redução da pobreza nos países em desenvolvimento é o incentivo ao agronegócio. Em 2009, a Proparco iniciou uma parceria com a Wadi, indústria egípcia de produtos derivados do frango. Zelosa com seus processos de controle sanitário, a Wadi havia se destacado em 2006 como uma das poucas empresas do setor no continente africano a apresentar índice zero de contaminação durante o surto de gripe aviária. As perspectivas de expansão no Egito e também no Sudão despertaram o interesse da agência francesa, que desembolsou US$ 3 milhões por uma participação minoritária na empresa egípcia. De lá para cá, a companhia quadruplicou seus resultados e se tornou um dos maiores grupos alimentícios do Egito. “Parcerias com empresas de qualidade como a Wadi contribuem para o desenvolvimento da autossuficiência egípcia na produção de alimentos. O fortalecimento das exportações também ajuda a incrementar a balança de pagamentos do país”, informa um comunicado da agência francesa criada em 1977 e com ativos em mais de 60 países. A saída do investimento pode estar próximo de acontecer, já que a Wadi vem sinalizando a possibilidade de se listar na bolsa de valores local. O processo de abertura de capital terá toda a assistência da Proparco.

Outra vertente da atuação das agências de desenvolvimento é a ambiental. A IFC identificou na indiana Auro Mira Energy, voltada para a energia renovável, o perfil que procurava no setor. A empresa recebeu US$ 10 milhões para desenvolver projetos de geração de energia hidrelétrica, eólica e de biomassa (a partir de resíduos orgânicos). Grande produtora de carvão e importadora de petróleo, a Índia carece de diversificação na sua matriz energética, extremamente dependente de matérias-primas fósseis.

O montante recebido pela Auro Mira Energy foi uma pequena parcela dos US$ 2,9 bilhões comprometidos pela IFC com private equity em 2010. O engajamento da instituição no capital de risco chegou a tal ponto que a agência criou, em 2009, uma gestora própria — a IFC Asset Management — para administrar os recursos investidos em empresas de capital fechado. “Foi uma cartada inteligente da IFC, que soube aproveitar a expertise em países em desenvolvimento para captar recursos de fundos soberanos, fundos de pensão e outros grandes investidores institucionais”, observa Ernest Chung, advogado do escritório Blank Rome, que assessora agências de desenvolvimento.

Em breve, a Proparco espera debutar no mercado de private equity brasileiro, com o aporte em um fundo de energia renovável

No ano de estreia da IFC Asset Management, a agência pagou R$ 12 milhões por uma participação na Ideal Invest, gestora brasileira de produtos financeiros para o ensino superior. “Com a experiência da IFC no setor de educação em países em desenvolvimento, a companhia ganhou projeção”, comenta Carlos Furlan, diretor geral da Ideal Invest. “Os recursos da IFC também favoreceram as instituições de ensino auxiliadas pela Ideal Invest, que aumentaram a base de alunos beneficiados com os programas de crédito da companhia”, acrescenta.

Além do investimento direto, as instituições de fomento também alocam recursos em fundos de participação. A FMO injetou US$ 12,5 milhões no fundo Mekong Brahmaputra Clean Development, dedicado a projetos de energia limpa na sub-região do Grande Mekong, que abrange Camboja, Laos, Mianmar, Tailândia, Vietnã e parte da China. O fundo pretende investir em pelo menos dez projetos de energia renovável, conservação da água e reciclagem de materiais até 2014. “Além de promover a disseminação de conceitos sustentáveis na região, os recursos devem criar mais de 900 empregos permanentes e outras 7 mil vagas temporárias”, prevê Yvonne.

HORA DE ENTRAR… — A atuação dessas agências no Brasil aponta para situações opostas. A Proparco encara o País como um destino atraente para investimentos em favor da sustentabilidade. Os franceses abriram um escritório aqui há três anos e, por enquanto, só têm trabalhado com empréstimos. Em 2010, cederam linhas de longo prazo a empresas como Açúcar Guarani (US$ 50 milhões) e Anhanguera Educacional (€ 8 milhões). “Não concorremos com os bancos locais. Entramos num nicho, o de empréstimos de longo prazo, ao qual muitas empresas têm acesso limitado”, declara Lebreton. Em breve, a Proparco espera debutar no mercado de private equity brasileiro, com o aporte de recursos em um fundo focado em projetos de energia renovável, cujo nome preferiu não revelar. “O Brasil possui um potencial fantástico a ser explorado nessa área. Ainda há muito espaço para se investir”, completa.

A alemã Deutsche Investitions-und Entwicklungsgesellschaft mbH (DEG) também vislumbra aumentar sua exposição ao Brasil. Mais simples do que soletrar o nome da instituição é explicar o interesse pelos ativos brasileiros. Além do potencial de desenvolvimento e de combate à pobreza, a DEG vê no Brasil um líder regional importante. “É um país âncora na América Latina, importante para o progresso de toda a região. Por isso, o nível de investimentos deve permanecer alto”, considera Yves Ehlert, diretor para a região do Mercosul da DEG.

Atualmente, o portfólio alemão no Brasil soma € 302 milhões, dos quais 15% estão alocados em participações no capital de empresas. O objetivo, nos próximos anos, é aumentar essa fatia para 40%. “Com a melhoria do cenário brasileiro em relação ao global, nosso apetite para ativos de maior risco no País aumentou”, admite Edson Furuiti, gerente sênior de investimentos da DEG.

Trabalhando apenas com capital próprio, a DEG busca, preferencialmente, investimentos diretos em empresas. Em 2009, aportou R$ 47 milhões em troca de 7,4% do capital da companhia de energias renováveis Ersa. Os outros sócios eram Pátria Investimentos, Eton Park, Bradesco BBI, FIP Brasil Energia e GMR. Em abril, a Ersa negociou a venda do seu controle para a CPFL Energia, criando a CPFL Energias Renováveis, a partir da associação dos ativos das duas empresas em pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), parques eólicos e usinas termelétricas a biomassa. A DEG manteve sua participação na nova empresa e deve sair numa eventual abertura de capital da CPFL Energias Renováveis.

…OU DE SAIR? — O FMO, ao contrário, está tirando o pé do acelerador. Não faz novos investimentos no Brasil desde 2009. “Na América Latina, nossa atenção tem se voltado especialmente para Peru, Colômbia e América Central”, esclarece Yvonne. Atualmente, a instituição holandesa possui € 91 milhões alocados no País, dos quais € 89,3 milhões em empréstimos e € 1,5 milhão em private equity. Atuante em mais 80 de países, o FMO possui uma carteira de investimentos total de US$ 4,6 bilhões, dos quais US$ 894 milhões em ações de empresas. Para Chung, do Blank Rome, o desenvolvimento do Brasil nos últimos anos torna o investimento no País menos urgente. “O foco das agências é nos países de baixa renda. Ao lidar bem com seus problemas sociais, o Brasil naturalmente vai saindo do raio de ação dessas instituições”, analisa.

Na carteira do IFC, o Brasil só não tem maior participação do que a Índia. Os investimentos no País somam US$ 2,5 bilhões, o equivalente a 7% do portfólio de equity da instituição. A alocação já elevada e a atratividade verde-amarela no setor de private equity devem frear novos investimentos por aqui. “O interesse de fundos internacionais pelo Brasil vem aumentando consideravelmente nos últimos anos, tornando nosso papel menos relevante”, avalia Ralph Keitel, diretor de private equity do IFC. “Continuaremos investindo no País, mas de forma muito mais seletiva”, complementa.


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