Dilema contábil
Nova lei vem cercada de dúvidas sobre os impactos fiscais das mudanças para adaptação ao modelo internacional

, Dilema contábil, Capital AbertoA Lei 11.638 promete colocar o Brasil na rota do padrão internacional de contabilidade, o que resultará na elaboração de demonstrações financeiras exclusivamente no formato IFRS (International Financial Reporting Standards). Mas ainda que o desfecho seja conhecido, a história está bem longe de acabar. Sancionada às pressas no fim do ano passado, a nova redação da lei não pára de suscitar dúvidas no mercado.

Muitas delas se referem à parte fiscal. Ao adaptar a contabilidade nacional a princípios que norteiam o padrão internacional, a lei modifica itens do balanço altamente sensíveis do ponto de vista tributário. Um dos exemplos mais claros é o uso do ágio pago em operações que envolvem combinações de empresas. Em uma aquisição, o ágio pago pelo comprador é amortizado ao longo dos anos conforme a rentabilidade do ativo adquirido é incorporada ao balanço. Ao entrar na demonstração de resultado como despesa, a parcela do ágio amortizada reduz a base do lucro tributável e se transforma em um benefício fiscal para o adquirente. Assim, quanto maior o ágio, maior o potencial de geração de créditos tributários pelo comprador.

É justamente aí que entra a primeira dúvida deixada pela nova lei. Pelas regras atuais, o ágio é a diferença entre o valor pago pelo ativo e o valor patrimonial pelo qual ele estava registrado no balanço. Do ponto de vista fiscal, isso pode representar uma boa notícia para o comprador. Como o valor patrimonial do ativo, não raro, está longe de representar o seu valor real, o ágio tem boas chances de atingir um montante atrativo para fins de abatimento de imposto. Já pela nova lei, o ágio não é mais a diferença em relação ao valor patrimonial contábil, mas sim ao valor do patrimônio calculado a preço de mercado — o que, dependendo do caso, pode reduzi-lo substancialmente e, dessa forma, diminuir a perspectiva de ganho fiscal.

Até este ponto, parece claro que a mudança levaria a montantes menores de ágio e do respectivo benefício fiscal, não fosse o parágrafo 7º, do artigo 177 da nova lei, que diz: “Os lançamentos de ajuste efetuados exclusivamente para harmonização de normas contábeis, nos termos do parágrafo 2º deste artigo, e as demonstrações e apurações com eles elaboradas não poderão ser base de incidência de impostos e contribuições nem ter quaisquer outros efeitos tributários”. No caso, a mudança no cálculo do ágio visa justamente alinhar os princípios brasileiros com os internacionais. Como fica, então, a parte tributária?

Para Taiki Hirashima, sócio da Hirashima Associados, as companhias deverão considerar a nova forma de cálculo de ágio em sua contabilidade para efeito fiscal. Mas a questão é polêmica, em razão do que diz o artigo 177. Vale lembrar que, em 1976, após lançada a Lei das S.As, uma outra legislação, voltada apenas ao aspecto fiscal, promoveu as adaptações ao novo diploma societário. Wanderley Olivetti, responsável pela área tributária da Deloitte, também se recorda do episódio e não descarta a possibilidade de um decreto-lei ser editado para responder às dúvidas do mercado. Por enquanto, tem-se apenas o silêncio da Receita Federal. Procurada pela reportagem da Cap ital Aberto , a Receita informou que as alterações introduzidas pela nova lei estão sob análise.

Aparentes falhas de redação também deixam dúvida quando o assunto é ágio. Lá está dito, no artigo 226, que a contabilização de ativos e passivos em operações de incorporação, fusão e cisão entre partes independentes deve ser a valor de mercado. E não se fala nada sobre as operações de aquisição entre partes independentes. Não seria lógico que elas estivessem incluídas nessa lista também?

Outro ponto a ser considerado é que, no IFRS, ao contrário do BR Gaap (modelo brasileiro), o ágio não é integralmente amortizado — e, portanto, não pode ser 100% aproveitado para fins fiscais. A parte chamada de “mais valia” pode ser amortizada, mas a relativa à rentabilidade futura esperada para o ativo, em geral, não. Neste caso, reduzem-se as possibilidades de créditos tributários? “A Lei 6.404 é uma das bases de apuração dos tributos a serem pagos e, por isso, precisamos de uma orientação da Receita Federal”, afirma Idésio Coelho, sócio da área de auditoria da Ernst & Young. Há também quem avalie que, no que se refere às questões relacionadas a ágio, nada mudou, por enquanto, nem para fins contábeis. É o que afirma Elidie Bifano, sócia da PricewaterhouseCoopers (PwC), ao enfatizar que a adoção de procedimentos em conformidade com as normas internacionais ainda depende de regulamentação específica da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

A elaboração de balanços pelas limitadas também deixa dúvidas. A lei não menciona o órgão responsável pela fiscalização dessa exigência

ÁGIO MENOR, LEASING MAIOR — Nas operações de leasing financeiro, outra mudança. Pelas regras antigas, lançava- se a depreciação do bem arrendado junto com a despesa do aluguel somente durante o período em que vigorasse o financiamento. Agora, a nova lei determina que o ativo arrendado seja incluído na conta de imobilizado — o que significa que sua depreciação passa a ser computada durante todo o período de vida útil do bem. Considerando-se que a depreciação é dedutível do imposto, isso significa que o benefício fiscal ficará diluído por mais tempo?

Para a Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca) não existem dúvidas. “Entendemos que não há nenhum efeito fiscal, em qualquer situação”, avalia Eduardo Lucano, superintendente-geral da entidade. Segundo ele, como não há obrigação ou benefício tributários sem lei específica que os estabeleça, ficam valendo os critérios antigos para apuração do Fisco e as novas determinações para efeito societário. No caso do leasing, há legislação específica, independentemente da Lei das S.As. “A lei atende a um desejo antigo de tributaristas e contadores de que o princípio contábil não pode ser gerador de tributação”, completa Carlos Iacia, outro sócio da PwC.

Mudanças nos investimentos avaliados pelo método da equivalência patrimonial também geram dúvidas. Pela nova lei, passam a ser computadas nesta rubrica empresas nas quais a companhia tenha influência significativa — termo que não existia antes —, nas quais participe com 20% do capital votante — antes era 20% do capital total —, ou ainda que façam parte do mesmo grupo ou estejam sob controle comum. Hirashima levanta a questão sobre como tratar as contas de equivalência patrimonial que até então eram registradas e, agora, pelo novo método, não mais precisariam existir.

LIMITADAS DE GRANDE PORTE — Além das questões fiscais, estão sob os holofotes as limitadas de grande porte. Não apenas em razão das trapalhadas em torno da exigência de publicação dos balanços — que caiu do texto em tramitação na esteira de um outro artigo, e não foi retirada da ementa da lei —, mas também no que diz respeito à elaboração de demonstrações financeiras nos mesmos moldes das companhias abertas. Embora exija claramente a elaboração do balanço, a legislação não dispõe sobre prazos e, sem isso, não será possível determinar se a empresa cumpriu a exigência. Outro ponto de interrogação está na fiscalização, uma vez que a nenhum órgão foi atribuída essa função.

A lei classifica a sociedade de grande porte como empresas que, sob controle comum, tenham, no exercício social anterior, ativo total superior a R$ 240 milhões ou receita bruta anual superior a R$ 300 milhões. Na avaliação de Idésio Coelho, da Ernst & Young, é importante esclarecer a definição de controle comum. Como tratar, por exemplo, as empresas de um mesmo dono, mas sem participação uma na outra, e que somente atingiriam a classificação de grande porte se feito o somatório de seus faturamentos?

Outro ponto de destaque diz respeito à adesão às normas internacionais pelas limitadas de grande porte e pelas sociedades anônimas de capital fechado. As S.As abertas devem seguir toda a Lei 6.404, além da 11.638 e das normas emitidas pela CVM. E quanto às outras modalidades de empresa? Para Gilberto Munhoz, sócio da KPMG, elas serão obrigadas a seguir apenas o que está na lei. A adesão às normas que tratarão da convergência será opcional.

Há também questionamentos sobre a vigência da lei. A redação diz que a entrada em vigor se dará no dia do exercício seguinte ao de sua publicação. Neste caso, as determinações passaram a valer em 1º de janeiro deste ano. A dúvida é como ficam as companhias cujo exercício social não coincide com o fiscal. “O mais correto seria o texto se referir ao primeiro dia do exercício social seguinte”, comenta Coelho. Em Comunicado ao Mercado, a CVM afirmou que, para as companhias que iniciaram o exercício antes de 1º de janeiro de 2008, as alterações se aplicam somente às demonstrações financeiras encerradas a partir de 2009. É por esclarecimentos desse tipo que o mercado espera.


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