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Deu pane
Nos Estados Unidos, as primeiras assembleias realizadas somente no mundo virtual revoltam os acionistas

, Deu pane, Capital Aberto

As assembleias de acionistas de companhias norte-americanas estão virando coisa de filme de ficção científica. Como as futurísticas sessões do Senado da saga Guerra nas Estrelas, esses encontros societários ocorrem hoje por meio de videoconferência, sem a necessidade de deslocamento físico. As distâncias que separam o investidor e o local da assembleia nem lembram as dimensões intergalácticas, é verdade. Mas, muitas vezes, são suficientes para desestimular a participação nas reuniões, além de aumentar a dose de burocracia com a preparação da papelada necessária para a nomeação de procuradores. O que parecia ser uma boa ideia, porém, está dando dor de cabeça nos investidores. Grandes gestores e fundos de pensão se queixam das empresas que realizam assembleias somente no ciberespaço.

Desde maio de 2009, 28 empresas dos Estados Unidos contrataram o software da Broadridge, provedora de serviços de comunicação com investidores, para a transmissão online da reunião. Dentre essas, 17 fizeram, ou farão até janeiro, reuniões exclusivamente virtuais, e 11 optaram por uma forma híbrida, em que os acionistas podem escolher entre participar da assembleia presencialmente ou acompanhá-la remotamente. A maioria dos clientes decidiu pagar apenas pelo serviço de áudio, o que mostra a preocupação em enxugar os custos com assembleias. É a companhia que opta por transmitir apenas o áudio ou também a imagem da reunião. Teoricamente, todo esse cenário traria apenas vantagens, já que elimina o problema da distância e preserva o direito de os acionistas assistirem à assembleia, votarem e se manifestaram. Mas a realidade tem se mostrado diferente.

Em junho, a desenvolvedora de soluções de antivírus e segurança da informação Symantec começou a receber cartas de acionistas descontentes com seu plano de promover a assembleia somente na internet. A decisão de abrir mão da assembleia presencial foi tomada só no fim de agosto. Glyn Holton, diretor executivo da United States Proxy Exchange (USPX), organização sem fins lucrativos que defende os direitos dos acionistas, iniciou uma campanha para incentivar os acionistas a se manifestarem contrariamente à proposta. “Em uma reunião presencial, se o CEO fala algo errado, eu posso ficar em pé e corrigir. Se o sistema não funciona, como eu vou me manifestar?”, questiona.

“Em uma reunião presencial, eu posso ficar em pé e corrigir o CEO. Se o sistema não funciona, como eu vou me manifestar?”

Segundo Holton, a empresa tem remunerado excessivamente os executivos ao mesmo tempo em que vem entregando, nos últimos cinco anos, resultados negativos. Assim, declara, realizar a assembleia apenas virtualmente seria uma forma de evitar contato com os acionistas. “Dá a impressão de que os executivos sob ataque estão se escondendo atrás da tecnologia”, diz trecho da carta enviada aos associados da entidade. O executivo afirma que não se opõe ao uso da internet, pois ela pode aumentar o quórum das assembleias. “Mas a tecnologia que temos hoje é rudimentar”, reclama.

A assembleia da Symantec foi realizada em 20 de setembro deste ano, apenas com o áudio. Os acionistas odiaram. Além do fato de 3 dos 11 conselheiros terem faltado ao encontro, os investidores reclamaram que algumas questões ficaram sem respostas durante a tradicional sessão de perguntas. A companhia, porém, garante que todas as questões foram respondidas. O desencontro de informações aumenta o clima de desconfiança sobre o sistema. “Não foi o caso de problemas técnicos”, assegura Cathy Conlon, vice-presidente de desenvolvimento estratégico da Broadridge. De qualquer maneira, a Symantec anunciou em outubro que, a partir de 2011, voltará a realizar sua assembleia de forma híbrida, atendendo aos clamores.

Dentre os queixosos estava Steve Schueth, presidente da gestora First Affirmative Financial Network (FAFN), que segue critérios socioambientais e de governança (ESG, na sigla em inglês) para investir. Ele considerou desrespeitoso o tratamento dispensado pela Symantec aos acionistas. “Nós não achamos que funciona. A companhia que fizer isso será considerada ‘suspeita’ por nós, no sentido de não ser transparente em seus processos”. Para Schueth, as vantagens que a tecnologia traz não substituem a assembleia tradicional. “Quando falamos por e-mail, temos uma conversa com menos qualidade do que por telefone. E quando falamos por telefone, temos uma conversa com menos qualidade do que pessoalmente. Trata-se de comunicação humana, que envolve tom de voz, linguagem corporal e outros aspectos.” Mesmo que haja vídeo, e a câmera se foque em quem fala, o espectador não vê a reação dos acionistas, e estes, por sua vez, não podem se ver. “Há sempre uma certa dinâmica da sala”, observa.

Às vezes, os benefícios da tecnologia são superestimados, avalia Simon Wong, sócio da Governance for Owners, entidade que promove o ativismo de acionistas. Não é à toa, diz ele, que as pessoas viajam horas e horas de avião para fazer negócios frente a frente. “Existem video- conferências e outros recursos, mas aí não se tem a sensação de como a pessoa está realmente se comportando, não se pode sentir as emoções. Ouvir diretamente dos executivos o que eles têm a dizer é muito importante: você sente a descontração ou a tensão que existe neles”, justifica.

O State Board of Administration (SBA), que administra o fundo de pensão dos funcionários públicos da Flórida, apoia a opção de se ter a assembleia online, mas é contra a exclusão da possibilidade de se acompanhar a reunião presencialmente. Mike McCauley, diretor do programa de investimento da entidade, se preocupa com as experiências feitas até agora, pois as formas de manifestação do acionista têm sido limitadas. “Pode ser também porque tudo isso ainda é muito novo”, pondera. O SBA integra o Council of Institutional Investors (CII), instituição que também se posicionou contrariamente à assembleia da Symantec.

No Brasil, a assembleia de acionistas exclusivamente virtual é proibida pela Lei das S.As.

VOLTANDO ATRÁS — Em 2009, a Intel foi uma das pioneiras ao realizar a assembleia no modelo híbrido, permitindo o voto eletrônico em tempo real. Embalada pelo êxito da experiência — o número de participantes remotos foi maior que o de presenciais —, a fabricante de chips bem que tentou, mas enfrentou resistências para fazer um encontro de acionistas exclusivamente virtual. Após diversas reclamações, como a da gestora Walden Asset Management, a companhia voltou atrás e realizou novamente a assembleia de modo físico e on-line. A Walden, juntamente com a EFO Capital Management, também protestou contra a proposta da Procter & Gamble de assembleia 100% virtual, que acabou não vingando.

Ironicamente, mesmo a Broadridge, fornecedora da plataforma tecnológica, quando realizou a sua própria assembleia on-line, foi alvo de duras críticas, inclusive de ordem técnica. Holton, da USPX, teve dificuldades para se logar. Quando ligou para o suporte, foi informado de que o problema era do sistema e não do seu computador, e que muitos estavam na mesma situação. Enquanto Holton falava com os técnicos, a assembleia ocorria normalmente. Sem o acesso por internet, ele participou por telefone e indagou se os executivos estavam a par das falhas da ferramenta. A resposta foi de que somente quatro pessoas haviam registrado dificuldades, e três tiveram o impasse solucionado. O executivo lembra que, coincidentemente ou não, a ligação telefônica também caiu após a pergunta ser respondida. Em nota oficial, a companhia afirmou que “uma análise detalhada dos registros de acesso mostrou que não houve questões técnicas no sistema”. Em seguida, acrescentou que existem configurações mínimas para os computadores usados no acesso, as quais provavelmente não teriam sido atendidas em alguns casos.

Ferramentas de incentivo à participação de acionistas em assembleias são positivas na visão do Institutional Shareholder Services (ISS). Porém, a consultoria de governança não tem uma opinião formada sobre os benefícios ou prejuízos de uma reunião que ocorre só na internet. “Mas se os acionistas se sentem excluídos ou há problemas técnicos, isso vai contra o propósito de aprimorar o diálogo entre a companhia e seus investidores”, afirma Gary Hewitt, porta-voz da consultoria. A ANTs, que produz software para consolidação de dados, fez sua assembleia dessa maneira, em novembro, registrando um público seis vezes maior (pulou de cerca de 30 pessoas para 200). Para atingir esse feito, a empresa também passou por contratempos técnicos. Segundo o CEO, Dave Buckel, no fim das contas, porém, todo o mundo que queria participar do encontro conseguiu. “Nos esforçamos para isso”, admite o executivo.

CAMINHO NATURAL — Para Schueth, da FAFN, as reuniões puramente virtuais podem se tornar uma tendência, a não ser que os acionistas reclamem. “Nós vamos nos manifestar sempre”. Já na opinião de Holton, da USPX, levará tempo para se poder confiar nessa tecnologia, o que vai depender do compromisso que as companhias terão com o desenvolvimento dela.

No Brasil, a assembleia exclusivamente virtual, nos moldes como ocorre nos Estados Unidos, é proibida pela Lei das S.As. A reunião deve se realizar na sede da companhia. “Não acho recomendável nem acho que no Brasil haja espaço para caminhar na direção dos norte-americanos”, acredita Régis Abreu, diretor da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) e vice-presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec). Entretanto, a regulamentação autoriza o envio eletrônico da procuração de voto, desde que esteja presente na assembleia um representante legal do acionista.

Para fomentar ainda mais a participação nesses encontros, a Anbima e a Amec pretendem desenvolver até o fim de 2011 um portal em que seja possível votar em tempo real. “Sem ter que pagar um avião, sem ter que pedir procuração, sem ter que ir para lugares distantes e dormir fora do seu domicílio de trabalho”, descreve Abreu. Para ser mais efetiva, a proposta depende, dentre outros fatores, da extinção da obrigatoriedade da presença física do acionista ou de seu procurador.


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