Incrível como algumas coisas são pouco refletidas no mercado de capitais. Confesso ao leitor que bate até uma certa frustração. O exemplo mais recente é a reforma na seção contábil da Lei das S.As. Durante os sete anos em que tramitou na Câmara dos Deputados, o projeto destacou-se, entre outros pontos, pela proposta de obrigar as empresas limitadas de grande porte a divulgar os seus balanços. Na época, era comum os inconformados com a apatia do mercado refletirem sobre os motivos que levavam algumas companhias a fechar o capital e outras tantas a jamais cogitar a idéia de ver suas ações em bolsa. Entre essas conjecturas, alguém aventava a hipótese de a excessiva exposição de uma companhia aberta perante suas concorrentes que não deviam satisfações a investidores ser um desestímulo. Fazia sentido.
A despeito de quem tem razão — se são os que defendem uma transparência maior por parte das empresas fechadas de grande porte ou os que acham que uma empresa só deve satisfação aos seus acionistas —, certamente não há desculpa para o descaso com que a proposta foi colocada para fora do projeto de lei 3.741, agora transformado na Lei 11.638. A obrigação de divulgação foi simplesmente arrastada no bojo de outro parágrafo excluído, em pleno dia 28 de dezembro, na correria para aprovar o projeto antes da virada do calendário. Para alegria do lobby das empresas que não faziam a menor questão de divulgar seus balanços, o “detalhe” nem mereceu discussão. No dia seguinte ao feriado, em plena ressaca de ano novo, jornais produzidos por equipes de plantão noticiavam inadvertidamente a divulgação obrigatória de balanços pelas limitadas como uma novidade da lei, provavelmente influenciados pelas pesquisas nos bancos de dados que apontavam este como um dos temas mais relevantes do projeto.
À luz da retirada descuidada deste ponto, abriu-se espaço até para que advogados interpretassem de formas distintas o texto final. Alguns defendem que a divulgação é, sim, obrigatória. Afinal, estava no espírito do projeto desde o seu início. Para completar, há a ementa da nova lei, que, numa caricatura das trapalhadas que acompanham o descaso, ainda mantém o termo “divulgação” referindo-se às limitadas, como se desconhecesse que tal proposta sucumbiu em meio ao tilintar das taças em clima de festas.
O acidente legislativo não é o único exemplo de como a pressa e o desconhecimento permitem que algumas coisas fiquem muito longe de receber a reflexão merecida. As poison pills, que são o foco da reportagem de capa desta edição, também entraram quase que mecanicamente nos estatutos sociais das novatas da bolsa. Em meio à correria para aproveitar a convidativa janela de mercado, essas pílulas de veneno utilizadas para preservar a estrutura societária vigente e evitar aquisições hostis a preço de barganha eram simplesmente ignoradas pelos executivos das companhias. Agora, com as primeiras evidências de que elas têm lá os seus efeitos colaterais, há quem se preocupe em calibrar as medidas do veneno. A pressa, claro, costuma afastar a perfeição.
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