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Da utopia à realidade
Nos últimos sete anos, o economista Roberto Teixeira da Costa foi um evangelista da ambiciosa proposta de fazer do International Financial Reporting Standards (IFRS), as normas contábeis internacionais, o padrão contábil mundial.

, Da utopia à realidade, Capital AbertoNos últimos sete anos, o economista Roberto Teixeira da Costa foi um evangelista da ambiciosa proposta de fazer do International Financial Reporting Standards (IFRS), as normas contábeis internacionais, o padrão contábil mundial. Foi o trustee do International Accounting Standards Board (Iasb), que edita as regras do IFRS, a permanecer por mais tempo no posto — desde a criação do órgão, em 2001, até o mês passado. Ao longo dessa trajetória, travou muitas batalhas, como a de convencimento da União Européia e do Japão a aderirem às normas internacionais de contabilidade. A última grande conquista de sua passagem pelo Iasb foi a decisão da Securities and Exchange Commission (SEC) de aceitar o IFRS das empresas estrangeiras, sem necessidade de reconciliação com o US Gaap, as regras norte-americanas. Fruto de um misto entre interesses político e econômico, a medida tem também um valor estratégico. Deixou a meta de contabilidade global menos utópica e mais viável. Costa, o primeiro presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), falou à CAPITAL ABERTO sobre os bastidores dessa escalada

C.A: Como foi o seu começo no Iasb?
R.T.C: Recebi o convite em 1999, mas inicialmente tive resistência por não me sentir um expert em contabilidade e auditoria. A insistência foi grande e aceitei, já que precisavam de um representante da América Latina. Pedi que mandassem informações porque naquela altura não tinha uma visão muito clara do que teríamos pela frente. Meses depois, um amigo ligou de Nova York dizendo que o Wall Street Journal noticiava a formação de um board chefiado pelo Paul Volcker (ex-chairman do Federal Reserve) e que eu era um dos 19 trustees. A crise asiática eclodiu e mostrou que, apesar de os países adotarem regras próprias, não havia normas comparáveis e aceitas pela comunidade financeira internacional. O mundo carecia de um sistema mais uniforme de normas contábeis. Fizemos nossa primeira reunião em Nova York e, a partir daí, desenhamos qual seria o papel do trustee. Sabíamos que não era o de definir normas, e sim de fomentar o mercado e selecionar os gestores do Iasb. Em uma estrutura de capital aberto, seríamos o equivalente ao conselho de administração.

Naquele momento, já era possível perceber que as regras norte-americanas não seriam a base para a convergência?
Nitidamente sabíamos que esse padrão mundial não seria o sistema norte-americano. Em primeiro lugar, porque os Estados Unidos já eram uma potência hegemônica e uma escolha como essa geraria muitas reações negativas. Em segundo, porque o Fasb (Finnancial Accounting Standards Board), órgão que define as normas contábeis localmente, tem forte vinculação política. Recebe recursos do Estado e isso não era desejável.

Quais foram os fatos mais marcantes de sua passagem pelo Iasb?
O mais importante deles, por ter dado maior envergadura no Iasb, foi o caso Enron (2001). O episódio foi o estopim do processo que mostrou a existência de brechas na legislação. Era preciso evitar que situações como essas ocorressem. Outro ponto foi a contabilização dos ativos a valor de mercado, e não pelo valor de compra. Essa prática era difícil de ser implantada na Europa, especial- mente na atualização de derivativos. Os bancos foram, inclusive, muito resistentes neste ponto. Aliás, ao longo desses anos, aprendi como são diferentes as visões de europeus e norte-americanos. No caso da contabilidade, os europeus se baseiam na lógica, enquanto os norteamericanos especificam cada regra. Os primeiros são mais intervencionistas e os segundos deixam o mercado funcionar. Vi também que, apesar de o Reino Unido fazer parte da Europa, os chamados europeus continentais os vêem, por razões culturais e históricas, mais próximos dos Estados Unidos. Por conta disso, no começo, os contatos com a União Européia eram bem freqüentes. Gastamos muita sola de sapato para vender nosso peixe. Depois, ficou claro que não havia alternativa. A união de diversos países sob uma única moeda tornou fundamental que as regras contábeis fossem homogêneas. Outro mercado difícil de convencer foi o Japão. Havia muitas dúvidas e precisamos de diversas reuniões, ao contrário do que ocorreu com a China.

E a repercussão do IFRS no Brasil?
O trabalho feito aqui por pessoas como o Nelson Carvalho (presidente do conselho consultivo do Iasb), Fipecafi (Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras, da USP), Abrasca (Associação Brasileira das Companhias Abertas) e regionais da Apimec (Associação dos Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais), representando os analistas, foi extremamente importante para promover a necessidade de um órgão colegiado que coordenaria a implantação do padrão. Essa tarefa não compete à CVM e nem ao Banco Central. Por isso, criou-se o CPC (Comitê de Pronunciamentos Contábeis). Sem ele, o IFRS não se tornaria uma realidade. Evoluímos bastante e, agora, depois de sete anos, o Projeto de Lei 3.741 finalmente deixou a Câmara e está no Senado. Será um progresso muito grande termos um conjunto de normas atualizado.

E como foi o processo que levou os Estados Unidos a aceitar o IFRS, sem reconciliação com o US Gaap, das empresas estrangeiras lá listadas?
O fato de a SEC não aceitar o IFRS representava um custo adicional para todas as companhias estrangeiras. É um gasto que se soma aos oriundos da Lei Sarbanes- Oxley e cria uma situação delicada para as empresas européias. Nesse contexto, o Paul Volcker decidiu que uma das quatro reuniões do Iasb seria sempre nos Estados Unidos e contaria com visitas à SEC ou com a participação de comissários do órgão regulador. Tudo para que eles conhecessem de perto o nosso trabalho. Em meados do ano passado, a Angela Merkel (presidente da Alemanha) pleiteou junto ao presidente George W. Bush o fim da reconciliação. Foi aí que tudo começou a caminhar. O presidente norte-americano entendeu as razões e pediu que a SEC as levasse em consideração. Em novembro, foi feito o anúncio de que a reconciliação, a partir de 2009, deixaria de ser necessária. Foi uma decisão política, mas também econômica, porque havia o risco de cada vez menos empresas se interessarem pela Bolsa de Valores de Nova York.

Para onde caminham as discussões sobre o IFRS agora? Quais são as barreiras que ainda resta superar?
Na minha opinião, essa decisão da SEC abre um amplo caminho e torna a convergência, para muitos até então utópica, um projeto realmente palpável. Não gostaria de definir prazos, mas futuramente pode acontecer uma migração em massa para o IFRS. Há também outros projetos na mesa de discussão, como a convergência de negócios. É preciso discutir quais serão os padrões aceitos para reconciliar os dados de duas empresas que se unem.


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