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POC ou chaves nas incorporadoras?
Escolha de modelo de reconhecimento de receitas representa “trade-off” entre uma informação contábil mais rápida e outra menos sujeita a falhas
POC ou chaves, POC ou chaves nas incorporadoras?, Capital Aberto

Eliseu Martins*/ Ilustração: Julia Padula

Assim como aconteceu entre os anos de 2009 e 2010, na introdução das normas internacionais de contabilidade no Brasil na atividade de construção imobiliária, agora, na implantação da norma que substitui a antiga com relação ao reconhecimento de receitas, o assunto volta à baila — e com discussão até mais intensa. Uns querem manter a aplicação do POC (percentage of completion), que prevê reconhecimento das receitas — e, consequentemente, do resultado —, durante o processo de construção, como se as construtoras e/ou incorporadoras estivessem prestando serviços aos compradores. Já outros defendem o reconhecimento apenas na entrega dos bens quando terminados — ou seja, na entrega das chaves — como se as unidades imobiliárias fossem bens produzidos por uma indústria e entregues ao cliente.

Este artigo não vai entrar no mérito, só tentar apresentar o seguinte: essa diferenciação entre apropriar receitas e lucros durante a construção ou só na entrega das unidades vendidas é de extrema relevância nos primeiros e nos últimos anos da vida de uma empresa e nos períodos de grande recessão ou recuperação. Fora disso, nem tanto.

No início da vida da empresa, se adotado o POC já se reconhece lucro desde o primeiro mês de atividade na construção; caso se opte pelo reconhecimento nas chaves, o primeiro resultado aparecerá quando entregues as primeiras unidades acabadas. No último ano, as últimas unidades terão suas receitas e lucros reconhecidos só pela parte executada nesse último ano no POC, ou o valor integral desses imóveis últimos na entrega final no sistema das chaves.

Numa situação de normalidade, em cada ano tanto estariam sendo executadas algumas obras quanto estariam sendo terminadas e entregues outras. É até possível, teoricamente, em muitos anos nem haver diferença entre os resultados de uma ou outra metodologia. Claro que, no POC, os resultados aparecem mais rapidamente quando a atividade econômica começa a se intensificar, mas também caem em alta velocidade quando passa a diminuir. Ou seja, o POC faz o resultado reagir de maneira mais rápida quando as coisas vão bem e também quando vão mal. Mas, conforme se acumulam, as diferenças desaparecem.

Ocorre que há dois problemas sérios para se ter resultados mais rápidos pelo POC, além da letra das normas. O primeiro: a receita total (preço total) tende a ser fixa, e a apropriação de cada pedaço dela (e do lucro) durante a construção exige controles muito rígidos, já que essas receitas vão sendo registradas conforme a construção avança — mas esse avanço costuma ser medido pela relação entre custo efetivamente incorrido versus custo total estimado a incorrer. É lógico que tanto o controle do custo incorrido como, principalmente, a incontinenti estimação e atualização dos custos a incorrer são capazes de, num momento de frouxidão de controles, fazer aparecer resultados impróprios. Demorar para atualizar a margem custo/receita produz deformações terríveis para os usuários, escondendo a efetiva realidade. Por outro lado, saber só na entrega final que a margem não é a esperada também não é bom para o mercado.

O segundo problema deriva dos distratos, que obrigam a empresa a “estornar” toda a receita (e lucro) apropriado até aquele momento para aquele cliente. Na última recessão nesse ramo, os efeitos desses dois problemas foram enormes. Quase desastrosos em alguns casos.

Evidente que no POC, como já dito, a resposta aos aumentos e diminuições no ritmo da atividade se dá mais rapidamente se não existirem aqueles problemas de controle nem distratos, e esse é o grande fator de interesse por parte dos investidores (e, consequentemente, da CVM) nesse método. Na metodologia das chaves os resultados são bem mais confiáveis — por isso ela é a preferida dos auditores —, mas mais tardios. Mais confiáveis, eu disse, nunca perfeitamente confiáveis, porque sempre restam problemas, após a entrega das unidades, de garantias, responsabilidades por defeitos, entre outros que só futuramente serão totalmente conhecidos.

Assim, o que temos é um enorme “trade-off” entre uma informação contábil mais rápida versus uma informação menos sujeita a falhas. É preciso também lembrar que essas diferenças seriam enormes no caso de uma entidade que tivesse apenas uma obra, mas quando são numerosas as diferenças entre os dois modelos diminuem fortemente.

O importante é saber que, como tudo em contabilidade, o que temos é um problema temporal. Só que com uma característica peculiar nesse caso: nada muda na vida financeira da empresa, no seu caixa, com o uso desse ou daquele método, com exceção dos dividendos. E isso porque, do ponto de vista tributário, nenhum dos dois métodos é utilizado para fins de impostos (federais); utiliza-se, para essa finalidade, da metodologia de reconhecimento do lucro e sua tributação conforme os recebimentos dos clientes, ou seja, um terceiro método. O que remanesce de fato como diferença no caixa é o momento da incidência dos dividendos obrigatórios e da deliberação quanto aos voluntários.

E isso porque os dividendos seguem, como regra, o próprio reconhecimento do lucro contábil: no POC, conforme a execução das obras, e nas chaves, só na entrega final. Mas, novamente, diferenças grandes em cada ano só no início da atividade da vida da empresa e no seu final, e nos períodos de grande recessão ou de grande revitalização da atividade.

Em resumo, criou-se uma briga, às vezes intensa, por causa dessas diferenças. Por isso continuo achando que deveríamos, para eliminar todas essas contendas, não apurar resultados intermediários. Seria melhor esperar o encerramento da empresa e de todas as suas possíveis obrigações, para assim se obter um resultado contábil inquestionável. Bem, inquestionável nada, porque eu seria o primeiro a dizer: mas o lucro não é a diferença entre o que os investidores colocaram e depois receberam? E não existe inflação entre esses momentos tão díspares no tempo?


*Eliseu Martins ([email protected]) é professor emérito da FEA-USP e da FEA/RP-USP, consultor e parecerista na área contábil


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