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Menos números, mais efetividade

, Menos números, mais efetividade, Capital AbertoO conselheiro sem vínculos com controladores e gestores sempre teve destaque nos principais códigos de governança do mundo. Sua valorização chegou ao ponto de diversos manuais recomendarem que fosse maioria nos conselhos de administração — entre eles está o inglês Cadbury, primeiro código sobre o tema. A vida prática, no entanto, tem mostrado que é preciso revisitar o assunto. Problemas em companhias que mantinham boards independentes evidenciaram que primar por outros atributos na seleção de conselheiros pode ser tão importante quanto garantir simplesmente o checklist da independência. No Brasil, os sinais dos novos tempos vieram das assembleias de acionistas. A temporada foi repleta de investidores minoritários batalhando pelos assentos destinados aos conselheiros independentes. Todos buscam, agora, o conselheiro efetivo, aquele que é escolhido por mérito e potencial de contribuição à companhia, passa por processos contínuos de avaliação e, por que não, também é independente. Nas próximas páginas, os melhores momentos do debate “O papel do conselheiro independente: hora de repensar?”, promovido pela CAPITAL ABERTO no mês de maio em sua sede, em São Paulo.

CAPITAL ABERTO — Maria Helena, o que você tem ouvido sobre o tema no âmbito da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)?

MARIA HELENA SANTANA — A OCDE tem um comitê de governança corporativa que reúne representantes dos países e convidados. O Brasil está lá, na figura da CVM. A certa altura começou uma discussão, que hoje oficialmente faz parte da agenda, de questionamento dos princípios da organização. Há diversos estudos que mostram a performance superior das empresas que têm o controlador ou a família fundadora por perto. De outro lado, entre os investidores, mesmo entre os que se propõem a uma gestão ativa, há muito foco nos resultados imediatos. Isso significa que a gente deve reavaliar essa sabedoria que se tornou convencional para ver se há formas de incentivar a presença do acionista de longo prazo. O nosso debate de hoje passa, por exemplo, pela recomendação do conselho com maioria de independentes. Será que é, de fato, a melhor forma de compor um conselho? Ou quando se tem acionistas voltados a uma visão de tempo mais prolongada seria o caso de fazer de tudo para esses caras estarem lá no conselho e, se possível, predominarem, porque eles têm um interesse econômico em jogo?

CAPITAL ABERTO — Sandra, seria o caso de equilibrar mais a participação de independentes com representantes dos minoritários?

SANDRA GUERRA — Nós, no IBGC, ainda não temos uma convicção sobre nenhum desses elementos. Mas acredito que a questão do conselheiro independente requer uma discussão desapaixonada e muito profunda. Antes, falávamos do conselheiro independente como um remédio para quase todos os males, e a crise financeira evidenciou que isso não é fato. A forma como escolhemos os conselheiros de administração é muito rudimentar. Ter um estranho em casa tomando decisões é uma coisa que ainda não está na nossa cultura e que, de certa forma, gera algum desconforto para o dono da casa. Por isso, a primeira iniciativa dele é buscar alguém que conheça, deixando de lado uma forma profissional de seleção, objetiva, que considere conhecimento, expertise, estilo, assertividade e mix com os demais conselheiros. Assim, é difícil encontrar conselheiros que digam para um controlador poderoso: “Discordo completamente da sua visão”.

JOÃO BRAGA — Sem dúvida, o que importa é a qualidade do conselheiro independente. Eles podem ser maioria ou minoria no conselho — o que interessa é podermos confiar neles. Nós vemos muita dificuldade de alguns empresários em receber críticas de fora da empresa. Se ficam sabendo que temos uma posição short (vendida), então viramos inimigos. Na Griffo nós sempre somos muito abertos com as empresas que cobrimos ou nas quais investimos, mas os resultados nem sempre são bons. A mentalidade dessas pessoas tem que mudar. Porque a avaliação dos conselheiros e dos outros administradores aparecerá, em algum momento, no preço da ação.

ALEXANDRE DI MICELI — Talvez a nossa discussão tenha sido catalisada por uma percepção de maior ativismo na última temporada de assembleias, motivado por investidores institucionais que têm solicitado voto múltiplo e em separado para eleger conselheiros que, muitas vezes, fazem parte de seus quadros. Isso passou a sensação de que esses investidores estão levantando mais a bandeira do conselheiro que seja integrante da própria gestora. Mas a discussão se insere dentro de um conceito maior, que é o da efetividade. Há vários fracassos de empresas com presença maciça de independentes. No Lehman Brothers, eram nove entre dez; na Sadia a proporção era acima da média brasileira. O que queremos é o conselheiro efetivo — aquele que é intelectualmente independente e também tem outros atributos, como tempo e conhecimentos técnicos. Os institucionais têm o papel chave de fomentar a ideia de um conselho no qual as pessoas são escolhidas por critérios meritocráticos de agregação de valor e não por questões políticas ou de relacionamento.

MARTA VIEGAS — O artigo 154 da Lei das S.As. diz que, teoricamente, todos devem ser independentes e agir no melhor interesse da companhia, mas o problema é que na grande maioria das empresas isso não acontece. O independente indicado por um minoritário significativo é independente de fato? Ou ele representa os interesses do minoritário que, muitas vezes, tem uma visão de curto prazo?

ALEXANDRE DI MICELI — Há alguns conflitos perigosos na atuação dos conselheiros. Um trabalho da Direito GV mostrou que um percentual significativo de membros do board considerados independentes faz parte do acordo de acionistas [referência a O conceito de conselheiro independente na regulamentação dos níveis diferenciados de governança corporativa da BM&FBovespa, a dissertação de mestrado apresentada pela pesquisadora Marina Oehling Gelman, em 2012]. No fim das contas, eles já entram no conselho sabendo que, em certas matérias, terão que votar de acordo com o que foi definido nas reuniões prévias sob pena de o voto ser anulado.

MARIA HELENA SANTANA — E aparecem como independentes no formulário de referência?

ALEXANDRE DI MICELI — Sim. Para mim foi uma enorme surpresa.

MARIA HELENA SANTANA — Não deveriam…

CAPITAL ABERTO — O que vocês acham da classificação dos independentes que aparece, por exemplo, nos formulários de referência? Quando o conselheiro é o próprio gestor do fundo ele deve ser classificado como independente?

“Há diversos fracassos de empresas que contam com a presença maciça de independentes”


SANDRA GUERRA — 
É possível que o executivo de uma asset esteja no conselho de administração da companhia investida e aja de forma desvinculada do controlador. O problema é mais complexo e não será a regulação que o resolverá. O que queremos? Não levar uma multa ou sermos cidadãos conscientes? Acho que queremos a segunda opção.MARIA HELENA SANTANA — Isso não o desqualifica como independente.

JOÃO BRAGA — Na CSHG, tendemos a não ocupar, nós mesmos, os conselhos. Não é por uma questão de independência, mas sim porque, provavelmente, teremos alguém melhor para indicar e ajudar a empresas em seus problemas específicos.

ALEXANDRE DI MICELI — A questão aqui é: pessoas que atuam nos quadros de certos investidores institucionais devem ser consideradas independentes? Até que tamanho de participação acionária?

MARIA HELENA SANTANA — Não dá para ter uma regra de bolso que garanta que as decisões representam todos os acionistas. Acho que é totalmente impossível ter essa pretensão.

ALEXANDRE DI MICELI — Eu concordo. Mas, por exemplo: pode estar em discussão um projeto ou uma possibilidade de expansão da empresa, que vai diminuir a distribuição de dividendos ou exigirá aporte dos acionistas. E o conselheiro que faz parte dos quadros de um investidor, como acionista, pode não querer injetar mais capital na companhia ou ver seus dividendos reduzidos. Também precisamos ter uma preocupação adicional no que diz respeito ao sigilo das informações. Esses investidores possuem participação em outras empresas, muitas vezes do mesmo setor. A própria companhia pode ficar insegura para lhe entregar alguma informação. É legítimo que sejam conselheiros — são acionistas e podem agregar valor. Mas acho que precisamos de cuidados adicionais.

MARIA HELENA SANTANA — Ele já tem a desvantagem de a asset ficar bloqueada de negociar o papel, o que é um custo para o gestor.

MAURÍCIO WANDERLEY — Na Valia, não temos ninguém em conselho no momento, a não ser em cargo de suplência. Mas, obviamente, é preciso ter cuidado e evitar que circulem informações dentro das áreas de investimento da entidade. O conselheiro deve formar a sua opinião sozinho. Esse é o modelo ideal para qualquer tipo de conflito.

CAPITAL ABERTO — Vocês concordam com a visão apresentada pelo Alexandre em relação às assembleias deste ano? Os investidores demonstraram maior preocupação com a falta de independência efetiva do conselho?

SANDRA GUERRA — A quantidade de votos múltiplos pedidos por minoritários nas assembleias deste ano indica o que vem por aí. Só que o conselho é um órgão colegiado, que resulta da interação entre as pessoas — isso torna o tema mais complexo. Um problema, a meu ver, é que o regramento exige determinados prazos para a divulgação dos candidatos por parte da companhia e outros prazos para os candidatos do investidor. Preocupa-me agregar uma pessoa na última hora e correr o risco de faltar uma competência fundamental para o conselho. Precisamos avançar para um processo mais maduro em que esse diálogo entre investidores e empresas comece muito antes da assembleia.

MARTA VIEGAS — Concordo plenamente. O pedido do voto múltiplo ocorre até dois dias antes da assembleia, mas os nomes podem ser apresentados na própria assembleia. Para o investidor estrangeiro é virtualmente impossível mandar uma orientação de voto a tempo. Isso pode afetar a formação do conselho. Talvez esse ponto exija uma mudança de regulamentação.

JOÃO BRAGA — Em relação à assimetria na eleição de conselheiro é bom lembrar que o minoritário tem menos informação que o controlador. A lei deve ser exatamente equânime ou deve dar flexibilidade para que o minoritário também consiga eleger representantes? É preciso tomar cuidado com essa questão. Eu acho que deve, sim, haver flexibilidade para o minoritário eleger conselheiros. Acredite, não é tão fácil. O ótimo seria conversar com a empresa e procurar o alinhamento, mas nem sempre o ótimo é possível.

“Há diversos fracassos de empresas que contam com a presença maciça de independentes”


MARIA HELENA SANTANA — 
Concordo que não devemos mudar a regra. Esse é um direito que deve ser exercido. As situações extremas também existem, não é?

SANDRA GUERRA — Esse prazo foi baseado em outro contexto histórico. Se você mudar a regra é possível beneficiar a todos e não apenas aquele está indicando. Por que tem que ser com 48 horas de antecedência? Não poderia ser com dez dias?

ALEXANDRE DI MICELI — Acho importante descobrirmos as causas do movimento tão atípico deste ano. E aí voltamos à questão do papel do investidor. Será que isso é consequência de o nosso mercado de ações estar estagnado em relação a outros mercados? Muitas das empresas em que houve esse movimento de voto múltiplo tiveram desempenhos ruins ou tomaram decisões bastante polêmicas nos últimos tempos. Vamos pegar o caso da HRT, o mais emblemático da temporada. A pergunta que se faz é: por que não cobraram antes uma governança melhor nessa empresa? Havia um potencial problema de excesso de concentração de poder e de falta de diversidade da companhia.

MAURÍCIO WANDERLEY — Com a queda da taxa de juros, muito dinheiro está saindo para gestão ativa de renda variável. Essa é a maior eficiência que o mercado vai ganhar, e isso não necessariamente passa por indicar alguém para influenciar o conselho de administração. Com esse movimento, o investidor estará mais disposto a enxergar as coisas erradas — não só em questões de governança, mas também sociais ou ambientais — e a questionar a companhia.

CAPITAL ABERTO — Vocês concordam, afinal, com o movimento que está sendo feito pelos minoritários para buscar maior representatividade nos conselhos?

MARIA HELENA SANTANA — É importante quem possui ações e, portanto, tem interesses mais próximos dos outros acionistas, ajudar na composição do conselho. Dependendo da empresa, o conselho pode não ser muito grande e não comportar a independência. Mas, se contar com representantes dos minoritários, já estará ótimo.

ALEXANDRE DI MICELI — Passamos por alguns estágios ao longo do tempo. Tivemos o conselheiro “estrela”, aquela pessoa conhecida no mercado para dar respaldo ao órgão. Depois as pessoas passaram a ver que isso, não necessariamente, representa um conselheiro efetivo, que seja atuante na companhia. Temos muito a evoluir, inclusive, na definição de independência. É difícil estabelecer os parâmetros desse conceito. Há conselheiros que ficam 15 ou 20 anos numa companhia e ainda são considerados independentes. Na França, existe um documento em que, anualmente, as empresas informam quais critérios adotaram, fora do checklist, para classificar os conselheiros como independentes.

CAPITAL ABERTO — Vocês concordam com a regra do Nível 2 e do Novo Mercado que exige pelo menos 20% de membros independentes nos conselhos?

MARTA VIEGAS — Como um patamar mínimo, acredito que ela é adequada.

MARIA HELENA SANTANA — Concordo. Essa regra é importante para induzir uma transformação necessária. Acho que 30% poderia ser um nível ainda melhor. Mas chegaremos a uma situação mais próxima do ideal quando os próprios conselheiros independentes começarem a selecionar as empresas para onde vão do mesmo modo que os investidores o fazem. O conselheiro precisa entender que o papel esperado dele naquela empresa não é simplesmente ajudar a enfeitar o conselho.

MAURÍCIO WANDERLEY — É isso. Menos número e mais comportamento. O mercado é uma fonte de informação importante que o conselho deve incluir.

JOÃO BRAGA — Se eu garantisse que ele não é suspeito, é independente de fato e vai agregar, já estaria satisfeito; não seria preciso aumentar o percentual.

ALEXANDRE DI MICELI — Concordo que a proporção mínima tem um caráter educativo e que ela poderia ser de 30%. A atuação do independente é uma sinalização importante. Se ele se manifesta contrariamente numa matéria ou, num caso extremo, pede para sair da empresa, isso é significativo para os investidores que estão fora do dia a dia.


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