Estatais na linha
Obrigação de compensação financeira evita iniciativas aventureiras por parte do Estado
Renato Ferreira*

Renato Ferreira*

As alterações no estatuto da Petrobras aprovadas em dezembro de 2017 em assembleia geral extraordinária representam importantes avanços na governança da companhia — além de prepararem a petroleira para a adesão ao Nível 2 da B3. Uma mudança, no entanto, merece especial atenção: a inclusão de previsão da obrigatoriedade de compensação da companhia pela União (sua controladora) por prejuízos suportados em razão de operações ou projetos deficitários executados para atendimento do interesse público que justificou a criação da Petrobras. O item foi inserido nos novos parágrafos 3º a 6º do artigo 3º do estatuto.

Hoje é amplamente reconhecida a finalidade lucrativa das sociedades de economia mista, que devem almejar o lucro para remunerar seus acionistas privados. Ocorre que o Estado, controlador dessas sociedades, também tem a prerrogativa de orientar as atividades sociais de modo a atender ao interesse público que justificou a criação da companhia, de acordo com o descrito na lei de autorização da constituição da estatal¹. Essa ressalva permite ao Estado, em hipóteses específicas e de maneira fundamentada, aprovar medidas e operações subjacentes a esse interesse público específico — ainda que o resultado econômico seja deficitário e sacrifique, de forma pontual, a lucratividade da sociedade. Mas isso não o autoriza a deixar de perseguir resultado financeiro positivo. A sociedade deve ser lucrativa mesmo que possa circunstancialmente executar projetos deficitários.

Inclusive nos casos em que seja legitimamente executada a operação deficitária, deve a companhia ser compensada pelo controlador. Primeiramente, por uma questão de racionalidade econômica, que já recomendava a compensação antes da publicação da Lei das Estatais (de número 13.303/16) e da alteração do estatuto da Petrobras. Além disso, o art. 8º dessa lei² determinou que quaisquer obrigações e responsabilidades assumidas pela estatal em condições diferentes das normalmente assumidas por empresas privadas do mesmo mercado estejam estabelecidas em lei e previstas em contrato, convênio ou ajuste celebrado entre a própria companhia e o ente público competente, em bases comutativas.

Esse dispositivo legal conduz ao entendimento de que os custos decorrentes dessas obrigações sejam negociados entre a companhia e o ente público, de modo que a primeira venha a ser compensada pelo segundo pelos prejuízos suportados. Se o ônus pudesse ser simplesmente imposto à companhia, sem reparação, não teria o legislador previsto a celebração de ato bilateral e consensual — seria suficiente a prática de ato unilateral e mandatório.

A compensação da companhia tem diversas finalidades, entre elas resguardar o patrimônio e a saúde financeira da empresa (que deixa de suportar com seus próprios recursos os prejuízos incorridos em conexão com operações deficitárias do tipo tratado neste artigo) e evitar a espoliação dos acionistas minoritários (indiretamente afetados com os consequentes prejuízos ao resultado financeiro da companhia).

O mecanismo da compensação representa também limite concreto e material à atuação do Estado como acionista controlador; funciona como ferramenta de contenção de iniciativas aventureiras e desprovidas de fundamentos jurídicos, em acréscimo a outras restrições de ordem qualitativa e quantitativa já discutidos na doutrina especializada. Afinal, a necessária compensação da companhia pelo seu controlador limita a adoção de medidas (ilegítimas) em prol do interesse público, dadas as consequências financeiras da multiplicação dessas iniciativas para os cofres públicos — a obrigação de se compensar a companhia pela diferença entre os parâmetros de mercado (a serem verificados no caso concreto) e o resultado operacional ou o retorno econômico da operação. Em outras palavras: o ônus decorrente da utilização da companhia para fins não lucrativos passa a ser do controlador, e não mais da própria companhia.

A medida — já refletida no estatuto da Petrobras — nos parece, portanto, importante evolução no que se refere às barreiras impostas à atuação do Estado como acionista controlador. Vem em boa hora, considerando o esforço empreendido por diversas estatais para tornar mais rigorosas suas práticas de governança corporativa. Espera-se, assim, que o exemplo da Petrobras seja reproduzido nas demais sociedades de economia mista, que já podem, a rigor, sustentar a necessidade de compensação com base no que dizem as leis.


*Renato Ferreira ([email protected]) é advogado do escritório Graça Couto Advogados


¹ Ressalva descrita no art. 238 da Lei das S.As. (Lei 6.404/76) e no art. 4º, § 1º, da Lei das Estatais (Lei 13.303/16)

² § 2º, inc. I, c/c inciso VII do caput.

 


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