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Empresas-veículo estão na mira do fisco
Ilustração: Rodrigo Auada

Ilustração: Rodrigo Auada

Uma decisão publicada na noite do dia 11 de maio expôs a derrota da empresa Center Automóveis na câmara superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), tribunal que avalia débitos de contribuintes com a Receita Federal. O órgão julgou que a Center Automóveis utilizou uma empresa-veículo em operação societária realizada em 2004 apenas para possibilitar o aproveitamento de ágio no abatimento de Imposto de Renda (IR) e Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL). A Receita não apenas desconsiderou o benefício fiscal, como entendeu que o ágio teria sido registrado “de forma simulada e com evidente intuito de fraude”. A empresa foi submetida a multa agravada de 150% sobre o valor do imposto apurado e pode ser alvo de um processo criminal com o encaminhamento do caso ao Ministério Público.

O episódio é apenas uma amostra das acaloradas discussões travadas entre as empresas e a Receita Federal a respeito do aproveitamento de ágio para abatimento de tributos. O benefício fiscal é registrado por quem pagou um sobrepreço na operação de aquisição.

Em 2014, para dirimir dúvidas dos contribuintes, a Receita alterou a legislação tributária vigente, esclarecendo alguns dogmas para empresas que absorvem o patrimônio de outras por meio de incorporação, fusão ou cisão. Um deles é o chamado ágio interno, gerado em operações de fusão e aquisição de empresas que já têm vínculos ou fazem parte de um mesmo conglomerado. De acordo com o procurador Paulo Riscado, da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, a nova Lei Tributária (12.973/14) é clara ao determinar que o ágio apenas é dedutível quando a aquisição ocorrer entre partes não dependentes. “Não existe ágio entre os mesmos. É uma heresia”, afirma Riscado. O procurador foi um dos participantes do workshop sobre ágio realizado pela CAPITAL ABERTO no dia 12 de maio.

Para Ana Paula Schincariol Lui Barreto, sócia do escritório Mattos Filho Advogados, a jurisprudência que vem sendo formada no Carf a respeito do ágio interno dificulta a iniciativa lícita do contribuinte. Na avaliação dela, operações do gênero anteriores a 2014 estão alinhadas à legislação tributária antiga e, portanto, não poderiam ser alvo de interpretação da Lei 12.973, de 2014. A advogada questiona ainda o limite da atividade do fiscal na rotina do administrador de uma empresa — que, sem ferir a lei, tem o direito de querer melhorar o lucro de sua companhia por meio de planejamento tributário. “Talvez não exista mais a possibilidade de um planejamento fiscal lícito com base na jurisprudência”, pondera Ana Paula.

A formação da jurisprudência sobre o ágio também preocupa o auditor Sérgio Bento, especialista em direito tributário e societário da PwC. Segundo ele, alguns jargões — um deles, o ágio interno — vêm sendo usados no Brasil de forma indiscriminada. “O contribuinte é julgado não pelo que originou de forma técnica aquele jargão, mas pela vida própria que o jargão ganhou no mercado”, sentencia Bento.

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Insegurança jurídica

A utilização da chamada empresa-veículo — sociedade constituída para registrar o ágio, com posterior incorporação pela companhia operacional — não é, por si só, razão para se impugnar a amortização fiscal. Porém, no Carf, amortizações de ágio geradas em operações com empresas-veículo já acendem um sinal amarelo. Essas sociedades, muitas vezes, são criadas apenas para se conseguir um abatimento fiscal. “É o batom na cueca”, resume Riscado.

Segundo Paulo Bento, sócio da área de direito tributário do Barbosa, Müssnich Aragão (BMA), as empresas-veículo se popularizaram a partir de 1997, quando ganharam a possibilidade de amortizar o ágio com base na Lei 9.532. Um dos propósitos, explica, foi incentivar as privatizações, com a autorização para compradores de empresas estatais usarem valores pagos além da avaliação dos ativos para abater tributos à razão de 1/60 ao mês. “Os principais compradores eram empresas estrangeiras que, para se valer do benefício do ágio, montavam uma empresa-veículo no Brasil”, destaca.

Foi o que fez, por exemplo, o banco espanhol Santander, que arrematou o Banespa em um leilão em 2000, por R$ 7 bilhões — o triplo da segunda melhor proposta. Na época, o patrimônio líquido do Banespa era de R$ 2,1 bilhões. O fisco identificou planejamento tributário irregular e considerou indevido o ágio de R$ 1,15 bilhão amortizado no período de 2006 a 2007. O caso seguirá para a câmara superior do Carf. “Esse tipo de situação é muito ruim para quem pensa em investir no Brasil. Não há previsibilidade”, diz Paulo Bento. A opinião é compartilhada por Érico Pilatti, superintendente de assuntos tributários e contratos da BM&FBovespa. “Ainda há um grande vale a ser coberto para fins de segurança jurídica”, acrescenta.

Um consenso entre Receita Federal, empresas e tributaristas é que a complexidade do assunto exige discussões mais intensas no Carf. Só assim será possível pacificar o assunto e conciliar os interesses do Estado, sedento por ampliar sua base tributável, e do contribuinte, que almeja pagar menos imposto. “Podem existir exageros dos dois lados. Por isso, temos que abrir mais espaço de debate. Isso contribuirá para que os litígios possam, pelo menos, ser resolvidos de maneira rápida e menos agressiva”, ressalta o procurador Paulo Riscado.

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