O mercado tem sido sacudido por uma sucessão de revelações de irregularidades envolvendo importantes empresas brasileiras. E, a cada nova descoberta, uma das muitas dúvidas que surgem é se as respectivas auditorias independentes não deveriam ter identificado essas distorções. Não se poderia esperar de um auditor que descobrisse inconsistências tão relevantes e as reportasse em seus relatórios e pareceres?
Essas perguntas, aparentemente simplórias, revelam profundas dúvidas acerca da atividade de auditoria e do seu papel no contexto empresarial.
Afinal, em última análise, o objetivo final do auditor independente consiste na emissão de uma opinião sobre a adequação das demonstrações financeiras apresentadas em todos os seus aspectos relevantes. Argumenta-se que, em serviços de emissão de opinião, a responsabilidade do prestador não vem do acerto de suas conclusões, mas dos fatos de ele estar em condições de elaborar uma opinião (com isenção, ética, qualificação etc.) e de ter utilizado a técnica de sua profissão e a diligência exigidas para tanto.
Tudo isso é verdade, mas, no caso específico da auditoria independente, há uma complexidade decorrente do confronto de dois condicionantes do seu trabalho.
Por um lado, para a emissão de opinião sobre as demonstrações financeiras, o auditor deve obter segurança razoável de que elas, como um todo, estão livres de distorção relevante, mesmo que decorrente de fraude ou erro. Para tanto, é dever do auditor independente, inclusive, investigar a própria existência de fatos que possam provocar essas distorções.
Por outro, o auditor não está obrigado (e não possui condições técnicas) a reduzir a zero o risco de que distorções existam — razão pela qual nunca há segurança absoluta em relação à sua opinião. Essa incerteza inerente à opinião do auditor pode ser explicada por uma série de motivos: o tempo que ele dispõe para análise, a manutenção da razoabilidade do custo do trabalho de auditoria, a qualidade das informações que estão à disposição e a própria evolução da técnica da auditoria.
No confronto entre esses dois condicionantes, compreender o limite do que seria a segurança razoável que se deve esperar da opinião emitida pelo auditor independente é o problema a ser enfrentado em cada um dos casos em que a auditoria não foi capaz de apontar uma grave distorção na informação financeira.
Um recente precedente na Comissão de Valores Mobiliários (processo RJ2013/9762), relatado pelo diretor Roberto Tadeu, joga luz no tema, ao analisar a opinião emitida por uma das grandes empresas de auditoria independente sobre as demonstrações financeiras de uma entidade afetada por crise econômica.
No processo, além da aplicação exemplar de multa no valor em dobro da pena máxima, são apresentadas diretrizes para se aferir o grau de segurança do trabalho do auditor. Disse o regulador que não confere segurança razoável a auditoria que: (i) desconsidera a conjuntura econômica e seus possíveis impactos sobre a entidade auditada; (ii) deixa de adotar os procedimentos razoavelmente necessários para se assegurar da qualidade da informação recebida; (iii) opta por não aprofundar sua investigação, quando existem indicadores suficientes recomendando que isso seja feito; e (iv) deixa de informar, em seu parecer, as limitações de escopo que sofreu em decorrência da qualidade das informações disponíveis.
Os parâmetros lançados pela CVM chegam em boa hora. No entanto, como acontece em tempos de crise, a própria atividade da auditoria precisa se reinventar para demonstrar sua relevância. O sinal positivo para o mercado é que, no dia a dia das grandes empresas, já é possível verificar uma mudança de atitude, com auditores mais críticos em relação à administração, menos coniventes com limitações no escopo de trabalho e, fundamentalmente, mais exigentes quanto ao grau de segurança da informação trabalhada antes de emitir uma opinião.
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