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Conselho à prova
Board da Gafisa enfrenta desafio raríssimo no Brasil: sem dono, a companhia precisa ser recolocada nos eixos

, Conselho à prova, Capital AbertoÉ um time graúdo, quase uma constelação. Caio Mattar é vice–presidente sênior do Pão de Açúcar. Phillipe Reichstul foi presidente da Petrobras e hoje tem assento no conselho de empresas como Credit Agricole, Repson YPF e Peugeot Citroen. Letícia Costa, única mulher do grupo, foi presidente da Booz Allen no Brasil e atualmente é conselheira da BR Foods e da Localiza. Ao todo, são nove currículos impecáveis. Acostumados a definir a estratégia de companhias renomadas, é na Gafisa que eles terão sua competência e sua responsabilidade testadas ao limite. Membros do conselho de administração da incorporadora, eles têm a complicada missão de recolocar nos eixos o negócio de uma companhia com o capital pulverizado — situação pouco vista num país em que a maioria dos boards responde aos comandos de um indivíduo ou grupo controlador. Dentre os principais acionistas da Gafisa estão a BlackRock (com a maior participação, de 4,15%), a BB Gestão de Recursos, a Bradesco Asset Management (Bram), o Itaú Unibanco, a Fundamental Investments e a Schroders. Sem nenhum acionista preponderante, portanto, a Gafisa, uma das mais antigas incorporadoras do Brasil, está nas mãos do seu conselho de administração. Para o bem e para o mal.

A companhia atravessa o pior momento da sua história. Depois de sucessivos erros administrativos, valia, em março, metade do seu valor patrimonial. O endividamento era um dos mais elevados do setor — a relação dívida sobre o patrimônio líquido estava em 75,3% no terceiro trimestre de 2011. Há ainda o atraso sistemático das obras, além de um problema que se arrasta desde 2008: a aquisição da Tenda.

Comprada numa operação relâmpago — a negociação aconteceu em um fim de semana, exatos 15 dias antes da quebra do banco norte–americano Lehman Brothers e do estouro da crise financeira internacional —, a empresa mineira de baixa renda carregava problemas muito maiores e mais sérios do que o mercado e a própria Gafisa poderiam imaginar. Vendia apartamentos sem financiamento bancário e sem análise de crédito. Agora que os apartamentos estão ficando prontos, a Tenda não consegue repassá–los à Caixa Econômica Federal. No fim de 2011, a Gafisa anunciou que cancelaria projetos da Tenda que podem chegar a duas mil unidades. Segundo a companhia, a medida teria impacto relevante no balanço do quarto trimestre (não divulgado até o fechamento desta edição).

Para alguns, a figura do dono é essencial no segmento de construção. “É preciso ter alguém com a reputação em risco”

A Tenda é o patinho feio, mas a lucratividade da Gafisa como um todo está muito abaixo da média do mercado. Nos primeiros nove meses de 2011, a margem líquida da companhia ficou em 3%, 77% abaixo da média de 13,25% das grandes do setor (Cyrela, MRV, PDG e Rossi). Em janeiro, a Fitch Ratings rebaixou a classificação de risco nacional de longo prazo da Gafisa e da Tenda de ’A–(bra)’ para BBB (bra)’, assim como o rating da emissão de debêntures da Gafisa. No total de R$ 250 milhões, a operação tem uma taxa de 125% do CDI, considerada alta para o padrão do mercado. A Fitch colocou todos os ratings da companhia em observação negativa. De acordo com a agência, o rebaixamento reflete a expectativa de enfraquecimento do perfil financeiro consolidado da Gafisa, com acentuada redução das margens operacionais e piora de seus indicadores de crédito e liquidez. Procurada, a incorporadora não quis se pronunciar.

À DERIVA? — Trata–se de um setor cheio de peculiaridades. E são elas que tornam a missão do conselho de administração da Gafisa ainda mais desafiadora. O ciclo de produção é longo, e a contabilidade, complicada e totalmente diferente — a receita é reconhecida conforme o percentual de execução das obras, distanciando o fluxo de caixa dos números contábeis. Além disso, são muitas as oportunidades de gerar lucro no curto prazo comprometendo a rentabilidade futura. Há quem defenda, por essas razões, que a figura do dono nesse segmento é essencial. “No setor de construção é importante ter alguém com o seu capital e sua reputação em risco”, diz o analista sênior de um banco que acompanha o setor há muitos anos.

O ingresso de Guilherme Affonso Ferreira, presidente da Bahema Participações, no conselho de administração da Gafisa, em abril de 2011, foi um marco na mudança de postura dos investidores e na governança da incorporadora. Ele não surgiu como uma indicação dos acionistas, mas de Caio Mattar, presidente do conselho. Com discurso proativo, como já tinha feito na Eternit há cerca de dez anos, Ferreira perguntou a vários investidores se eles gostariam de participar da administração. A consulta deu frutos e, desde junho de 2011, ele lidera um movimento de acionistas que somam cerca de 20% do capital da companhia e estão engajados em auxiliá–la estrategicamente. “Faltava um dono que perdesse financeiramente se as coisas fossem mal”, avalia.

A turma reunida por ele confia no atual conselho de administração. Em abril do ano passado, o órgão foi ampliado de seis para nove membros com a chegada de três conselheiros profissionais: além de Ferreira, Phillippe Reichstul e Letícia Costa. Uma chapa de continuidade será apoiada pelo grupo de minoritários reunidos por Ferreira, conforme a capital aberto apurou. Nela, apenas duas cadeiras de nove seriam substituídas: Wilson Amaral, que foi presidente da Gafisa por cinco anos e conduziu a compra da Tenda (no momento, ele é visto como um representante da GP, onde trabalhou por 12 anos antes de assumir a Gafisa); e o norte–americano Richard Huber, membro do conselho de várias empresas norte–americanas (que teria sido indicação do bilionário Sam Zell, dono da Equity International). Em janeiro de 2006, antes da oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês), a GP ostentava uma participação de 53,8% no capital da companhia, e a Equity, de 33,9%, mas ambas não são mais acionistas.

Para as duas vagas, o atual conselho e os minoritários pretendem indicar executivos com perfis distintos: um com experiência financeira; o outro vindo do mercado imobiliário — o ponto visto como fraco no time estrelado que integra o board da Gafisa. “São nomes respeitadíssimos, mas quase ninguém ali entende de construção civil”, observa um executivo do setor. No board atual, apenas Odair Senra, que entrou na Gafisa como estagiário em 1970, é considerado conhecedor do segmento imobiliário. Ele é visto como peça fundamental pelos minoritários, por ser a “memória viva” da empresa.

CONFIANÇA — Os minoritários também gostam da diretoria da companhia formada no ano passado. Após a saída de Wilson Amaral do cargo de CEO, Alceu Duilio Calciolari exerceu interinamente a função e foi efetivado em julho. Rodrigo Osmo, ex–presidente da Alphaville e ex–GP, assumiu a gestão da Tenda no fim do ano. Em março, André Bergstein, egresso da Plural Capital e da Brazilian Finance & Real Estate (BFRE), entrou como diretor financeiro e de relações com investidores (RI). A gestão está na direção certa, afirmam os investidores, ao tomar medidas como reduzir o volume de lançamentos e desmembrar a gestão para cada uma das subsidiárias.

Embora tenha uma participação de apenas 20% nas vendas, conforme dados dos nove primeiros meses de 2011, a Alphaville, a maior empresa de loteamentos do Brasil, é hoje o melhor negócio da Gafisa. A participação, de 60%, foi adquirida em 2006. Em 2011, a Gafisa elevou sua presença para 80% e, atualmente, está em negociação para comprar 100%. Conforme a reportagem apurou, os donos dos 20% remanescentes não aceitaram o valor proposto e contrataram uma segunda avaliação. Ambas as partes sabem que agora a compra da totalidade do seu melhor ativo é imprescindível para a Gafisa. A companhia avalia a possibilidade de transformar a Alphaville em uma consolidadora de seu segmento e, eventualmente, de abrir seu capital.

PROPOSTAS DE COMPRA — As dificuldades da Gafisa abateram fortemente o preço de suas ações. Em 2011, elas desvalorizaram 65%. A baixa fez surgir rumores de que fundos estrangeiros lançariam uma oferta pública de aquisição de ações (OPA) da companhia, e os boatos alimentaram um ataque especulativo ao papel. A ação chegou a ter alta de 22% somente em janeiro. Até que, no dia 2 de fevereiro, a empresa publicou um fato relevante afirmando desconhecer a suposta oferta pública. Mas confirmou que havia recebido uma proposta preliminar de aquisição de ativos, conforme notícia veiculada na imprensa no dia anterior. Os interessados eram os ex–acionistas GP e a Equity International, do investidor Sam Zell (leia também o quadro na página 27).

E os rumores sobre uma eventual OPA faziam sentido? “Muito difícil”, avaliam participantes do mercado. A maioria das incorporadoras e construtoras, sobretudo as grandes, está arrumando a própria casa e também tem problemas de atraso de obras e endividamento alto. O executivo de uma empresa que analisou a hipótese de comprar a Gafisa conta que o fato de a companhia possuir American depositary receipts (ADRs) na Bolsa de Nova York dificulta o pagamento com as próprias ações — o modelo de aquisição preferido das incorporadoras de capital aberto. “A oferta fica mais de seis meses em aberto, vira um calvário; o ADR é o melhor ’poison pill’ do mundo”, ironiza a fonte. Ainda bem que os investidores confiam na diretoria e no conselho de administração atuais. Eles estão — e pelo jeito vão continuar — nas mãos dos administradores.

Postura perante oferta por ativos é contestada 

Em 29 de fevereiro, menos de um mês depois de confirmar o interesse dos ex–acionistas GP e Sam Zell em adquirir ativos da Gafisa, Duilio Calciolari, diretor–presidente, revelou, em novo fato relevante, a recusa à proposta. Segundo a companhia, a oferta subavaliava significativamente os ativos e negócios envolvidos e implicava substanciais custos de transação e altos riscos de execução. A Gafisa informou que o board montou um comitê especial de conselheiros e contratou assessores financeiros e legais para avaliar o negócio.

Embora tenha dito que os ofertantes eram GP e Equity International, a companhia não divulgou o valor proposto e nem quais ativos eram alvos dos ex–acionistas — postura que dividiu opiniões no mercado. Na companhia de alguns acionistas, a Gafisa deveria ter prestado mais informações sobre a oferta recebida.

O artigo 2º da Instrução 358/2002 não especifica o conteúdo mínimo de um fato relevante. Mas no artigo 3º, parágrafo 4º, consta que a informação deve ser completa. Em contrapartida, os artigos 6º e 7º da mesma regra afirmam que a companhia pode se recusar ou deixar de divulgar uma informação se a revelação colocar em risco os seus interesses legítimos, observa Marcelo Von Adamek, especialista em responsabilidade de administradores.

Para o advogado Antonio Piccirillo, sócio da Proskauer, se fosse nos Estados Unidos, provavelmente, a empresa alvo da oferta teria prestado mais informações. Lá, atesta ele, os acionistas tendem a cobrar transparência nessas situações. (D.D.)


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