Quem lê tanta informação?
Mercado de ações precisa tornar úteis suas peças de divulgação à espera dos investidores migrantes da renda fixa
, Quem lê tanta informação?, Capital Aberto

Carlos Rebello*/ Ilustração: Julia Padula

Em boa hora, o mais novo diretor da CVM — Gustavo Gonzalez — logo em seu discurso de posse lançou para discussão a ideia de tornar efetivo o regime de divulgação de informações imposto às companhias abertas. A oportunidade não poderia ser mais propícia: com inflação e juros em queda, espera-se a migração de um grande contingente de investidores para o mercado de ações.

É preciso correr na frente desse fluxo, para tornar úteis as peças de divulgação de informações para o investimento em ações — elas devem ser inteligíveis, não repetitivas e relevantes, e apresentadas em sistema de fácil navegação.

Assim pode-se assegurar a efetividade do sistema para sua finalidade, ou seja:

“A regulação da divulgação de informações pela CVM objetiva assegurar ao público a disponibilidade, em tempo hábil, de forma eficiente e razoável, de informações necessárias para a tomada da decisão de investir em valores mobiliários e ainda das decisões de votar e de se fazer representar em assembleias de companhias abertas.” [1]

A abordagem tradicional usada até hoje por reguladores mundo afora para modelar a tomada de decisão pressupõe que os indivíduos se valham da informação disponível para fazer escolhas racionais. Essa foi a linha adotada para a elaboração do Securities Act de 1933 nos EUA, que serviu de inspiração para a estruturação do arcabouço regulatório do mercado de capitais do Brasil e de várias outras jurisdições.[2]

Todavia, as finanças comportamentais tornam-se a cada dia mais importantes na explicação das decisões financeiras — não foi à toa que Richard Thaler ganhou o Nobel de Economia neste ano, por suas contribuições nesse campo.

Há um estudo do Ministério da Inovação da Nova Zelândia, de 2015, que aborda o disclosure de produtos financeiros sob a visão da economia comportamental.[3] O trabalho sugere que o material de divulgação deve ser:

Curto e simples. Para se evitar sobrecarga de informações e dificuldades com questões complexas e técnicas.

Padronizado. Muitos vieses, limitações e heurísticas podem ser mitigados com a padronização do conteúdo, que auxilia também na comparabilidade das informações.

Claro sobre riscos e benefícios. A divulgação de riscos é necessária para abordar questões potenciais de excesso de confiança; a divulgação adequada dos benefícios esperados é útil para superar o viés do status quo e a aversão à perda.

Útil. A informação precisa ser contextualizada e apresentada de maneira útil aos investidores. Quanto mais essas informações puderem ser colocadas de forma que as pessoas consigam relacioná-las aos seus propósitos, mais provável se torna o entendimento.

Convidativo. A informação precisa ser apresentada de forma que as pessoas desejem ler o material e que as ajude a tomar decisões. Gráficos e outras representações visuais podem auxiliar na compreensão de informações complexas.

Testado em investidores. A pesquisa indica que as pessoas podem agir de maneiras inesperadas. Mesmo pequenas mudanças na forma como a informação é apresentada podem influenciar a maneira como as pessoas percebem ou interpretam a informação.

Ademais — não obstante as nobres intenções dos reguladores —, o propósito da divulgação de informações vem se desviando de sua finalidade: deixou de ser um mecanismo para se transmitir informações aos investidores para ser um exercício de prevenção de riscos das companhias e intermediários que ofertam suas ações.

A linguagem apresentada em prospectos, assim como nas informações regulares divulgadas pelas companhias abertas, é complexa e muito pouco convidativa ao investidor mediano. Na realidade, só o advogado mediano consegue ler e entender o conteúdo.

Uma divulgação de informações eficaz deve servir a qualquer tipo de investidor — de varejo ou institucional —, fornecendo informações de que necessitam e não os abarrotando com informações desnecessárias e repetitivas, que podem tirar o foco do que é realmente importante entender sobre a companhia e a oferta — ainda nos anos 1960 dizia Caetano Veloso “quem lê tanta notícia?”. Esse desvio de finalidade vem se acentuando ao longo dos anos. Para ilustrar esse fenômeno: o formulário de referência de uma das mais importantes companhias listadas na B3 cresceu de 450 páginas no início da década para quase 700 páginas!

Pode-se dizer com tranquilidade que todas as informações requeridas pela CVM são fundamentais para uma decisão refletida dos investidores? Creio que não. A decisão da CVM de exigir a divulgação, mas de não incluir no prospecto ou no formulário de referência as informações requeridas pelo Código Brasileiro de Governança Corporativa (Instrução 586/17), deixa transparecer que, a critério do regulador, essas informações não são necessárias à tomada de decisão de investimento. Por outro lado, há informações importantes para a avaliação do investidor que não são no Brasil objeto de divulgação mandatória — caso da apresentação de tendências identificadas nos comentários dos administradores às demonstrações financeiras.[4]

Vale ressaltar que boa parte desses novos investidores esperados no mercado de ações é composta de gerações que interagem com o mundo através de smartphones. Alguns estudos indicam que eles levam dois segundos para avaliar se devem prosseguir na leitura com atenção de um conteúdo nos 20-30 segundos seguintes. Portanto, aqueles que escrevem as peças de divulgação das companhias devem seguir a máxima “KISS” da juventude: “Keep It Simple, Stupid”.[5]


*Carlos Rebello ([email protected]) foi diretor de regulação de emissores da BM&FBovespa até junho de 2015 e superintendente da CVM entre 1978 e 2009.


[1] Regulação do Mercado de Valores Mobiliários: Fundamentos e Princípios – Comissão de Valores Mobiliários, 1979

[2] Pitta, André Gruspun. O Regime de Informação das Companhias Abertas. São Paulo, Quartier Latin, 2013

[3] http://www.mbie.govt.nz/publications-research/publications/economic-development/2015-occasional-papers/Financial%20product%20disclosure%20insights%20from%20behavioural%20economics.pdf

[4] Pitta, André Gruspun. Op. Cit.

[5] Agradeço a Simone Azevedo pela indicação dos seguintes links:

https://www.inklyo.com/writing-for-millennials/

http://www.onflag.com.br/empreendedorismo/geracao-z-e-millennials-como-conquistar-atencao-deles

https://www.linkedin.com/pulse/how-write-copy-works-millennials-michael-spencer

https://meetmaestro.com/resources/blog/writing-for-millennials

 


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