Guerra das maquininhas ameaça Cielo
Companhia viu o preço de suas ações encolher 51% com o fortalecimento das concorrentes
Guerra das maquininhas ameaça Cielo

Ilustração: Rodrigo Auada

A notícia inusitada vem da capital do Amapá. Flanelinhas que trabalham nas ruas de Macapá encontraram um jeito diferente para driblar o típico “estou sem trocado” dos motoristas. Beneficiados pela concorrência entre as plataformas de pagamento no Brasil, eles agora carregam “maquininhas” penduradas no pescoço e já podem perguntar aos clientes: débito ou crédito? Na competição por novos — e insólitos — clientes, entretanto, a Cielo não tem se saído tão bem, embora ainda seja líder de mercado. As ações da empresa, controlada por Bradesco e Banco do Brasil, caíram 51% nos 12 meses encerrados em 15 de janeiro, de acordo com números da Economatica. Não ficou imune à ousada concorrência de nomes como PagSeguro e Stone, que recentemente se capitalizaram com bilionárias ofertas iniciais de ações.

Até a chegada dessas empresas, era bastante confortável a posição da Cielo, que tradicionalmente dividia o mercado brasileiro de pagamentos eletrônicos com a Redecard. A companhia também contava, até 2010, com o trunfo de um contrato de exclusividade com a bandeira Visa. Essa reserva de mercado na prática obrigava os estabelecimentos comerciais e os prestadores de serviços a ter mais de um POS (sigla em inglês para “point of sale”) se quisessem aceitar pagamentos com cartões Visa e também de outras bandeiras. Cabe lembrar que o POS sempre envolveu um aluguel mensal, amarra de que se livraram as maquininhas das concorrentes vendidas para os usuários. Não dá mesmo para imaginar flanelinhas de Macapá em condições de arcar com aluguel mensal de máquina de pagamento.

Concorrência pesada

A primeira grande ofensiva contra o reinado da Cielo foi a entrada do Santander no setor. Em 2010, o banco espanhol comprou a GetNet e logo colocou em prática estratégias agressivas para conquistar participação de mercado. A instituição financeira passou a oferecer condições especiais para credenciamento de novos clientes, incluindo isenção de aluguel. Agora a Cielo também compete com PagSeguro e Stone. Em janeiro de 2018, a PagSeguro, empresa de pagamentos do grupo UOL cujo carro-chefe é a máquina conhecida como “Minizinha”, levantou 2,3 bilhões de dólares em sua listagem na Nyse. Por sua vez, a Stone captou 1,5 bilhão de dólares em seu IPO na Nasdaq em outubro passado. Com essa montanha de dinheiro no caixa, essas empresas podem não só investir em novas tecnologias, como também em táticas impactantes para atrair clientes.

Os números do balanço da Cielo corroboram a percepção de que a empresa foi abalada pela concorrência. No terceiro trimestre de 2018, reportou lucro líquido de 812,8 milhões de reais, 20,1% menos que o registrado em igual período do ano anterior. O recuo se deve em grande medida à diminuição do faturamento com aluguéis de POSs. Em relatório distribuído na divulgação dos resultados, a Cielo atribuiu a piora em seus resultados também a um “menor preço praticado como reflexo de um cenário mais competitivo”.


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Produto certo, hora certa

As ingressantes se popularizaram ao oferecer a pequenos empresários uma combinação de praticidade com preços baixos das máquinas — e isso num ambiente econômico recessivo que deixou milhões de desempregados dependentes de trabalhos alternativos para sobreviver. Não são poucos os microempreendedores individuais, por exemplo, que compram as novas maquininhas. Levantamento do Sebrae feito no ano passado mostrou que 46% dos pequenos negócios no País usavam as maquininhas, percentual que em 2016 era de 39%. Para 80% dos respondentes, foi fator crucial para a escolha do mecanismo de pagamento a ausência da cobrança de aluguel. A pesquisa verificou, ainda, que as participações de Cielo e Redecard entre os empresários da amostra que aceitam cartões caiu de 86% para 46% entre 2016 e 2018.

Enquanto isso, a PagSeguro assumiu a liderança nesse nicho, com suas maquininhas sendo usadas por 35%. E não é difícil entender o motivo. O aluguel mensal de um POS da Cielo custa em média 179,90 reais a partir do quarto mês de adesão (antes disso, custa 69,90); já a compra da maquininha mais completa da PagSeguro, que vem com conta digital e calcula o fluxo de caixa, custa 838 reais e a mais simples sai a 58,80 reais (preços praticados neste mês de janeiro). Mas se o produto da PagSeguro é tão competitivo, por que os POS continuam tendo espaço? O atrativo desse terminal é que ele pode funcionar conectado a uma linha telefônica ou à banda larga, não dependendo de redes móveis de internet — o que garante maior proteção a quedas de energia e outras adversidades. Ter essa segurança é fundamental principalmente para as grandes redes varejistas.

Um ponto que favorece a Cielo é o fato de ter uma escala ainda muito maior — seus terminais giraram, no terceiro trimestre do ano passado, 150,7 bilhões de reais, ante 20,3 bilhões de reais da PagSeguro, por exemplo. Entretanto, os analistas de investimento destacam que a companhia demorou a reagir no ponto nevrálgico desse mercado, que é o preço. Foi apenas em maio de 2018 — portanto, meses depois do IPO da PagSeguro — que a Cielo anunciou um plano para tentar enfrentar a estratégia de venda de maquininhas: lançou sua versão do produto e uma marca, a Stelo, desenhada para pequenos empresários e que cobra valores de venda quase idênticos aos da PagSeguro. A guerra entre as empresas do setor também ocorre no campo das taxas cobradas pelas transações. A PagSeguro oferece isenção nos três primeiros meses para pagamentos à vista, por exemplo. Acabado esse benefício, os pagamentos em débito são taxados em 1,99% no primeiro ano e 2,39% após o período. Já a Stelo cobra 1,88% por esse tipo de transação.

Estratégias para reação

Em um primeiro momento, a iniciativa funcionou. Depois do lançamento da Stelo, ficou estável em 1,1 milhão o número de pontos de venda com máquinas da Cielo — o que aconteceu pela primeira vez em cerca de três anos, conforme informação do balanço do terceiro trimestre de 2018. A empresa também tornou disponível a opção de pagamentos via QR code, sistema que permite que as maquininhas processem pagamentos de bancos parceiros, e a Cielo LIO+, smartphone que, quando acoplado a uma maquininha, pode receber pagamentos com cartões. As novidades exigiram novas despesas em vendas e em marketing, que, somadas à queda nas receitas de aluguel, erodiram as margens de lucro da Cielo — no terceiro trimestre do ano passado, a margem líquida ajustada ficou em 27,4%, ante 34,7% apresentado um ano antes.

Embora até aqui a queda das ações tenha demonstrado o descontentamento dos investidores, há quem projete um cenário otimista para a Cielo, no qual a companhia consegue conquistar novos clientes e recuperar os que debandaram. “O mercado brasileiro de pagamentos ainda tem espaço para crescer, mesmo com tantos concorrentes. Agora veremos a importância da marca para os negócios”, diz o analista da Autonomous Research Craig Maurer, que analisa Cielo e concorrentes.

É também importante para os investidores a companhia encontrar uma maneira de enfrentar a concorrência sem exagerar na dose de redução de preços, o que poderia enfraquecer demais as receitas. “A empresa entrou numa guerra de preços. Por isso, não espero melhora de resultados no curto prazo”, afirma Henrique Navarro, analista do Santander, acrescentando que dificilmente a empresa volta à era de ouro do mercado semicativo, que tanto fez subir as ações no passado.

Navarro levanta outro ponto interessante em relação ao mercado nacional de pagamentos — e que pode ter peso nas decisões de investimento: a Cielo acabou marcada com uma imagem de empresa de adquirência, enquanto PagSeguro e Stone carregam uma espécie de rótulo tech, hoje tão em voga. Assim, se o investidor brasileiro vê mais dificuldades no mercado de pagamentos de maneira geral tende a associar essa perspectiva negativa à Cielo — afinal, as concorrentes seriam empresas “de tecnologia”. “Ocorre que PagSeguro e Stone não são necessariamente inovadoras no que diz respeito a tecnologia. O grande diferencial está no preço”, observa Tiago Reis, fundador da casa de análises independente Suno Research. Não será simples a Cielo se desvencilhar desse rótulo e, ao mesmo tempo, convencer os clientes de que vale a pena pagar mais pelo seu produto.


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