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Briga da família Steinbruch é ameaça para CSN
Primos reclamam de descumprimento de acordo e pedem na Justiça dissolução de patrimônio bilionário
CSN, Briga da família Steinbruch é ameaça para CSN, Capital Aberto

Ilustração: Rodrigo Auada

Dois irmãos erguem um império e um dia decidem que é hora de distribuir seu legado entre os herdeiros. Chamam quem entende de leis e, em comum acordo, montam um condomínio para abrigar o patrimônio familiar. Estabelecem diretrizes que — supõem — vão garantir um convívio harmonioso entre os primos sucessores no futuro. Estão aí resumidos os passos de Mendel e Eliezer Steinbruch, judeus de origem russa nascidos no Rio Grande do Sul que com a ajuda de sócios da família Rabinovitch montaram o conglomerado Vicunha, controlador, entre outros negócios, da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). A história poderia ter corroborado as intenções registradas no documento de 1994 batizado “acordo de redistribuição”, mas circunstâncias fora do alcance da bola de cristal dos irmãos parecem ter colocado tudo a perder.

Uma ação judicial movida pelos filhos de Eliezer, Léo e Clarice, pede a dissolução do acordo e a venda em bloco de todo o bilionário patrimônio, sob o argumento de que os primos descumprem o combinado. O caminho na Justiça é longo. No pior cenário pode resultar em grandes problemas para a CSN, que corresponde a algo como 75% a 80% do patrimônio da família — e, por consequência, para os acionistas minoritários da companhia. Tudo isso num momento difícil para a siderúrgica, com perda de valor de mercado, alta alavancagem, dividendos minguados e necessidade de venda de ativos para reforço de caixa.

Um dos pontos do acordo que teriam motivado Léo e Clarice a recorrer à via judicial é a inviabilidade de saída de um sócio pela via da simples venda de ações no mercado. Como foi desenhada uma estrutura de holdings para todas as empresas do grupo, na prática os bens seriam indivisíveis, já que uma separação causaria uma depreciação de ativos que nenhum dos lados desejaria. Um exemplo ajuda a esclarecer. A holding Vicunha Steel tem como sócios a Rio Purus (dos herdeiros de Mendel — Benjamin, Ricardo e Elisabeth), com 60%, e a CFL Participações (dos filhos de Eliezer), com 40%. A Vicunha Steel tem 100% da Vicunha Aços, que por sua vez detém 50,3% do capital da CSN. No hipotético caso de uma separação do patrimônio das holdings, o controlador (a família Steinbruch) se transformaria em dois acionistas minoritários, numa clara perda de poder — e provavelmente de dinheiro, dada a esperada desvalorização das ações numa situação como essa.

Diz o acordo de redistribuição que se um dos sócios quiser sair do grupo deve oferecer sua parte para o outro. Se este não quiser (ou não puder) comprar, só teria uma saída: vender a sua própria participação para a contraparte. Colocando os termos genéricos do documento na realidade específica da CSN, significa dizer que ao quererem abandonar a sociedade com os primos, Léo e Clarice fariam a Rio Purus comprar seus 40% da Vicunha Steel. Diante de uma eventual negativa de Benjamin e seus irmãos, os filhos de Eliezer deveriam bancar a compra da fatia dos primos. No papel, caso resolvido. Na vida real, o acerto tem como obstáculos uma situação financeira desfavorável de ambos os lados.

 

Sem caixa

Isoladamente, a Rio Purus tem uma dívida com o Bradesco de 1,5 bilhão de reais, recursos de que precisou para adquirir uma fatia adicional de 4,2% da CSN. Dona de cerca de 30% do capital da companhia (participação proporcional aos 60% que detém na Vicunha Aços, proprietária de 50,3% da siderúrgica), a Rio Purus queria reforçar sua fatia e, por consequência, o poder de Benjamin. Ocorre que as ações foram compradas a 28 reais, cotação que hoje ronda a casa de 8 reais. De forma consolidada, os primos são solidários numa dívida com o Banco do Brasil equivalente a 300 milhões de dólares, alocada na holding Vicunha Aços. A operação foi feita para substituir um bônus emitido no exterior cujo custo estava elevado para a holding. Seguindo as proporções de participações, 180 milhões de dólares são de responsabilidade da Rio Purus e 120 milhões de dólares da CFL Participações. Ou seja: ninguém parece ter uma situação financeira suficientemente confortável para adquirir a fatia do sócio conforme os parâmetros do acordo de redistribuição.

Segundo apurou a reportagem, a intenção inicial dos filhos de Eliezer em relação à CSN era repassar aos primos 4% de sua participação indireta (de 20%); como pagamento, a Rio Purus assumiria a parte da CFL na dívida com o Banco do Brasil (120 milhões de dólares). No arranjo, a CFL ficaria com 13% para negociar livremente (até vendendo as ações aos poucos, para evitar desvalorizações), e os 3% restantes seriam vendidos à Rio Purus ao longo de cinco anos. Foi nesse ponto que a conversa desandou. Benjamin e seus irmãos queriam aplicar um desconto de 30% sobre o valor da participação de 3% dos primos — que, por sua vez, aceitavam deságio máximo de 15%. A diferença, em termos absolutos, corresponde a um montante nada desprezível de 1 bilhão de reais. Se o processo tivesse avançado, Benjamin poderia atingir até 38% do capital da CSN, o que praticamente anularia a possibilidade de outro grupo tomar-lhe o controle na joia da coroa da família Steinbruch.

Os patriarcas dividiram os diversos negócios da família em quatro holdings: Vicunha Participações (setor têxtil), Vicunha Steel (siderurgia), Elizabeth S.A. (área financeira) e Taquari Participações (ramos agropecuário e imobiliário). Com exceção de Vicunha Participações e Vicunha Steel (60%-40%), ficou estabelecido que os herdeiros de Mendel teriam 55% e os de Eliezer, 45%. Embora os filhos de Mendel tenham ficado proporcionalmente com uma fatia maior do conglomerado, o acordo de redistribuição estabelece que os dois lados têm vozes do mesmo timbre quando se trata de decisões. Foi uma maneira que os irmãos encontraram para compensar a participação percentual menor dos filhos de Eliezer (a parcela maior de Benjamin e seus irmãos decorre do fato de os fundadores considerarem que Mendel e sua linhagem tinham mais tino para os negócios).

 

Golpe societário

Já faz pelo menos três anos que Léo e Clarice tentam sair da sociedade com os primos, insatisfeitos principalmente com o estilo de condução dos negócios adotado por Benjamin — figura publicamente indissociável do grupo Vicunha. Eles afirmam que Benjamin — e, em menor grau, seu irmão Ricardo — ao longo dos anos tiveram atitudes que não correspondem à governança prevista pelo acordo de 1994. Na ação à que a reportagem teve acesso, Léo e Clarice se dizem alijados do processo decisório, impedidos de interferir em determinações de Benjamin que consideram ter agravado a situação financeira da CSN. Os filhos de Eliezer apresentam na ação uma série de episódios que comprovariam, em sua visão, uma absoluta impossibilidade de negociação com os primos, seja em relação à condução dos negócios ou à discussão sobre o encerramento da sociedade. A animosidade é tamanha que o texto chega a falar em “golpe de Estado societário” e a comparar Benjamin a Luís XIV (“la compagnie c’est moi”, numa referência ao clássico “l’État c’est moi” do rei absolutista francês).

Seguindo as regras compensatórias de governança, inicialmente as decisões relativas aos negócios, nos mais diversos órgãos de administração das empresas, eram tomadas em comum acordo entre os representantes dos dois ramos da família. Mas uma hora o tempo fechou. Léo e Clarice queixam-se do temperamento pouco amigável do primo Benjamin, qualificado mesmo fora dos corredores do grupo como temperamental, centralizador e pouco flexível em negociações. Não faltam no processo protocolado na Justiça paulista relatos detalhados de ações repreensíveis de Benjamin, incluindo destituições arbitrárias, nomeações impróprias de executivos, interferências heterodoxas em conselhos de administração e até trocas de e-mails permeadas de ofensas e palavrões.

“Léo e Clarice por anos tentaram um entendimento, mas no final ou Benjamin ou Ricardo não concordavam”, afirma o advogado que representa a CFL, Ricardo Tepedino. Por meio da CSN, a reportagem procurou a Rio Purus, que não respondeu aos pedidos de entrevista. Representam Benjamin e seus irmãos o advogado Paulo Lazzareschi e o escritório Mattos Filho. O advogado Luiz Corvo, responsável pela redação do acordo de 1994, acompanha os dois lados da família.

 

Otimismo com o aço

Se da porta para dentro do alto escalão não faltam problemas, a situação não é muito diferente da porta para fora. Embora o mercado ainda não esteja incorporando aos preços das ações da CSN os impactos de uma disputa judicial entre controladores — que provavelmente vai levar anos —, não se pode dizer que os minoritários e os investidores em geral estejam confortáveis diante de todo esse ruído societário. “Basta lembrar que a conclusão do conflito entre os sócios da Usiminas [a japonesa Nippon Steel e a ítalo-argentina Ternium por anos se engalfinharam em privado e em público] desencadeou a valorização dos papéis”, comenta um gestor, que preferiu não se identificar.

Por ora, as perspectivas para a CSN melhoraram depois de a companhia atravessar um período muito ruim com a recessão — a maior parte da produção da siderúrgica é destinada ao mercado interno, cuja demanda por aço caiu para seus menores níveis históricos entre 2014 e 2016, de acordo com o Instituto Aço Brasil. “Foi uma tempestade perfeita. O volume de vendas recuou, junto com o grau de alavancagem, o que piorou a rentabilidade das operações”, destaca o analista da Planner Luiz Francisco Caetano. Mas a recuperação da indústria automobilística desde o ano passado melhorou as expectativas para a companhia no lado siderúrgico, enquanto a alta do preço do minério no exterior foi uma boa notícia para a área de mineração. Cabe destacar que a maior parte da receita da CSN, quase 70%, vem da siderurgia.

Os analistas também enxergam boas possibilidades de melhora financeira com as vendas de ativos, que Benjamin vem prometendo há anos e agora começa a tirar do campo da intenção. Em maio, a CSN anunciou a alienação, por 400 milhões de dólares, de uma planta laminadora e galvanizadora nos Estados Unidos, e há ainda o que vender na Europa. Tudo parece menos negativo, mas não se pode negar que se acomoda no horizonte uma nuvem carregada com a briga da família Steinbruch. Das duas uma: ou ela se dissipa sem causar maiores estragos ou se transforma numa tempestade de consequências imprevisíveis. Para todos os envolvidos.


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