A BM&FBovespa não esconde seu sonho de globalizar as operações da bolsa brasileira. Em junho, anunciou um protocolo de intenções com a Chi-X, fornecedora de tecnologias de infraestrutura de mercado e plataformas de negociação, para desenvolver um software que fará a conversão das cotações dos papéis listados na Bolsa para moedas de outros países. O plano por trás dessa iniciativa é ambicioso: permitir que, um dia, qualquer investidor estrangeiro possa dar ordens de compra de ações brasileiras diretamente de seu terminal, sem se preocupar com o cálculo do câmbio. E o potencial é aterrorizador, ao menos para os prestadores de serviços que contam com a disposição das companhias em cruzar fronteiras para listar suas ações em outras bolsas. Seriam as tecnologias como a da Chi-X concorrentes do “cross listing”?
O estudo Why cross-listing shares doesn’t create value?, realizado pela consultoria McKinsey, defende que os benefícios da dupla listagem às companhias são pouco significativos. “Hoje em dia, essa estratégia não faz sentido. Com o mundo cada vez mais globalizado, os investidores conseguem fácil acesso ao mercado de origem das empresas”, argumenta a consultoria. A maior visibilidade, considerada uma das principais vantagens de listar ações em bolsas estrangeiras, é questionada no trabalho assinado por Richard Dobbs e Marc Goedhart. Analisando mais de 200 companhias europeias emissoras de American depositary receipts (ADRs), eles apuraram que, depois de desembarcar nos Estados Unidos, elas passaram a ter, em média, dois analistas a mais cobrindo seus papéis. “É uma diferença muito modesta para causar impacto econômico significativo”, avalia. A criação de valor — medida pelo retorno sobre o capital investido (ROIC, na sigla em inglês) —, na comparação entre empresas com e sem cross-listing, também não se mostrou mais significativa no primeiro grupo.
Um fator crucial na análise da tendência para as listagens no exterior é o custo. Segundo Alberto Araújo, diretor da Kairos Asset Management, boa parte dos investidores internacionais prefere comprar um ADR de empresa brasileira a adquirir ações diretamente no mercado brasileiro por causa dos preços mais baratos de Nova York. Hoje, no Brasil, as taxas cobradas na liquidação de ações, por exemplo, consomem 0,035% do valor da operação. Nos Estados Unidos, a porcentagem é dez vezes menor. “Se as taxas de transação permanecerem altas, os investidores ainda preferirão operar com ADRs”, opina.
Do lado das empresas, contudo, certos benefícios só são conquistados ao se fincar bandeira em território estrangeiro. Para Luiz Aguiar, diretor de relações com investidores (RI) da Embraer, detentora de um programa de ADR nível 3, a listagem em território norte-americano aumentou a governança corporativa da companhia. “A adequação à Sarbanes-Oxley incutiu na empresa uma cultura de controles internos e gestão de risco muito mais apurada”, afirma o executivo da fabricante de aviões. Além disso, todos os seus principais concorrentes internacionais — Bombardier (Canadá), Sukhoi (Rússia), Mitsubishi (Japão) e Acac (China) — negociam ações nos Estados Unidos. “Num setor tão concorrido, a empresa precisa ser internacional, e o mercado norte-americano é o melhor lugar para se conseguir isso”, avalia Aguiar. A Embraer negocia, em média, US$ 30,7 milhões por dia em ADRs.
Alex Ibrahim, diretor administrativo e chefe regional para América Latina, Bermudas e Caribe do grupo Nyse Euronext, levanta outro ponto em favor do cross listing: “Investidores pequenos dificilmente vão aplicar em empresas sem cobertura de analistas, algo que elas só conseguem vindo para cá”. De acordo com o diretor, uma das principais metas do grupo para os próximos anos é massificar o “fast path”, mecanismo que permite às empresas listadas na principal bolsa norte-americana negociar seus papéis nas bolsas europeias do grupo, localizadas na Bélgica, França, Holanda e Portugal. Criado em 2008, o “fast path” levou 50 empresas até o investidor europeu, dentre elas a brasileira Vale. E mais podem estar por vir. “Atualmente, duas brasileiras estão avaliando as possibilidades de ingressar no mercado europeu por esse canal”, garante Ibrahim.
No Brasil, a taxa cobrada na liquidação de ações é de 0,035%. Nos Estados Unidos, a porcentagem é dez vezes menor
Para a incorporadora e construtora Gafisa, estar em outra bolsa também fez bem para a liquidez local. Desde que estreou seu programa de ADR, em 2007, o volume de negociação com ações da companhia, na soma dos dois mercados, aumentou quase oito vezes, fazendo dela a mais negociada dentre seus pares. Em maio, a empresa negociou um volume médio diário de US$ 40,4 milhões nos Estados Unidos — mais do que a Embraer, por exemplo, embora seu valor de mercado seja cerca de 30%_menor. O ganho de liquidez, conta o diretor financeiro Duílio Calciolari, compensa os custos com regulação, que tanto assustam as empresas que pensam em se aventurar no mercado norte-americano. A companhia gasta, em média, R$ 2 milhões anualmente com auditoria externa e controles internos adicionais para se alinhar à exigente Lei Sarbanes-Oxley (SOX).
VITRINE ALÉM-MAR — Mas nem sempre a listagem em bolsa estrangeira significa aumento de liquidez. O Latibex, por exemplo, segmento da Bolsa de Madri voltado à listagem de companhias latinas, movimentou pouco mais de um € 1 milhão em 2009, ínfimos 0,02% do giro da principal praça espanhola. Apesar disso, 13 companhias brasileiras ainda estão listadas lá. O objetivo é ganhar visibilidade internacional. “Muitas das empresas brasileiras conheceram alguns de seus grandes investidores europeus nos encontros do Latibex”, diz Luiz Fernando Rolla, presidente do conselho de administração do Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (Ibri).
Para incrementar a liquidez do segmento, a bolsa madrilenha vem dando foco especial no investidor de varejo. No ano passado, o Latibex contratou serviços de análise fundamentalista e gráfica e disponibilizou os relatórios em seu website. Neste ano, passou a patrocinar espaços em programas semanais de televisão voltados a finanças pessoais. Jesús Hernandez, diretor do Latibex, frisa que o trabalho é de longo prazo, mas a percepção do investidor pessoa física quanto às empresas do segmento já está melhorando. “Em conversas informais, dá para perceber que esse tipo de aplicador está mais familiarizado”, observa.
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