Cilada tecnológica
Na era da comunicação sem fronteiras, equipamentos portáteis podem ser aliados do vazamento de informações privilegiadas

, Cilada tecnológica, Capital AbertoO termo vazamento de informações sempre acende um sinal amarelo no mercado. E não é em vão. Depois dele pode vir a temida luz vermelha dos negócios realizados com informações privilegiadas. Mas como mitigar os riscos de que informações sigilosas caiam nas mãos erradas diante de meios eletrônicos tão rápidos e eficazes? Está aí uma nova preocupação das companhias: tratar a tecnologia como uma aliada, mas também como um possível foco de vazamento.

O assunto promete voltar às discussões este mês, quando serão julgados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) Romano Fontana Filho e Luiz Gonzaga Murat Júnior, respectivamente ex-conselheiro e ex-diretor de Relações com Investidores da Sadia. Além dos indícios de que os executivos tenham negociado ações com base em informações privilegiadas no episódio da frustrada oferta de compra feita para a concorrente Perdigão, há suspeitas de vazamento da informação devido ao volume anormal de transações realizadas nos dias que antecederam o anúncio do negócio.

Não é preciso ir tão longe para imaginar as possibilidades de que informações relevantes cheguem aos ouvidos de pessoas dispostas a tirar proveito delas. Basta visualizar situações corriqueiras do mundo corporativo. O e-mail, por exemplo, é uma ferramenta tão importante que atualmente precisa estar acessível de qualquer lugar. Já não é possível esperar a chegada ao escritório para checar as mensagens do correio eletrônico. O melhor mesmo é “aproveitar” os momentos antes ociosos, como o trânsito.

Então imagine o executivo de uma grande companhia, no táxi, se dirigindo ao trabalho. Ao seu redor estão, pelo menos, um notebook, um smartphone, um celular pessoal e um pendrive com alta capacidade de armazenamento. Não é preciso pensar duas vezes para perceber os riscos que acompanham toda essa mobilidade das informações. Mas a dúvida que paira no ar é: estariam as nossas companhias preparadas para enfrentar este desafio e conscientes desses riscos?

, Cilada tecnológica, Capital Aberto“A tecnologia facilita a comunicação, mas também cria um canal adicional de vazamento”, diz Tereza Kaneta, da MZ Consult. Na avaliação da advogada e especialista em direito digital Patrícia Peck, as empresas brasileiras começam a dar maior ênfase à governança na área de tecnologia da informação, mas o caminho a ser trilhado é longo. “As companhias sabem que estão expostas, mas, na maioria dos casos, esses riscos ganham prioridade somente depois de algum incidente”, conta. A falta de normatização sobre o uso de equipamentos é o foco inicial do problema e pode, inclusive, incorrer em riscos jurídicos. “A ausência de regras pode caracterizar omissão dos gestores, além de abrir espaço para que o funcionário alegue falta de orientação diante de uma ocorrência”, observa.

A primeira dica dos especialistas é fixar regras para o uso de equipamentos, o que pressupõe um trabalho conjunto dos departamentos jurídico, de Relações com Investidores, recursos humanos e tecnologia da informação. É preciso mapear os riscos das informações manipuladas por cada nível hierárquico da empresa — que, não necessariamente, estão restritas ao alto escalão — e definir normas sobre seu uso. Práticas de monitoramento também podem ser implementadas, desde que sejam de conhecimento geral. “O e-mail corporativo, apesar de ser individual, pode ser monitorado. Ele é uma propriedade da companhia disponibilizada apenas como ferramenta de trabalho. Além disso, civilmente, a empresa é responsável pelo funcionário”, explica Rony Vainzof, sócio da Opice Blum Advogados.

Entre as companhias que já normatizaram essa área está o BicBanco. Listada na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) desde outubro do ano passado, a instituição segue, há dois anos, as normas estipuladas por seu Comitê de Segurança da Informação. Equipamentos eletrônicos e e-mail são monitorados. Nas mesas de operação, o uso de aparelho celular, mesmo privado, é proibido, e as ligações feitas do telefone fixo são gravadas. Os computadores também são inabilitados para o uso de pendrives, gravadores e leitores de CD e DVD, apesar de haver exceções de acordo com o cargo ocupado. “Posso utilizar pendrive, mas o sistema só reconhece o aparelho que a empresa me forneceu. Além disso, o dispositivo conta com identificação por meio de digitais para evitar problemas”, conta Cláudio Augusto Rotolo, diretor de governança corporativa.

As normas do BicBanco vão ao encontro das principais recomendações feitas pelos especialistas em direito digital. No caso dos notebooks, as precauções começam na compra do equipamento. Como em geral são utilizados por tomadores de decisões, o cuidado inicial é optar por modelos que oferecem identificação biométrica — uma espécie de cadeado aberto apenas quando feita a leitura das digitais de seu usuário, evitando maiores problemas em caso de perda ou roubo. Os documentos mais importantes devem sempre ser criptografados (um embaralhamento eletrônico que impede a leitura e é desfeito através de senha) e a utilização de dispositivos móveis, como pendrives e gravadores de CD, fica restrita aos que realmente precisam deles.

No caso de notebooks, a precaução começa na compra do equipamento. O ideal é optar por modelos com identificação biométrica

Além das recomendações sobre o uso de equipamentos, outros cuidados devem ser tomados para que, diante de problemas de mau uso das informações corporativas, as inspeções internas possam ser realizadas. Uma dica é proibir o uso de equipamentos privados conjugados com os da companhia — como, por exemplo, smartphones pessoais programados para acessar o e-mail corporativo. A prática é considerada inadequada porque, diante de uma investigação, a empresa pode ter problemas ou até ser impedida de inspecionar os registros deixados em aparelhos particulares. Há ainda procedimentos simples, mas que merecem a atenção dos usuários. Pendrives utilizados para gravar apresentações ou simplesmente transportar dados não devem ter sua capacidade plenamente explorada. O ideal é apagar as informações depois de cada evento para que, em caso de perda, o funcionário se lembre facilmente de quais documentos foram extraviados.

Mas não há regras que resistam à falta de treinamento. “As pessoas são os principais focos de vazamento de informações e, em geral, por desconhecimento”, afirma Valter Faria, diretor da The Global Consulting Group. Faria defende que o componente humano é o maior fator a ser explorado pelas companhias preocupadas com o vazamento. “Já está difundida a idéia de que o caráter confidencial de um novo produto é sinônimo de maior competitividade. As empresas conseguem guardar por anos esses segredos e o mesmo precisa acontecer quando se trata de qualquer informação relevante que influencie o preço das ações”, completa.

Não há regras que resistam à falta de treinamento de pessoas. Ainda são elas as principais responsáveis pelo vazamento de informações

Faria observa que os possíveis propagadores de uma informação privilegiada nem sempre fazem parte do alto escalão. Por isso, o melhor é optar pelo treinamento de todos os funcionários. As dicas a serem transmitidas são simples e não dependem de qualquer conhecimento tecnológico. Evitar falar em público sobre assuntos estratégicos da empresa é o primeiro passo — e é bom lembrar que, neste caso, o conceito de público abrange ambientes como elevadores, táxis, restaurantes e aeroportos. Imprimir documentos e esquecê-los na impressora ou na mesa de um cliente também são erros comuns e perigosos.


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