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CCB é valor mobiliário?
Sim e, por suas características, deve estar sujeito à regulação da CVM

, CCB é valor mobiliário?, Capital AbertoUma instituição bancária nacional perguntou à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) se a colocação pública de Cédulas de Crédito Bancário (CCBs) por instituição financeira, com emissão por uma sociedade por cotas de responsabilidade limitada, teria ou não que obter a autorização prévia da autarquia. Em outras palavras, queria saber se as cédulas de crédito bancário seriam ou não valores mobiliários sujeitos ao poder normativo da CVM. Seu colegiado entendeu, por unanimidade, que, por se tratar de oferta pública de investimento previsto em seu campo de fiscalização, haveria a necessidade de obtenção de registro prévio a qualquer oferta desse valor mobiliário.

Tal decisão provocou a publicação de dois artigos no jornal Valor Econômico, ambos contrários ao parecer. O primeiro era de autoria de Nelson Eizirik, sem dúvida um dos melhores especialistas em matéria de direito de valores mobiliários. O segundo, do ilustre advogado Gustavo Alberto Villela Filho. Os dois concluíram pelo equívoco da decisão da CVM, na medida em que as cédulas de crédito bancário não seriam valores mobiliários, mas simples títulos de crédito. Malgrado o prestígio de ambos, creio que os dois estão equivocados, e que o bom direito se encontra ao lado da autarquia.

A Comissão de Valores Mobiliários nasceu, em 1976, sob a oposição cerrada do Banco Central, que, por meio de sua então diretoria de Mercado de Capitais, julgava-se plenamente habilitado para cumprir, e de forma concomitante, a normatização e fiscalização do mercado financeiro e do mercado de valores mobiliários. Foi graças à tenacidade do então ministro da Fazenda, Mário Henrique Simonsen, que surgiu a entidade autárquica que teria o seu campo de atuação limitado a determinados valores mobiliários previstos especificamente em lei e necessariamente emitidos por sociedades por ações. Competiria ao Conselho Monetário Nacional emitir resoluções agregando novos valores mobiliários, desde que também emitidos por companhias. Todo o eventual campo remanescente dos valores mobiliários continuava a ser de competência do Banco Central.

A mesma lei excluiu do campo normativo da nova autarquia os títulos de crédito emitidos por instituições financeiras, ressalvadas suas debêntures, cuja competência foi repassada à CVM. Com o passar do tempo, novos valores mobiliários foram sendo agregados ao campo da autarquia, terminando com a inovação legislativa de abandonar a regra até então seguida de nomear os novos tipos e substituí-la pela adoção de uma definição retirada da jurisprudência norte-americana — agora objeto de discórdia dos ilustres advogados.

Essa mudança ocorreu com a edição de medida provisória, hoje transformada em lei, que veio para acabar com a perplexidade trazida pela quebra da Gallus Agropecuária S.A. Faltava competência formal à CVM para regular os certificados de investimento, e o Banco Central negava-se a utilizar tal competência difusa a ele atribuída em 1965, pela Lei 4.728. Com a edição da MP, ficou outorgada competência à CVM para estabelecer regras e fiscalizar as emissões dos “títulos ou contratos de investimento” objetos de uma oferta pública. Estava aberta a caixa de Pandora.

Na definição legislativa do que seja contrato de investimento, nosso legislador optou por adotar uma definição genérica de valor mobiliário, retirada da jurisprudência da Suprema Corte norte-americana, que explicita o significado da expressão “investment contract” — prevista, mas não definida, nas leis de 1933 e 1934, concernentes à criação da Securities and Exchange Commission (SEC) e à regulação das bolsas de valores. Inicialmente é de se notar que, enquanto o conceito de contrato de investimento nasce no direito norte-americano pela definição judicial, entre nós o mesmo vem ao mundo com a força cogente de lei. Ou seja, não caberá ao nosso Judiciário ou ao tribunal administrativo concordar com a definição nascida em “SEC v. Howey”, mas decidir de acordo com o seu preceito. Assim, resta saber: 1) se haverá ou não uma oferta pública; 2) se ela será de algo que constitui um título ou um contrato de investimento coletivo; e 3) se este não é de emissão de instituição financeira, cuja competência pertence ao Banco Central.

Enquanto o conceito de contrato de investimento nasce no direito norte-americano pela definição judicial, entre nós vem ao mundo com a força de lei

Um dos pontos levantados na discussão seria o da não competência da CVM, por se tratar da emissão de título de crédito, e não de valor mobiliário. Creio que tal ponto seja irrelevante para a discussão do problema. Isso seria confundir a natureza deste último (uma vertente do direito europeu continental) com o conceito de valor mobiliário (instituto do direito anglo-americano adotado pela lei brasileira).

O valor mobiliário, seja ele um contrato ou título, é sempre um investimento feito com a expectativa de lucro. Já o título de crédito é a materialização necessariamente formalística de uma dívida que é representada pela cártula, de acordo com a forma estabelecida em lei. Um contrato representa e regra o investimento, o outro só constata a existência de um crédito. Claro está que o detentor de valor mobiliário possui um título ou contrato que contém um crédito, mas diferenciado pelo acoplamento de um investimento que gera a expectativa de lucro, sendo absolutamente irrelevante se o valor mobiliário propicia um rendimento fixo ou variável.

Os dois elementos geradores da competência da CVM dizem respeito a: 1) se existe um investimento conforme o definido pela lei; e 2) se a oferta de investimento é feita ao público e caracterizada pela lei criadora da autarquia. Assim, e de acordo com a lei brasileira, o contrato de investimento caracteriza-se por: gerar um direito de participação, parceria ou remuneração; poder ser, inclusive, resultante da prestação de serviço; ter um rendimento que advém do esforço do empreendedor ou de terceiro. Dessa definição exclui-se do campo de competência da CVM o contrato de investimento que for feito por instituição financeira, ressalvadas as debêntures, ou que se refere a títulos da dívida pública.

Me parece descabido ignorar a forma e a substância, imaginando que a mão invisível do mercado subprime macunaímico poderá se auto-regular

Visto essas premissas, temos que: 1) as cédulas de crédito bancário são emitidas por empresas não-financeiras, portanto encontram-se fora do campo de competência do Banco Central; 2) a competência atribuída por lei à CVM refere-se aos contratos de investimento, e os adquirentes desses valores mobiliários fazem suas aplicações na expectativa de receber um rendimento, no caso, preestabelecido; 3) tais investimentos são colocados no mercado por intermédio do sistema de distribuição do mercado de valores mobiliários. O rendimento contratado é produzido pelo trabalho de terceiros e gera um direito de participação no empreendimento comum.

Finalmente, há de se ter em mente que o regulador estatal responsável pelo registro irá exigir o disclosure das informações necessárias para que o investidor possa avaliar o risco incorrido. Se o valor mobiliário for destinado a investidores qualificados, pode a autarquia diminuir o grau de informações obrigatórias, dado a sofisticação desse investidor específico. O que me parece de todo descabido é ignorar a forma e a substância do negócio oferecido publicamente, imaginando que a mão invisível do mercado subprime macunaímico poderá se auto-regular, afastando por completo o papel da Comissão de Valores Mobiliários.


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