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Cartas na manga
Scott R. Cutler

, Cartas na manga, Capital AbertoO avanço da tecnologia e da competição tem complicado a vida das bolsas de valores. Parece cada vez mais distante o tempo em que elas se orgulhavam de abrigar emissores sujeitos a rigorosas obrigações de disclosure em um ambiente de negociação cristalino para todas as partes envolvidas. Em entrevista exclusiva à CAPITAL ABERTO, Scott R. Cutler, vice-presidente executivo do grupo Nyse Euronext, fala sobre o frio na barriga de ver o mercado norte-americano abrindo-se para dezenas de plataformas de negociação não reguladas. Seu competidor pode hoje ser alguém mais rápido e mais barato simplesmente por não seguir as regras da Securities and Exchange Commission (SEC), órgão que disciplina o mercado de valores norte-americano. Nessa disputa acirrada, a Nyse também não quer abrir mão de ter sempre uma carta na manga para atender à demanda dos clientes. Um jogo difícil em que a transparência dos mercados — definida tanto pela eficiência dos sistemas como pela qualidade das informações sobre os emissores — corre o risco de sofrer arranhões.

CAPITAL ABERTO: A Nyse vai concorrer com a OTCQX, da Pink OTC Markets, negociando ADRs nível 1 em balcão (ver quadro na página 20). Isso se deve a um interesse maior do mercado por emissões não registradas na SEC?

SCOTT R. CUTLER: Essa preferência depende do desejo da companhia em acessar investidores de varejo e institucionais no mercado de capitais norte-americano. Muitas têm usado a regra 144A para promover grandes ofertas no Brasil com distribuição também internacional. Mas, à medida que amadurecerem, poderão querer acessar mais investidores nos Estados Unidos. A verdade é que tivemos muito poucas emissões nos últimos anos. Foram apenas 50 IPOs em Nova York no ano passado. E isso se deve, em grande parte, à crise internacional.

Negociar ativos de companhias sem registro na SEC não é contra os princípios de transparência que a Nyse sempre defendeu?

Bom, em primeiro lugar, nós acreditamos que os ADRs de balcão já são um produto muito bem conhecido pelo mercado. E a única razão para estarmos entrando nesse segmento é o fato de termos hoje uma plataforma para a negociação desses produtos (a ArcaEdge). Não se trata de uma listagem. Essas empresas não vão tocar o sino, mas poderão usar a nossa plataforma e se associar à marca Nyse.

E associar companhias sem registro na SEC à marca Nyse não significa um risco de imagem para vocês?

Elas vão se ligar à marca, mas não estarão listadas, o que significa que não estarão de acordo com as regras de governança e transparência aplicáveis às listadas. Temos certeza de que o mercado saberá diferenciar isso. Vamos apenas oferecer uma plataforma de negociação. Além disso, a liquidez nesses mercados é muito menos madura — não atingimos o varejo e nem investidores institucionais de porte —, por isso não estamos canibalizando o ADR nível 2. Aqui não se trata de ter liquidez, diferentemente do que oferecemos nos níveis 2 e 3.

Estamos vendo o crescimento das plataformas alternativas, das dark pools e, agora, vocês lançam um ambiente para ADRs nível 1. Os mercados secundários tendem a crescer via canais com menos transparência, tanto em relação aos preços como aos emissores?

Veja, não podemos confundir dark pools (centros de liquidez para grandes lotes que preservam o anonimato das partes durante a transação) com mercado de balcão. Na verdade, ao oferecer uma plataforma para ADRs nível 1, estamos dando mais transparência para empresas uma vez que promovemos visibilidade para as suas cotações e um ambiente de negociação. A disseminação das plataformas é, sim, um problema hoje nos Estados Unidos. Temos 40 tipos diferentes de centros de liquidez no país que negociam ações e competem muito entre si. Temos block pools, dark pools, high frequency trading. E o desafio é: quanto mais os mercados acontecem em ambientes em que preços e execuções não são conhecidos do público, mais alguns investidores ganham preferências em relação a outros.

Então vocês são contra esses ambientes?

Temos um problema com esse tipo de plataforma. Nós nos opusemos fortemente contra um mecanismo chamado “flash trading” nos Estados Unidos, que proporcionava aos melhores clientes visualizar os preços dos ativos antes de eles se tornarem públicos. Dissemos que aquela prática não era boa para o mercado, e a SEC depois baniu o sistema. Não somos contra as dark pools. Mas quanto mais o mercado acontece fora das bolsas de valores, torna-se mais difícil para nós desenvolvê-lo provendo confiabilidade e transparência.

O senhor acha que esses mercados com menos visibilidade são resultado de uma demanda maior do investidor por esse tipo de ambiente?

Na verdade, foi a SEC que criou isso. Ela que permitiu esses “alternative trading systems” no início dos anos 2000 como uma forma de promover mercados mais eficientes e reduzir o custo das transações. Missão cumprida. Só que isso também criou um mercado altamente fragmentado. Nosso próximo competidor, que pode aparecer amanhã ou ano que vem, é provavelmente alguém que instalará um ambiente cheio de provedores que tornem tudo mais rápido, melhor e mais barato do que qualquer outro sistema. Nosso concorrente pode ser qualquer um que consiga financiar um projeto desse tipo. O funding normalmente vem dos corretores, que querem reduzir preço a partir dos seus próprios incentivos econômicos. Mas esse interesse se transformou em plataformas eletrônicas que não têm o mesmo custo do nosso mercado e tipicamente são usadas pelos bancos para execuções próprias. O que nós defendemos perante a SEC é que, se estamos todos competindo, temos de brigar no mesmo nível, aportando os mesmos investimentos em desenvolvimento do mercado. Caso contrário, teremos um ambiente de jogo desigual, em que nossos competidores vão conseguir fazer mais rápido e mais barato do que nós fazemos porque somos guiados pelas regras da SEC. Esse é um desafio para as bolsas de valores em todo o mundo.

Mas o fato de vocês terem entrado nesse mercado, criando também uma dark pool (o New York Block Exchange, lançado em janeiro do ano passado), não enfraquece essa argumentação?

O que nós lançamos não foi exatamente uma dark pool, mas sim uma plataforma que permite tipos diferentes de execução, como a negociação de grandes blocos anonimamente. Nossa intenção era oferecer um mercado eficiente para players que quisessem negociar grandes lotes de ações sem serem vistos pelo resto do mercado enquanto a transação estivesse ocorrendo. Queríamos proporcionar um ambiente de mais oportunidades para esses negociadores encontrarem sua contraparte. É nosso objetivo prover as mais variadas soluções para atender às necessidades dos nossos clientes. Mas não é nosso desejo promover mercados não transparentes. Nenhuma dessas novas plataformas é não transparente. São todos mercados regulados.

Qual é exatamente a diferença entre a dark pool que vocês oferecem e essas outras plataformas sem transparência?

Transparência significa serem conhecidos de todos os preços e os participantes envolvidos também. Nesses outros mercados, você não tem ideia de qual é o preço. Eu te ligo e fecho um negócio com você usando a plataforma, mas ninguém sabe o que estamos fazendo. Muitos dos mercados de balcão que existem hoje são assim, não regulados e não transparentes sobre preço. Nem todas as dark pools são más. Não é porque tem esse nome que ela é ruim para o mercado. Dark pool é a palavra errada para descrever vários tipos de atividades. Algumas podem ser realmente pouco transparentes. Mas outras, não.

Sobre o mercado de ADRs, não temos visto novos programas níveis 2 e 3 lançados por empresas brasileiras. A que o senhor atribui isso?

É preciso considerar que perdemos algumas companhias devido a processos de consolidação. E que os últimos anos têm sido bem devagar em termos de emissões no mundo inteiro. Mas nós esperamos um incremento das emissões de ADRs daqui pra frente. Estamos conversando com várias companhias que hoje têm ADRs nível 1 sobre listagem nos níveis 2 e 3.

A competição com outras bolsas internacionais, como Londres, estaria resultando em um menor número de listagens nos Estados Unidos?

Não. Se você olhar para o volume de ofertas iniciais de ações no mundo, a Nyse está em segundo lugar, atrás apenas de Hong Kong. Em Londres, não vimos praticamente nada em atividade de IPO, refletindo o que ocorreu na Europa de maneira geral. Este ano, estamos vendo uma recuperação das ofertas por lá. E estamos vendo também um movimento importante em emergentes como China, Rússia e Brasil, cujos mercados domésticos estão maturando e mostram forte potencial.

Por que as companhias irão buscar recursos em outras bolsas se os seus próprios mercados estão ficando cada vez mais fortes?

O problema dos mercados locais é a liquidez. A empresa pode até ter volume na largada para fazer o lançamento de ações, mas depois tem muita dificuldade de manter um patamar razoável de negociação dos seus papéis. Na maior parte dos mercados emergentes, grandes investidores vêm encontrando dificuldades para sair de suas posições. Hoje, as 29 empresas brasileiras que estão listadas em Nova York negociam juntas cerca de US$ 3 bilhões por dia. Isso é mais do que a Bovespa consegue para todas as suas companhias listadas (na verdade, em janeiro e fevereiro deste ano, o mercado de ações à vista da BM&FBovespa atingiu média diária de US$ 3,2 bilhões em volume de negociação). A Bovespa ainda não é um mercado de grande liquidez. Mas vocês vão chegar lá.

As companhias que negociam pouco aqui têm receio de negociar em Nova York e prejudicar ainda mais sua liquidez, dividindo-a com outra praça.

Essa é uma premissa falsa, porque não existem dados que a comprovem. As empresas que se listaram em Nova York até agora viram um incremento em sua liquidez no mercado local e também no valor de suas ações. E a razão para elas estarem ampliando em vez de dividindo liquidez é o fato de terem tido acesso a vários investidores que não estariam aplicando em suas ações se estivessem só no Brasil. Além disso, a arbitragem entre os dois mercados e suas moedas cria volume e liquidez para os papéis. O aumento de volume é, portanto, o grande benefício de listar ADRs, e é por isso que não somos concorrentes da Bovespa.

Dentre os mercados emergentes que o senhor citou — China, Rússia e Brasil —, qual deles tem mais potencial para gerar ADRs?

Nos últimos três ou quatro anos, a China vem liderando em número de companhias sendo criadas e buscando acesso a capital no mercado de ações. Mas eu acredito que as maiores emissões, em termos de volume, virão do Brasil. Vocês têm um número significativo de empresas de grande porte, que são multinacionais e têm operações no resto do mundo. Essas companhias vão ter necessidade de capital ao longo do tempo. Se olharmos para os IPOs no último ano no Brasil, o volume médio das ofertas ficou em torno de US$ 300 milhões, o que é bem maior do que outros mercados emergentes. A China tem feito desde meros US$ 20 milhões a US$ 200 milhões em IPOs. E este ano vai ser bem melhor que os anteriores em termos globais. Temos menos incerteza nos negócios e volatilidade, mais capital para ser alocado e investidores procurando crescimento.

Hoje, a BM&FBovespa vale mais do que Nyse e Nasdaq juntas, considerando-se os preços de mercado das próprias bolsas.

O valor de uma bolsa é resultado de uma série de fatores. Há bolsas como a CME e a BM&FBovespa, que são verticalizadas e integradas, têm mais crescimento em derivativos e futuros e um modelo distinto de lucratividade. Isso é bem diferente do modelo de negócio de uma bolsa que é focada em negociações com ações. A Nyse é avaliada com base em seus volumes de negócios com ações, suas listagens de emissores, sua tecnologia. Nós podemos ter mais faturamento que a BM&FBovespa, mas ela pode ter um valor maior em mercado. Não somos verticalmente integrados e nem tão fortes em derivativos — as duas razões que fazem a BM&FBovespa ser mais bem avaliada. Nós não temos o privilégio de sermos verticalmente integrados em nenhum dos mercados em que atuamos.

E vocês veem alguma oportunidade de negócio no Brasil?

Enquanto a CVM não tornar o seu mercado competitivo, não teremos como competir nele. O monopólio da BM&FBovespa não permite que ninguém faça nada nele.

Mas a Instrução 461 ofereceu essa possibilidade, não?

Abriu a possibilidade de competir, mas a BM&FBovespa detém o monopólio sobre a câmara de liquidação. E é aí que nós esbarramos.

Vocês esperam um movimento forte de consolidação de bolsas no mundo?

Essa visão, predominante há três ou quatro anos, de que as bolsas iriam se consolidar, já vem se mostrando um tanto diferente da realidade. Isso provavelmente não vai acontecer devido aos limites regulatórios. Nós adoraríamos ter uma bolsa na Ásia, porém as chances de esses governos e de as próprias bolsas locais quererem parar nas nossas mãos são muito pequenas. A realidade é que a oportunidade para consolidação existe nas plataformas de negociação. Há muita sinergia a ser criada aí, principalmente se você tem plataformas que podem ser escalonadas com novos produtos. Nós acreditamos que as limitações regulatórias vão sempre segurar o processo de consolidação. Confiamos mais em iniciativas de parceria do que de consolidação.

Nyse vai competir com OTCQX

Pela primeira vez, a New York Stock Exchange (Nyse) vai permitir que emissores estrangeiros sem registro na Securities and Exchange Commission (SEC) se associem à sua marca. Está programado para o começo de abril o lançamento mundial do Nyse ArcaEdge, segmento voltado à negociação, em mercado de balcão, de ADRs nível 1 emitidos por companhias que atendam a requisitos mínimos de liquidez e tamanho. É a tacada da Nyse para competir com o OTCQX, o mercado premium da plataforma Pink OTC Markets. A proposta desse tipo de segmento é prover um ambiente qualificado para negócios em balcão.

Os ADRs negociados no “over-the-counter” norte-americano vêm crescendo desde agosto de 2008, quando a SEC criou uma dispensa automática de registro para os emissores desses recibos. Desde então, companhias que tenham pelo menos 55% do seu volume médio diário de negócios realizados na BM&FBovespa (considerando o último ano) estão aptas a estrear nos Estados Unidos negociando ADRs nível 1 sem precisar pedir nada à SEC e nem cumprir com qualquer exigência aplicável às companhias listadas — como divulgação de balanços em US Gaap ou conformidade com a lei Sarbanes-Oxley. Sua única obrigação é divulgar as informações financeiras em inglês, no próprio website. De 2007 para 2009, o total de programas de ADRs com negócios em balcão passou de 665 para 729.

“O ArcaEdge é um primeiro passo para uma companhia se associar à Nyse”, disse Alexandre Ibrahim, diretor administrativo da Bolsa, à CAPITAL ABERTO, durante conferência realizada em Buenos Aires, no começo de março, pelo BNY Mellon, com emissores de DRs da América Latina. O novo produto será divulgado para potenciais clientes no Brasil no dia 6 de abril, em São Paulo. Ibrahim espera dar a largada com pelo menos três empresas, sendo uma delas brasileira.

Para tirar mercado da OTCQX, a Nyse quer valer-se, em primeiro lugar, da força da sua marca. O preço também será mais baixo que o praticado atualmente pela Pink: a Nyse vai cobrar US$ 15 mil de anuidade, sem taxa de adesão; a Pink pede o mesmo valor de anuidade, mais uma adesão de US$ 5 mil. Seus pré-requisitos para negociação são parecidos — capitalização de mercado de US$ 750 milhões e receitas a partir de US$ 75 milhões, dentre outros —, mas a Nyse adiciona uma exigência de liquidez: pelo menos US$ 100 milhões em circulação (free float), considerando todos os mercados em que as ações da companhia são negociadas. “Nós queremos as melhores empresas”, diz Ibrahim.

A OTCQX, por sua vez, exige que a companhia tenha um consultor que a auxilie a se relacionar com os investidores — chamado de PAL, sigla para “principal american liaison”. “Nós não exigimos esse tipo de coisa, porque não precisamos”, diz Ibrahim. Hoje existem 38 companhias brasileiras com ações negociadas no balcão norte-americano, quatro delas no OTCQX — JBS, MRV, Lupatech e Klabin. A Hypermarcas também teve um programa de ADRs nível 1 aprovado em reunião do seu conselho de administração, em fevereiro.

Outra aposta da Nyse para se diferenciar da concorrência é a força da plataforma, a ArcaEdge, voltada a negociar ações em balcão. Trata-se de um filhote da Arca, o ambiente exclusivamente eletrônico da Nyse que é hoje, segundo Ibrahim, o terceiro maior mercado dos Estados Unidos (atrás apenas do pregão tradicional da bolsa nova-iorquina e da Nasdaq). Velocidade, melhor preço e anonimato do ofertante são os pontos fortes da ArcaEdge, segundo a Nyse. (S.A.)


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