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Proteção excessiva
Indenização garantida pela Oi às vésperas da fusão provoca a pergunta: até que ponto uma companhia deve blindar seus executivos de prejuízos em processos judiciais?

, Proteção excessiva, Capital AbertoEm 19 de setembro, 12 conselheiros de administração da Oi se encontraram no Rio de Janeiro para mais uma reunião. Na pauta, estava a criação do que a empresa chamou de “política de reposição de perdas”, um item que passaria despercebido não fossem as suas graves implicações para a governança da companhia. Com ela, diretores estatutários e conselheiros de administração têm direito a serem ressarcidos com recursos da empresa em casos de prejuízos financeiros decorrentes de quaisquer processos judiciais ou administrativos contra eles — inclusive aqueles que o seguro de responsabilidade civil de administradores, conhecido como D&O (directors and officers), não abranger.

A capital aberto teve acesso à proposta deliberada pela Oi (veja o quadro na página 36), não publicada na ata da reunião. Questionável por si só, a política de reposição torna-se ainda mais problemática por ter sido aprovada exatamente duas semanas antes do anúncio da fusão da Oi com a Portugal Telecom (leia matéria na página 28).

O instrumento complementará o D&O dos executivos da telefônica. Sua principal diferença em relação ao seguro é depender apenas do aval dos próprios beneficiados — os administradores — para ser acionado, ao passo que o D&O fica sujeito às diligências, necessariamente rigorosas, executadas pelas seguradoras para validar o sinistro. Procurada pela reportagem, a Oi não comentou o assunto.Uma fonte ligada à companhia afirmou apenas que a adoção da política visa o alinhamento da companhia à Portugal Telecom, que emprega, segundo a fonte, mecanismo similar. Na visão de investidores consultados, no entanto, a garantia de ressarcimento representa uma espécie de “cheque em branco” para confortar os administradores sobre seus direitos caso a reestruturação em curso implique perdas não contempladas no D&O.

A política de reposição da Oi é o que, no mercado, se conhece como contrato de indenidade — um acordo firmado entre a companhia e seus executivos para lhes assegurar ressarcimento em situações não cobertas pelas apólices de seguros. O instrumento é raro, mas a operadora de telefonia não é a única a adotá-lo.

A fabricante de ônibus Marcopolo informa, em seu formulário de referência, que seus executivos estão protegidos por um seguro D&O e também por um contrato de indenização. No acordo, a companhia “se obriga a manter o administrador indene e a salvo, reembolsando-o ou realizando o pagamento, conforme o caso, com relação a todos e quaisquer prejuízos, despesas, custos ou outros valores de qualquer natureza”.

A divulgação desse tipo de acordo é obrigatória, de acordo com a Instrução 480 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que estabelece o conteúdo dos formulários de referência. No item 12.11, a autarquia determina que todas as companhias descrevam a existência de qualquer instrumento que preveja o “pagamento ou reembolso de despesas suportadas pelos administradores decorrentes da reparação de danos causados a terceiros ou ao emissor”. Além de Oi e da Marcopolo, nenhuma outra companhia, entre as cem mais líquidas da BM&FBovespa analisadas no Anuário de Governança Corporativa das Companhias Abertas de 2013, publicado pela capital aberto, estabelece esse acordo com os executivos.

O contrato de indenidade da Oi é um acordo firmado entre a companhia e seus executivos para ressarci-los em situações não cobertas pela apólice de seguro. O instrumento é raro, mas a operadora de telefonia não é a única a adotá-lo.

A vítima paga
Os limites da blindagem de executivos processados no exercício de seus deveres já foram avaliados pelo colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Em caso envolvendo cinco executivos da Kepler Weber acusados de promover um aumento de capital em desacordo com a Lei das S.As., analisado em janeiro de 2011, a autarquia deixou claro que, sob a sua ótica, contratos de indenidade como os estabelecidos por Oi e Marcopolo não são válidos.

Os executivos da companhia de silo e armazenagem de grãos propuseram o encerramento do caso por meio de um termo de compromisso em que desembolsariam R$ 500 mil. E sugeriram que, caso os critérios para acionamento do seguro contratado com o Itaú, responsável pela apólice D&O, não fossem atendidos, os custos do termo seriam arcados pela companhia — conforme o respaldo conferido, na época, por um acordo de indenidade. Questionada pela reportagem, a empresa não informou se ainda possui o instrumento. Nos últimos formulários de referência, não há nenhuma menção a ele.

A CVM aceitou a proposta de termo de compromisso, mas rejeitou que a Kepler Weber fosse a pagadora. Ao indeferir o pedido, o diretor Otavio Yazbek, relator do caso, deixou claros os inúmeros conflitos que orbitam os contratos de indenidade. Se um diretor deixa de publicar tempestivamente um fato relevante e é multado pelo regulador, por exemplo, toda a organização é afetada. Não faria sentido, portanto, que a vítima financiasse a retratação daquele que lhe causou o dano.

A autonomia de quem avalia o mérito do ressarcimento também é frágil, observou Yazbek. Nos contratos de indenidade, os próprios administradores definem as indenizações e, quando elas são requeridas, julgam o mérito da sua aplicação. “É mesmo desnecessário explorar o quão conflituosa essa situação pode se mostrar ou o tipo de estímulo que ela pode embutir”, resumiu o diretor em seu voto. Ele completou esclarecendo a diferença entre os acordos de indenidade e os seguros D&O como fonte de recursos em um termo de compromisso: “Nos seguros contratados, a presença de um avaliador terceirizado, com interesses distintos daqueles dos administradores, reduz em muito a situação de conflito, o que justifica que se aceitem termos de compromisso envolvendo o pagamento por sociedades seguradoras”.

Punições neutralizadas
Ainda que, do ponto de vista sancionador, os seguros D&O sejam vistos com mais legitimidade que os contratos de indenidade, eles também são alvos de críticas. A principal delas é neutralizar punições e, por consequência, propiciar a adoção de posturas menos diligentes por parte dos executivos e conselheiros. O megainvestidor Warren Buffett é um dos notáveis defensores da preservação dos riscos patrimoniais como forma de balizar a conduta dos administradores. Em sua tradicional carta aos acionistas, em 2010, escreveu que não contrataria seguros de responsabilidade civil para seus executivos porque, “se eles fizerem bagunça com o seu dinheiro, perderão o deles também”. Buffett mantém a prática até hoje.

No Brasil, a Superintendência de Seguros Privados (Susep) parece concordar, ao menos em parte, com a visão do megainvestidor. A autarquia barrou, nos últimos anos, seguradoras que tentavam renovar apólices ou contratar novas que previssem o ressarcimento de multas. A Susep argumenta que, ao restituir os valores, as apólices estariam esterilizando as punições e incentivando os segurados a reincidir em condutas ilícitas. O D&O, conforme esse entendimento, deve se restringir a honrar dispêndios com eventos como indenizações, gastos com processos e advogados e termos de compromisso.

A advogada Ana Carolina Rodrigues analisa em sua tese de mestrado, entregue em 2011, os efeitos do D&O sobre a responsabilidade civil dos administradores e a governança corporativa. Em princípio, diz a pesquisadora, os seguros são positivos para o mercado porque, ao garantir o pagamento das indenizações, atribuem efetividade aos processos que envolvem a responsabilidade dos administradores. No Brasil, no entanto, esse efeito não é pleno. “A principal falha está no fato de a cobertura desses seguros, em muitos casos, se voltar essencialmente ao custeio de despesas judiciais e não ao ressarcimento dos prejuízos sofridos pelas vítimas”, diz Ana Carolina. A prática, em sua visão, contraria o Código Civil: no artigo 787, a carta determina que o segurador garanta o pagamento de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiros. “O objetivo do seguro de responsabilidade civil é ressarcir os danos sofridos pela vítima e não apenas recompor o patrimônio do segurado”, conclui a advogada.

Os seguros D&O vêm crescendo de forma acelerada no Brasil. Das cem companhias mais líquidas da BM&FBovespa, 93 confirmam ter a apólice em seus formulários de referência. Segundo dados da Supep, os prêmios de D&O somam R$ 135,1 milhões atualmente, ante pouco mais de R$ 98 milhões há cinco anos.

O uso do seguro, se bem calibrado, tem tudo para ser positivo. Viabiliza a contratação de bons executivos e conselheiros e garante a efetividade econômica dos processos contra diretores. Sua abrangência, no entanto, deve ser observada com lupa pelos acionistas, assim como os acordos de indenidade assinados por Oi e Marcopolo. Em um ambiente cada vez mais tomado por companhias pulverizadas — como será a própria Oi após a fusão com os portugueses —, não parece bom negócio para os acionistas deixar os administradores confortáveis demais.

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