Sem milagres
Publicidade de IPOs para atrair pessoas físicas é prática usual em alguns países, mas não garante sucesso da oferta

, Sem milagres, Capital Aberto

Imagine uma mocinha da novela das oito em um outdoor. Até aí, nenhuma novidade, certo? Só que esse cartaz não está anunciando produtos de beleza, roupas, bebidas ou destinos paradisíacos para as suas férias. A estrela pop que está emprestando seu carisma quer vender ações para você. A ideia ainda parece exótica no Brasil, mas é bastante comum na Índia, onde outdoors anunciando ofertas públicas iniciais de ações (IPOs, na sigla em inglês) se espalham por grandes centros como Mumbai e Nova Delhi. Em 2010, a modelo, atriz e apresentadora de TV Mandira Bedi estampou a campanha publicitária criada para o IPO da joalheria Shree Ganesh Jewellery. A imagem de Mandira estava em todo lugar: em paradas de ônibus, em balões no céu, em grandes cartazes na beira das estradas. Mais que isso: ela aparecia em banners móveis, carregados por pessoas contratadas para circular de um lado para outro com a mensagem: “Porque emoções não são feitas por máquinas”.

Sanjeev Gupta é diretor da agência indiana Global Advertisers (GA), especializada em desenvolvimento e instalação de outdoors publicitários pelas ruas da populosa Mumbai. Foi a GA que desenvolveu a campanha da Shree Ganesh e de muitas outras companhias, dos mais diversos ramos, em processos de oferta de ações. Gupta fala com empolgação de um dos principais filões do seu negócio. Ele conta que, na última década, mais de 70 empresas já contrataram seus serviços para ter uma estreia badalada na bolsa de valores. No seu portfólio de clientes, estão bancos, hospitais, companhias de logística e entretenimento. “Na Índia, as pessoas têm várias opções para investir seu dinheiro. Imóveis, fundos multimercado, commodities e ações são os mais comuns. Anunciar é muito importante para se destacar dentre essas alternativas”, comenta.

A imagem de indianos andando pelas ruas incitando a participação em IPOs sugere que fazer publicidade do mercado de capitais seria algo bastante simples por lá. Gupta esclarece que não é bem assim. “A Securities and Exchange Board of India (Sebi, órgão regulador do mercado de capitais) mantém um olhar de águia sobre o nosso trabalho.” Antes de chegar às ruas, o material precisa ser aprovado pelo banco de investimentos e pelo consultor jurídico envolvidos com a oferta. Se a Sebi conclui que a campanha está exagerada, pode pedir o fim de sua circulação. Exigente, sim, mas nem tanto quanto a brasileira Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que requer a submissão da propaganda a sua aprovação antes de ser veiculada.

“O trabalho do Magazine Luiza não teve um reflexo financeiro tão grande, mas valorizou a marca”

ANÚNCIO INDIRETO — Em 27 de julho, o célebre painel luminoso da bolsa eletrônica nova–iorquina Nasdaq na Times Square apresentou uma novidade. O logotipo da bolsa brilhou com duas letras D, em vez de uma. Era uma referência à rede de cafeterias Dunkin’ Donuts, em seu primeiro dia de negociação no pregão. A iniciativa não partiu da companhia e sim da própria equipe de marketing da Nasdaq, que declarou ao The Wall Street Journal não ter recebido nada da empresa pela ação publicitária. A ideia foi chamativa, mas sutil. Nada de frases ou mensagens conclamando a participação no IPO, até porque a Securities and Exchange Commission (SEC) não permite que a compra de ações seja estimulada de forma tão direta pela propaganda.

A publicidade curta e grossa para atrair investidores é proibida nos Estados Unidos. Lá toda propaganda sobre a oferta tem, necessariamente, de ser acompanhada do prospecto, o que impede a realização de um comercial na TV ou de um anúncio em jornal. Isso não significa, porém, que as empresas ignoram a publicidade quando fazem seus IPOs. O estudo Product Market Advertising and Initial Public Offerings: Theory and Empirical Evidence, publicado em 2004 pelos pesquisadores Thomas J. Chemmanur e An Yan, da Boston College e da Universidade Fordham, respectivamente, analisou os gastos com publicidade nos dois anos anteriores e posteriores aos IPOs de 178 empresas no mercado norte–americano entre 1990 e 2000. A conclusão foi que, no ano do IPO, o investimento em propaganda atingia seu pico, diminuindo gradativamente na sequência.

O objetivo declarado dessas empresas era atingir os consumidores ao anunciar seus produtos, mas, além disso, havia um esforço para tornar a marca mais presente no dia a dia das pessoas, de maneira que elas conhecessem o nome da companhia e tivessem mais interesse em investir. A pesquisa apontou que aquelas que colocaram mais recursos na divulgação de seus produtos tiveram maior presença de investidores em suas ofertas, tanto institucionais como pessoas físicas, e conseguiram preços melhores para os papéis. “As empresas mais beneficiadas com a publicidade foram justamente as desconhecidas pelo varejo. Para as populares, a propaganda não fez tanta diferença assim”, diz Chemmanur. Mas é preciso tomar cuidado. Segundo o advogado Gregory Harrington, sócio do escritório Arnold & Porter LLP, uma empresa que nunca fez propaganda e começa a investir pesadamente em anúncios antes do IPO corre o risco de cair na malha fina da SEC, que pode caracterizar a iniciativa como uma oferta ilegal. “Sempre recomendamos às companhias que fazem IPO manterem seus gastos com publicidade em um nível normal, sem aumentos repentinos”, diz Harrington.

No Brasil, a CVM permite a propaganda das ofertas iniciais de ações, porém faz várias exigências sobre as informações e ressalvas a serem apresentadas, além de exigir que o material passe previamente por seu escrutínio. Não há estudos comprovando um aumento do investimento em anúncios de IPOs no País, mas é visível o despertar dos emissores para esse tipo de comunicação nos últimos anos. São casos ainda raros, é verdade, mas já significativos. As campanhas mais elaboradas foram feitas por empresas estatais de grande porte, como Petrobras e Banco do Brasil.

A ideia de se apoiar em um rosto conhecido e carismático também foi usada por aqui. Em 2007 e, posteriormente, em 2010, a atriz Fernanda Montenegro estrelou comerciais para estimular o investimento nas ofertas subsequentes do Banco do Brasil. A Petrobras fez anúncios em mídia impressa, televisão e cinema do seu aumento de capital no ano passado. Dentre empresas privadas, um dos casos mais emblemáticos foi o do Magazine Luiza, que estreou na Bolsa brasileira em 2 de maio. O rosto de Luiza Trajano, presidente do grupo varejista, era o chamariz da campanha publicitária, com propagandas em redes de televisão, jornais e revistas e um site criado especificamente para informar sobre a oferta. De acordo com Daniel Kifouri Halak, redator publicitário da Etco Ogilvy, agência responsável pela divulgação, a imagem de Luiza convidando seus consumidores a serem sócios tinha mais credibilidade do que a de um ator famoso. “Queríamos alguém que estivesse realmente lá e conhecesse o cotidiano da companhia. Ninguém seria melhor do que ela”, afirma Halak. A Abril Educação abriu o capital em julho deste ano e também anunciou a sua oferta pública, só que de forma mais discreta. A campanha foi veiculada em revistas e jornais com mensagem semelhante à da Magazine Luiza: “Seja um sócio da Abril Educação”.

Tudo parece indicar que a publicidade pode até chamar a atenção das pessoas, entretanto não vai fazê–las ter o trabalho de se cadastrar em uma corretora para aplicar em ações. Ela funciona muito mais entre aqueles que já são investidores e têm de escolher em qual ativo vão colocar seus recursos. As experiências levam a crer que o esforço de comunicação com o investidor pessoa física, apesar de bem intencionado, só terá efeitos mais relevantes quando existir também uma cultura de investimentos de risco.


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