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Poder e cobiça
A habilidosa jogada do empresário Nelson Tanure para reduzir a influência do fundo ativista Discovery, aliar-se ao extravagante fundador Márcio Mello e, ao final, tomar o poder na problemática HRT

, Poder e cobiça, Capital AbertoA petroleira HRT, fundada pelo geólogo Márcio Mello em 2008, vive em conflito permanente com o paradoxo do tempo. Lá, algumas coisas andam devagar, quase parando. A produção de petróleo é uma delas; por consequência, a geração de resultados também. Quando a HRT abriu o capital, em 2010, seu cronograma indicava que a extração de petróleo beiraria 28 milhões de barris em 2013. Apenas no início de 2014, entretanto, as primeiras gotas foram colhidas. A companhia vendeu petróleo pela primeira vez na última semana de janeiro: um carregamento de 233 mil barris.A morosidade das operações contrasta com a velocidade em que dramas societários emergiram — e submergiram — na HRT nos últimos tempos. Em questão de um mês, um acionista novo apareceu, se tornou o mais relevante da base, arrumou briga com seu principal sócio e, logo em seguida, fez as pazes. O protagonista é Nelson Tanure, dono da Docas Investimentos e empresário conhecido por gostar de negócios encrencados. Suas investidas foram tão incisivas que o mercado ainda se pergunta a que fim conduzirão.

Em 26 de dezembro do ano passado, veio a público o primeiro comunicado a informar que Tanure estava comprando grandes volumes de ações da HRT. Entre o Natal e o dia 24 de janeiro, o empresário investiu mais de R$ 60 milhões em papéis da companhia por meio da recém-criada JG Petrochem. O aporte se justificava pelo preço: nos últimos meses de 2013, as ações da HRT atingiram as menores cotações da sua história, abaixo de R$ 0,70. Isso significava um valor de mercado de pouco mais de R$ 200 milhões, versus um patrimônio líquido de R$ 2,4 bilhões. Tanure estaria, portanto, pagando muito pouco por uma companhia que, finalmente, estava se tornando operacional. Chegou-se a aventar que seu interesse fosse fechar o capital da empresa.

De ação em ação, o empresário adquiriu uma participação de 19,25%, à beira do limite de ser disparada a chamada poison pill. A cláusula estatutária obrigaria Tanure a realizar uma oferta de compra a todos os acionistas, caso ultrapassasse 20% do capital da companhia. A menos de um ponto percentual dessa fronteira, Tanure começou a acusar outro acionista — o fundo Discovery, do investidor Robert Citrone — de tê-la ultrapassado e ficado de boca fechada.

, Poder e cobiça, Capital AbertoQueda de braço
O fundo americano é investidor de longa data da HRT. Está às voltas com a companhia desde os tempos da abertura de capital, em 2010, quando a petroleira captou R$ 2,6 bilhões. Mas foi só no ano passado, depois de ver o caixa da empresa secar devido às promessas de produção frustradas, que o Discovery começou a dar mostras da sua veia ativista. Na assembleia de acionistas realizada em abril de 2013, fez um pedido de voto múltiplo, instrumento que atribui a cada ação um número de votos igual à quantidade de assentos a ser ocupada no conselho de administração. Com isso, conseguiu eleger três conselheiros independentes. Ao longo do ano, aumentou sua participação no capital da HRT comprando papéis que outros acionistas se cansaram de segurar e decidiram vender — entre eles, a gestora americana Southeastern Asset Management e o fundo MSD Capital, de Michael Dell. Em meados de dezembro, o Discovery tinha 17,71% das ações da HRT. Desde então, essa é a informação que o mercado possui.

Para Tanure, no entanto, o Discovery estaria escondendo o jogo. No fim de janeiro, o empresário pediu a instauração de um processo na Câmara de Arbitragem da BM&FBovespa. Alegava que o fundo, àquela altura, possuía mais de 20% de participação na empresa sem ter comunicado isso ao mercado, nem realizado a oferta de compra aos demais acionistas prevista no estatuto. O empresário também teria acusado o Discovery de comprar papéis da companhia com base em informações privilegiadas repassadas por dois dos conselheiros que ajudara a eleger.

O mais surpreendente, contudo, viria em seguida. As seriíssimas denúncias feitas por Tanure não duraram mais do que uma semana. Depois de estabelecido formalmente o conflito, nos últimos dias de janeiro o empresário solicitou uma reunião com o Discovery em Nova York. Segundo um executivo que pediu para não ser identificado, ele teria iniciado o encontro afirmando que, diante da fragilidade da companhia, uma disputa entre acionistas tão importantes poderia ser fatal. Teria dito, ainda, que estava disposto a retirar os litígios e a conviver em harmonia. E também teria admitido saber que o Discovery não ultrapassara o limite de 20% de participação na HRT nem tivera acesso a informações privilegiadas. A queda de braço, enfim, terminou com um acordo de uma página e meia assinado pelos dois acionistas, que se comprometeram a evitar hostilidades entre si. O Discovery reforçou que não tinha intenção de tomar o controle da empresa. Tanure esclareceu que não pretendia fechar o capital da HRT, como se suspeitava. Quatro horas depois de encerrada a reunião, os advogados do empresário já davam início aos procedimentos para encerrar os processos.

Fim?
Tudo soa estranho aos ouvidos de investidores e analistas. “A troco de que Tanure retiraria o processo de arbitragem que mal havia iniciado? Que contrapartida o convenceria a fazer isso?”, questiona um acionista minoritário. O fato é que, fechado o acordo com Tanure, o Discovery se aquietou. Aparentemente, já não lhe interessa ter representantes no conselho, acionar a Justiça para se defender das acusações de que foi alvo, nem mexer com qualquer coisa que diga respeito à gestão da HRT. Nos corredores do escritório do fundo, a preferência é por tratar a atitude de Tanure como uma “estratégia de marcação de território”, condizente com seu estilo agressivo de se embrenhar em novos negócios. Todos por lá gostam de lembrar que a participação do Discovery na companhia é avaliada em míseros R$ 58 milhões — muito pouco para fazer valer o desgaste, considerando-se que o portfólio do fundo passa de US$ 13 bilhões.

Suspeita-se que Tanure tenha acusado o Discovery de possuir mais de 20% do capital para bloquear o voto do fundo na assembleia de acionistas. O fundo supostamente teria deixado de realizar a oferta de uma poison pill

E por que Tanure teria acusado formalmente o Discovery? Quem conhece a HRT por dentro suspeita que a tacada visava bloquear o voto do fundo na próxima assembleia de acionistas, marcada para 19 de março, por supostamente ter deixado de cumprir a obrigação de realizar a oferta determinada pela poison pill. “A acusação falsa era um artifício para a administração eleger o conselho que quisesse”, afirma uma fonte que pediu para não ser identificada.

Por “administração”, entenda-se Márcio Mello. Além de fundador, ele é ex-CEO e ex-presidente do conselho da HRT. Embora possua uma quantidade residual de ações da empresa, mantém-se até hoje no conselho de administração, junto com seus indicados. Sua gestão como presidente terminou, no ano passado, sem metas cumpridas e com volumes altíssimos de gastos, aí incluídas as remunerações dele próprio e do restante da diretoria. Por isso, era vista com desconfiança pelo mercado. Acredita-se que Mello e Tanure tenham se aliado; publicamente, no entanto, ambos negam veementemente qualquer relação entre si. Procurados pela CAPITAL ABERTO, Discovery, Docas Investimentos, HRT e Mello não concederam entrevista.

Para a assembléia do dia 19, a expectativa de fontes ligadas ao Discovery é que Mello, ao contrário do que fez ano passado, não indicará conselheiros, abrindo caminho para a chapa da administração. Isso significa um board cada vez mais pendente para o lado de Tanure. São sete os candidatos, a maior parte fruto de sucessivos pitacos do empresário. Pedro Grossi, um dos nomes sugeridos, é membro do conselho do Jornal do Brasil, empresa pertencente ao portfólio da Docas Investimentos. Ronaldo Carvalho da Silva, outro indicado, já foi diretor financeiro e de relações com investidores da Docas, enquanto o canadense William Connell Steers era membro do conselho de administração da empresa de Tanure até 2012. Consta ainda na chapa o ex-ministro das Comunicações Hélio Costa, que acompanhou o empresário na reunião de janeiro com o Discovery em Nova York. Haroldo Lima, ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo, também foi indicado, assim como o economista Vinícius Carrasco. O advogado Elias Ndevanjema Shikongo, da Namíbia, país em que a empresa tenta encontrar petróleo há anos, completa a lista — ele é o único que faz parte do conselho da empresa atualmente.

Mello, por sua vez, deixará o conselho de administração na assembleia, mas não deve sair completamente de cena. Executivos próximos a Tanure ressaltam que, para além das fronteiras do mercado de capitais, Mello é tido como um profissional respeitável e “de muito valor”. Por isso, deverá ser mantido na empresa, mas numa espécie de conselho consultivo, sem voz ativa na gestão.

Conselho irregular
, Poder e cobiça, Capital AbertoCom a instalação da nova chapa, o conselho da HRT voltará a cumprir as regras do Novo Mercado da BM&FBovespa, segundo as quais o board deve ser composto de, pelo menos, cinco membros. A HRT descumpre a norma desde dezembro de 2013, quando a maior parte dos conselheiros abriu mão do cargo. A saída foi motivada por uma reunião convocada às pressas pelo chairman, John Willott, para deliberar sobre o afastamento de dois integrantes do conselho de administração e dois do conselho fiscal. A alegação: eles trabalhavam em empresas concorrentes à HRT e seus currículos apresentados em assembleia teriam omitido essas informações. Como a reunião foi marcada num dia e realizada no seguinte, apenas cinco membros compareceram — entre eles, um dos acusados. Os quatro que puderam votar foram favoráveis à suspensão dos dois conselheiros de administração e à anulação da eleição dos conselheiros fiscais.

Injuriados com a decisão, considerada arbitrária, seis conselheiros de administração da HRT decidiram renunciar. Sobraram quatro: Márcio Mello, Wagner Elias Peres, ex-presidente da HRT America e amigo de Mello dos tempos da Petrobras, o presidente Willot e o advogado namibiano Shikongo. Até a assembleia de acionistas no fim de março, o conselho terá completado quase três meses com a composição irregular.

Outra particularidade do board da HRT é que dois dos atuais quatro membros movem processos contra a empresa. Em ambos os casos, o motivo é um polêmico pacote que previa indenização milionária para diretores que fossem demitidos ou se demitissem no caso de haver mudanças no conselho de administração. O chamado “severance package” foi aprovado em uma reunião em janeiro de 2013 e acabou sendo ativado em consequência da assembleia de acionistas de abril, aquela em que o Discovery conseguiu eleger conselheiros. Na ocasião, Mello renunciou ao cargo de diretor-presidente, que ocupava desde 2009. Com isso, ele e outros dois diretores, que também deixaram seus cargos, embolsaram quase R$ 22 milhões em indenização. Meses depois, uma revisão dos cálculos feita pelo comitê de remuneração da empresa indicou que os executivos receberam mais dinheiro do que deveriam, e Mello foi chamado a devolver parte do valor. A medida levou Mello a instaurar, em dezembro, um processo de arbitragem na BM&FBovespa contra a HRT.

O outro membro do conselho de administração que duela judicialmente com a companhia é Wagner Peres. Residente nos Estados Unidos, ele move um processo na Justiça americana alegando que também teria direito a receber o “severance package”, mas a empresa não o pagou. “Em resumo, a HRT está nas mãos de gente que a está processando. O receio é isso gerar uma defesa malfeita”, diz uma fonte.

O caso do pacote de indenização se soma à insatisfação dos investidores com o volume pago em remuneração à diretoria, considerado alto demais para uma empresa que nunca deu lucro. Segundo dados compilados no Anuário de governança corporativa das companhias abertas de 2013, produzido pela CAPITAL ABERTO, a HRT foi a empresa a pagar a segunda maior remuneração por diretor entre as cem companhias com ações mais líquidas na BM&FBovespa que divulgam esse dado. Foram praticamente R$ 6 milhões por diretor em 2012, atrás apenas da OGX, do empresário Eike Batista. As propostas de remuneração eram aprovadas pelo conselho de administração, mas nem sempre de forma consensual. Na reunião que discutiu o pagamento de bônus relativo ao exercício de 2012, houve quatro votos contrários. Entre as sete pessoas favoráveis à proposta, identificou-se conflito de interesse em três conselheiros que também eram diretores da empresa, inclusive Mello.

As excentricidades da HRT combinam com o estilo de seu fundador. Obcecado por limpeza, Márcio Mello se tornou caricato ao exigir que os executivos caminhassem de sapatos cirúrgicos pelo escritório. Toda a assepsia, porém, mais parece verniz. Os embates por dinheiro e poder insinuam um acúmulo de sujeira debaixo dos brancos tapetes que forram o piso da sede da petroleira.

, Poder e cobiça, Capital Aberto

Ilustrações: Beto Nejme/Grau180.com


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