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Lições do tempo
Nova safra de IPOs no Brasil reflete aprendizados dos anos de crise
Ilustração: Grau 180

Ilustração: Grau 180

Depois de uma entressafra que durou de 2014 a 2016, período em que apenas três ofertas iniciais de ações (IPOs) foram lançadas no mercado brasileiro —, o ano de 2017 revelou-se mais profícuo do que se imaginava. Ao todo, nove companhias foram a mercado captar recursos. Movimentaram um total de 20 bilhões de reais, dos quais 35% foram aportados em novas ações, as chamadas ofertas primárias. Trata-se do melhor ano em ofertas de ações desde 2007, quando o volume havia ultrapassado a casa dos 50 bilhões de reais. Interessante observar, na leva atual, algumas diferenças curiosas nos arranjos das operações.

Soluções de eficácia duvidosa — como as pílulas de veneno, por exemplo — passaram a ser utilizadas com mais parcimônia. Considerando os oito IPOs feitos em 2017 até novembro, apenas a geradora de energia Omega estreou com uma poison pill. O jargão em inglês denomina as cláusulas estatutárias adotadas para se evitar o ingresso de acionistas no capital da companhia por meio da compra de ações em bolsa sem uma conversa com os sócios principais. A pílula de veneno tem o mérito de tornar as aquisições a partir de certo patamar excessivamente caras e, dessa forma, forçar uma negociação direta. No estatuto da Omega ficou estipulado que aquele que pretender adquirir mais de 30% do capital da companhia deverá engolir a pílula venenosa — no caso, pagar pelas ações o maior valor resultante de um entre três parâmetros: 125% do valor econômico, o maior valor já pago pelo adquirente nos 12 meses anteriores ou 125% da cotação mais alta no mesmo período. A pílula da Omega visa impedir que um novo ator ameace a posição dominante do fundo de private equity Tarpon, que detém 40,11% do capital.

O recurso das poison pills foi amplamente utilizado durante o boom de IPOs, a partir de meados dos anos 2000. Em 2009, como mostrou a primeira edição do Anuário de Governança Corporativa das Companhias Abertas publicado pela CAPITAL ABERTO, 37,6% das empresas mais líquidas do pregão adotavam cláusula dessa natureza em seus estatutos. Na edição mais recente, o percentual caiu para 22,22%. O mercado parece ter aprendido com a experiência que uma pílula venenosa mal empregada pode ter um efeito adverso inconveniente: barrar a entrada de sócios estratégicos. Em tempo de crise, esse efeito tornou-se especialmente amargo para empresários que buscam oportunidades para salvar seus negócios. Além disso, percebeu-se que a simples presença da pílula no estatuto, a depender do caso, não seria uma boa ideia. “O mercado se deu conta de que companhias que não estão liberadas para venda valem menos”, resume Guilherme Sampaio Monteiro, sócio do Pinheiro Neto. “Estruturas engessadas podem mais prejudicar do que ajudar”, complementa Vanessa Fiusa, sócia do Mattos Filho.

Poison pills foram amplamente utilizadas durante o boom de IPOs. Até que o mercado se deu conta de que companhias indisponíveis para venda valem menos na bolsa de valores

A existência de pílulas sem uma boa explicação desvaloriza o papel, mas há casos em que elas se justificam. Uma dessas situações se configura quando a gestão de um acionista majoritário é tão basilar para o sucesso da companhia que ninguém quer correr o risco de ver seu poder diluído por um intruso. A mineira Algar, que atua na telefonia fixa e móvel em 87 municípios, além de oferecer serviços de voz e dados, planeja fazer um IPO em breve com uma pílula de veneno cunhada no estatuto. A companhia protocolou seu pedido de IPO em outubro, mas até o fechamento desta edição não havia divulgado quantas ações pretende vender na oferta inicial. A poison pill é de 20% e o preço a ser pago em uma eventual oferta pública de aquisição de ações (OPA) deverá corresponder a duas vezes o valor econômico da companhia, entre outros parâmetros bem acima dos padrões convencionais. A farmacêutica paulista Blau também pretende abrir o capital sob a proteção da engenhoca societária. O fundador e presidente da companhia, Marcelo Rodolfo Hahn, venderá parte de suas ações, mas assegurará o comando com uma poison pill disparada por qualquer acionista que alcançar 15% do capital.

Dupla chance

Mais uma tática empregada na última safra de ofertas é a de não mirar um único alvo. Diante do aquecimento das fusões e aquisições (M&A) — em 2016, as OPAs e as reestruturações societárias totalizaram 179 bilhões de reais, segundo a Anbima, 63% mais que em 2015 —, é sempre bom estar preparado para o melhor cenário, seja ele uma oferta de ações, uma fusão ou aquisição. A estratégia é apelidada pelos arquitetos das ofertas públicas de dual track — formato em que a companhia é preparada para dois desfechos possíveis: a venda para investidores estratégicos ou o IPO. A vantagem é clara. Ao mesmo tempo em que os empresários buscam janelas de mercado que tornem o preço da ação atrativo o suficiente para compensar a convivência com diversos acionistas, eles colocam um pé no campo do M&A, em que negociam com um potencial sócio único.

Em maio, a operadora de planos de saúde NotreDame Intermédica chegou a protocolar seu pedido de abertura de capital na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Enquanto um grupo de assessores trabalhava em favor do IPO, outro assessorava um possível M&A. No fim de novembro, o site Brazil Journal anunciou que a também operadora de planos de saúde Hapvida trilhava o mesmo caminho. Uma fatia de 30% do capital estaria disponível para uma oferta inicial de ações ou à espera de um sócio estratégico. Segundo a publicação, as conversas mais adiantadas seriam com o conglomerado chinês Fosun, que comprou o controle da gestora Rio Bravo, fundada pelo economista Gustavo Franco.

As vantagens do dual track não são unanimidade. Um executivo de banco de investimentos experiente em ofertas de ações relatou à reportagem seu ceticismo com a estratégia. “A companhia precisa atender muitas demandas ao mesmo tempo e, ainda assim, ser discreta. Investidores, que são apenas alocadores de capital, não se sentem estimulados a estudar uma oferta sabendo que há a chance de um outro desfecho com um investidor estratégico”, pondera. A NotreDame Intermédica desistiu do IPO e ainda não anunciou a chegada de um sócio para ficar ao lado do controlador, a gestora Bain Capital. O destino da Hapvida também não foi divulgado por enquanto.

O M&A pode ser o ponto final de um processo de dual track, mas também a consequência da superexposição obtida num IPO. Basta lembrar o simbólico caso da XP. A corretora, a maior do País, chegou a pedir o registro de sua oferta inicial de ações, mas acabou comprada pelo Itaú Unibanco por 5,7 bilhões de reais — a transação ainda está sujeita à aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). O processo de IPO dá visibilidade para a companhia e chama a atenção de investidores estratégicos mesmo quando não há assessores trabalhando diretamente para isso.

A experiência mostra, entretanto, que prospectar um M&A em paralelo a um processo de IPO pode ser uma alternativa melhor do que se apoiar em soluções excêntricas — como a formulada para a Biosev em 2013. A empresa do setor sucroalcooleiro ofereceu aos investidores a opção de revenderem os papéis, após 15 meses, pelo valor da compra na oferta acrescido de juros. A estratégia custou caro. Com a desvalorização dos papéis, a francesa Louis Dreyfus, controladora, desembolsou pelo menos 600 milhões de reais para honrar o compromisso. Ficou a lição: IPO pode ser um caminho bom, mas não a qualquer custo.


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