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Intervenção delicada
O desafio da CVM de incluir ações na lista de ofertas restritas sem prejudicar os investidores

, Intervenção delicada, Capital Aberto

A Instrução 476 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) vem encorpando o time de usuários do mercado de capitais. Criada em 2009, a regra permite que emissores sem registro de companhia aberta captem recursos por meio de ofertas públicas igualmente não registradas. Para isso, os esforços de venda devem ser restritos — isto é, a emissão direcionada a até 50 investidores, dos quais apenas 20 podem comprar. O desconto regulatório atraiu uma legião de participantes. No ano até 21 de novembro, 195 operações foram realizadas pela 476, somando R$ 30,4 bilhões — as que seguiram o rito da Instrução 400 totalizaram R$ 47,3 bilhões. Diante do sucesso, a CVM se prepara para dar um passo adiante: incluir as ações e as debêntures conversíveis no rol de títulos ofertados pela norma. Hoje, a 476 autoriza a emissão apenas de títulos de dívida, como notas promissórias, debêntures e
certificados de recebíveis imobiliários e do agronegócio. O projeto, contudo, exige um olhar meticuloso do regulador. Tanto que a minuta com a nova redação, cuja audiência pública era esperada para este ano, ficará para 2014.
A grande preocupação é como promover esse avanço sem aumentar os riscos para o mercado. A ideia é que a emissão de ações e debêntures conversíveis pela 476 não seja autorizada a todas as empresas, mas exclusivamente às pequenas e médias (PMEs). Desde o ano passado, dois grupos de trabalho têm se mobilizado para ampliar o acesso dessas companhias ao mercado de capitais: o Brasil+Competitivo e o Comitê Técnico de Ofertas Menores, do qual a CVM faz parte. Dentro do órgão, a autarquia é responsável pelos aperfeiçoamentos regulatórios necessários à execução do plano.
Um dos pontos discutidos é se a isenção do registro de emissor para a oferta de ações com esforços restritos é mesmo válida. “Precisamos analisar em que medida essa ausência vai garantir a prestação de informações suficientes”, comenta Otavio Yazbek, diretor da CVM. A dispensa pode ser vista por duas óticas. Para as PMEs, significará redução de custos. Para o investidor, representará a decisão de se tornar sócio de uma empresa que não estará obrigada a informar, por exemplo, os seus fatores de risco nem a remuneração paga aos executivos. Isso porque, ao prescindir do registro de emissor, a CVM abre mão do cumprimento da Instrução 480, que exige a apresentação do formulário de referência.
“Regular o nível de informações é a medida mais relevante na reforma da regra”, ressalta Erik Oioli, sócio do Vaz, Barreto, Shingaki & Oioli Advogados. Por isso, a CVM não descarta a possibilidade de impor às emissoras de ações via 476 um regime de prestação de contas mais rígido do que o exigido atualmente. O artigo 17 da instrução obriga o emissor a divulgar apenas as demonstrações financeiras, acompanhadas de notas explicativas e parecer dos auditores independentes, em sua página na internet. “Talvez seja necessário mais do que isso. No caso das ações, poderia ser exigida uma lâmina, como se fosse um prospecto resumido”, sugere Henrique Filizzola, sócio do Stocche Forbes Advogados.
, Intervenção delicada, Capital AbertoO descumprimento do artigo 17 consta da lista de infrações já detectadas no âmbito da 476. Em 2011, a CVM conduziu uma investigação para identificar companhias que estavam infringindo o dispositivo. Encontrou algumas, entre elas, a Zaraplast S.A., que havia emitido notas promissórias comerciais no valor de R$ 30 milhões. A empresa optou por assinar um termo de compromisso de R$ 30 mil antes que fosse instaurado um processo administrativo. Por isso, antes de permitir que emissores sujeitos a menos regras ofertem ações, um dos deveres de casa do regulador tem sido estudar o histórico de problemas ocorridos por mau uso da instrução. A CVM pondera ainda se a dispensa de registro para emissões via 476 não acabaria estimulando empresas a se acomodar nesse estágio e a desistir de alcançar a bolsa de valores — um dos principais objetivos almejados pelo Comitê Técnico de Ofertas Menores.

Divergências
A entrada das ações no rol de ativos autorizados pela Instrução 476 impõe outro desafio: fazer a regra para a oferta com esforços restritos dialogar com as normas já existentes para emissão de ações. Não por acaso, durante alguns anos a CVM defendeu que a restrição da norma a títulos de dívida devia-se não só à falta de maturidade do mercado, mas à estrutura da norma, imprópria para ativos de renda variável.
Um dos entraves é o direito de preferência, previsto no artigo 171 da Lei das S.As. O dispositivo foi criado para assegurar aos acionistas pré-existentes a chance de manter suas respectivas participações diante da oferta de novas ações. O diploma prevê situações em que esse direito pode ser excluído — uma delas ocorre quando o estatuto da companhia contém autorização para aumento de capital mediante venda de ações em bolsa de valores ou subscrição pública. Nesses casos, tornou-se usual a adoção do chamado direito de prioridade nas ofertas públicas: os donos da empresa ofertante concedem a novos sócios a primazia na compra das ações por um período determinado, em geral de até dois dias. O objetivo é pulverizar os papéis da companhia para investidores que ainda não façam parte do negócio. Passado esse período, os sócios antigos também podem comprar.
Esse modelo, contudo, não seria aplicável às ofertas de ações via 476. Na visão de Luiz Leonardo Cantidiano, sócio do escritório Motta, Fernandes Rocha e ex-presidente da CVM, a exclusão do direito de preferência não seria possível porque, embora sejam classificadas como públicas, essas ofertas não garantem o acesso de todos. “Só é possível retirar o direito de preferência em uma oferta pública plena”, interpreta Cantidiano. Nesses casos, segundo o advogado, a remoção do dispositivo dependeria de os acionistas pré-existentes declararem, publicamente, que abrem mão dele.
A regra de esforços restritos também tende a tornar a realização de ofertas subsequentes inviável. A restrição do número de investidores prospectados a 50 deixaria a empresa com a ingrata tarefa de escolher quais sócios entre os já existentes receberiam a chance de comprar novas ações. Aqueles que não fossem escolhidos seriam automaticamente diluídos.

, Intervenção delicada, Capital AbertoCongênere americana
A reforma da 476 vai aproximar a regra brasileira da 144A, da Securities and Exchange Commission (SEC). A norma americana permite que a companhia venda ações e títulos de dívida sem registrar a emissão na SEC ou sujeitar-se às disposições da lei Sarbanes-Oxley, que impõe uma série de obrigações de divulgação de informações.
A 144A, no entanto, é mais liberal que a brasileira, a começar pelo fato de que os ativos ofertados podem ser adquiridos por um número ilimitado de investidores. As regras para negociação no mercado secundário também são mais flexíveis. Enquanto no Brasil os subscritores iniciais da oferta só podem negociar os ativos passados 90 dias da emissão, nos Estados Unidos esse período de bloqueio não existe. Outra diferença é quanto ao tipo de investidores autorizados a adquirir os papéis no mercado secundário. Nas ofertas feitas pela 144A, as negociações ficam restritas aos qualified institutional buyers (QIBs) — gestores com no mínimo US$ 100 milhões em investimentos e corretoras de valores mobiliários — por seis meses, no caso de companhias sujeitas ao Securities Act de 1934 (equivalente à Lei das S.As.), ou um ano, para as demais empresas. Transcorrido esse prazo, qualquer investidor pode adquirir os títulos.
Na 476, apenas investidores qualificados são autorizados a negociar os ativos em qualquer tempo, o que dificulta a criação de um mercado secundário.
A experiência dos Estados Unidos tende a ser um balizador das definições a serem tomadas pela CVM durante a audiência pública. Lá ficou claro que alguma dose de liberalidade pode ser benéfica para ampliar o número de participantes do mercado de capitais.

Ilustrações: Beto Nejme/Grau 180.com


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