Extinção de class action abre precedente perigoso
Aurélio Valporto*

Aurélio Valporto*

Não se constrói uma economia pujante sem um vigoroso mercado de capitais, que é a forma mais eficiente de fomento da atividade produtiva. É por meio dele que alocadores da poupança nacional — os investidores em ações — decidem, diretamente, para quais empresas e setores os recursos devem ser direcionados. Esses investidores se tornam, então, sócios das atividades (e não credores), participando dos resultados das companhias e correndo o risco econômico dos negócios.

A poupança nacional efetiva, aquela que de fato se transforma em investimento, é composta de máquinas, equipamentos, alimentos, serviços de encanador etc — ou seja, bens e serviços que não estão sendo consumidos pela sociedade e que serão transformados em investimento pelas empresas. O que os investidores em ações detêm é a poupança financeira, que será transformada em investimento efetivo a partir do momento em que destinarem os recursos para alguma empresa — que, por sua vez, transforma esses recursos meramente financeiros em inversões, utilizando a poupança nacional real, os bens e serviços não consumidos pela sociedade. Se bem-sucedidos, esses investimentos vão resultar em maior capacidade de produção da empresa e, consequentemente, da sociedade, que assim cresce economicamente, aumenta a renda e gera empregos.

Destarte, é de suma importância para a economia de uma sociedade que haja total transparência nos empreendimentos que se apresentam ao mercado de capitais para obtenção de recursos. É com base nas informações prestadas que os investidores vão decidir onde alocar a poupança nacional. Se por algum motivo eles errarem nos cálculos de risco e rentabilidade e, por isso, escolherem empreendimentos malogrados, não ficarão sozinhos no prejuízo: perde também a economia nacional — uma vez que, se os recursos tivessem sido corretamente investidos, produziriam mais renda e empregos e, com isso, maior conforto material para a sociedade.

Erros que levam a desvios de poupança são normalmente causados por fraudes, que têm como finalidade a malversação da poupança captada que, como vimos, antes de ser dos investidores, é da sociedade. Portanto, se para que uma economia cresça é fundamental a existência de um mercado de capitais vigoroso, a fidedignidade das informações prestadas aos investidores em ações é fator imprescindível. Daí ser essencial a erradicação do mercado daqueles que praticam crimes contra os investidores.

Por todos esses motivos, é necessário dar segurança jurídica aos investidores. Em qualquer país organizado, eles arcam com o risco econômico do investimento, não com o risco jurídico — em outras palavras, o risco do investidor é o do empreendimento, não o de ser lesado. Nos Estados Unidos existem as “class actions” para a defesa dos investidores. Trata-se de um instrumento imprescindível — e lá se tem a consciência de que muito mais do que defender investidores, as ações estão defendendo a sociedade como um todo. Por aqui, estamos caminhando na direção do atraso econômico. A recente sentença, em primeira instância, deferida pelo juiz titular da 7a vara empresarial do Rio de Janeiro é um exemplo do quão retrógrado é o entendimento do nosso Judiciário.

O juiz titular extinguiu a ação civil pública (que seria a nossa “class action”) movida pela Associação dos Investidores Minoritários do Brasil contra Eike Batista sem julgamento do mérito por entender que “não houve relevante repercussão social dos atos imputados ao réu”. Sozinha, essa parte da sentença já demonstra a necessidade da especialização das varas — afinal, o magistrado desconhece os enormes impactos econômicos sobre toda a sociedade dos “atos imputados ao réu”. Além disso o juiz alega que “a dimensão e tais fatos não autorizam o ajuizamento de ação civil pública já que restrito à seara de acionistas, que conhecem os riscos do mercado de ações”. Nesse ponto, o magistrado confunde risco de mercado com risco jurídico. Os investidores não assumem o risco de serem vítimas de fraude, mas apenas o risco econômico do empreendimento. Por fim, a sentença afirma que os danos não foram homogêneos, uma vez que cada investidor comprou e vendeu, e se vendeu, em datas diferentes, citando como base para tal avaliação a doutrina da jurista Ada Pellegrini. Ocorre que a própria jurista já declarou que o juiz não soube interpretar a doutrina, que prega justamente o contrário.

Essa decisão é um retrocesso e, se mantida, abre um precedente que simplesmente acaba com a possibilidade da ação civil pública em litígios como esse, gerando ainda mais insegurança para um mercado que já está em coma.


*Aurélio Valporto ([email protected]) é economista e vice-presidente da Associação dos Investidores Minoritários do Brasil


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