Os procedimentos de verificação sempre foram trabalhosos e demorados, mas recentes mudanças de legislação e a pacificação do entendimento pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) os simplificam. O principal risco é a caracterização da chamada fraude à execução. Ela pode ser reconhecida, entre outros requisitos, pela existência de processo em curso (em qualquer parte do Brasil) contra o proprietário do imóvel na época da celebração do negócio e pela situação em que a venda ou oneração o deixou insolvente perante os credores. Configurada a fraude, o negócio jurídico (aquisição ou oneração) pode ser considerado ineficaz em relação aos credores do proprietário. A aquisição de um imóvel por um fundo de investimento imobiliário (FII) ou um fundo de investimento em participações (FIP), por exemplo, pode não ser concluída se a fraude à execução for caracterizada — assim, os cotistas serão diretamente afetados. O mesmo vale para operações de dívida que sejam garantidas por imóveis, como as de CCBs, debêntures, securitização de recebíveis, entre outras.
Para mitigar esse risco e verificar a segurança jurídica do negócio é feita a due diligence das aquisições ou onerações de imóveis, com exaustiva pesquisa dos proprietários e de seus antecessores. O trabalho tende a tornar a operação mais custosa e demorada. Além disso, há a insegurança gerada pelo fato de, no Brasil, cada tribunal adotar regras diferentes para a liberação das certidões de distribuição (não há uma central unificada oficial para pesquisa). Imaginemos o tamanho do trabalho de auditoria jurídica quando grandes empresas estão envolvidas. Recentes alterações legislativas (lei 13.097/2015) e pacificação de jurisprudência (pelo STJ) simplificaram as auditorias: excetuados os casos de débitos fiscais e as hipóteses de fraude previstas taxativamente na lei de falência, agora basta a análise da certidão de matrícula do imóvel para se verificar eventual risco.
No STJ, decidiu-se (REsp n. 956.943) que se não há registro de penhora a boa-fé do terceiro é presumida. Apenas situações extremamente peculiares são exceção (como aquisição por preço vil ou por pessoas próximas ao devedor que pudessem ter conhecimento da dívida, por exemplo). O processo foi julgado pela sistemática de recursos repetitivos e, portanto, deve ser seguido por outros juízes e tribunais. No caso da nova lei: segundo o seu artigo 54, “não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no Registro de Imóveis, inclusive para fins de evicção, ao terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel”. Ou seja, o que não está na matrícula não é considerado risco ao negócio.
Engana-se o credor que pensa ter ficado desamparado com a edição da lei e a consolidação do entendimento pelo STJ: mediante decisão judicial, ainda pode ser averbada na matrícula do imóvel a existência de processo distribuído; com isso, uma possível execução estará protegida e qualquer ato que torne o proprietário insolvente poderá ser declarado como fraude à execução.
Há detalhes, tanto na nova lei quanto no posicionamento do STJ, que estabelecem exceções às regras. Mas elas não representam trava à desburocratização da due diligence de que tratamos, já que o grande problema estava na necessidade de obtenção de milhares de certidões de distribuidores e na análise de todos os processos que nelas pudessem constar.
Não será do dia para a noite que as auditorias jurídicas serão totalmente modificadas. É inegável, no entanto, que as recentes alterações (na verdade ratificações do que já vinha sendo decidido nos tribunais) irão desburocratizar e tornar mais céleres os procedimentos — e, igualmente importante, dar mais segurança aos negócios.
Colaborou Theotônio Negrão Neto ([email protected]), associado ao mesmo escritório
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