Debêntures: Esperando Godot — Ato 2
, Debêntures: Esperando Godot — Ato 2, Capital Aberto

Carlos Rebello*/ Ilustração: Julia Padula

Eis que estamos aí de novo! Já que não conseguimos ficar calados, poderíamos começar tudo mais uma vez. Vejamos…

Se o mercado de títulos públicos apresenta liquidez, por que não formatar debêntures com cláusulas idênticas às dos títulos públicos mais líquidos? Com a simplificação, o apreçamento dessas debêntures seria igual ao valor de mercado do título público, cujas características teriam sido incluídas na escritura, com um desconto relativo ao risco da companhia. Fácil assim!

Ademais, se a negociação das debêntures no mercado secundário fosse realizada separando-se o principal da dívida do cupom de juros, como no mercado americano, não haveria a bitributação a afugentar os negócios no secundário em datas próximas ao pagamento de juros. A bitributação ocorre porque o vendedor incorre em IR sobre ganho de capital na venda do principal mais os juros a receber no futuro embutido no preço e o comprador arca com IR sobre o rendimento quando do pagamento dos juros.

Adotada a separação, em nosso exemplo, o vendedor alienaria a debênture pelo valor do principal da dívida — para facilitar o raciocínio, sem ganho de capital — e receberia os juros do cupom não vendido (digamos, dali a cinco dias) e incorreria em IR. Não parece simples?

As debêntures conversíveis, por sua vez, quando emitidas por companhias com ações admitidas a negociação em bolsa, deveriam ter na cláusula de conversão um prazo de entrega das ações compatível com o prazo de entrega de ações em negociação no mercado. Dessa forma, as conversões seriam bastante facilitadas, pois os investidores poderiam vender ações em bolsa quando o preço delas superasse o valor da conversão e, logo em seguida, solicitar a conversão.

Viabilizada a conversão tempestiva mencionada, ganhariam os detentores das debêntures conversíveis, ao eliminar o risco de volatilidade do mercado de ações, assim como a companhia emissora, que teria sua dívida com terceiros reduzida. Finalmente, seriam beneficiados os acionistas da companhia e demais investidores do mercado, com o aumento das ações em circulação e, provavelmente, da liquidez dos papéis em bolsa. Que tal essa, meus amigos do BNDES e da Bolsa?

No campo da regulação, poderiam ser adotadas algumas medidas simplificadoras para dar maior dinamismo a esse mercado, a saber:

• Extensão do regime de programa de distribuição contínua, hoje disponível apenas para instituições financeiras, às debêntures de companhias abertas. Estas últimas são reguladas e fiscalizadas pela CVM — portanto, cumpridoras de suas obrigações de ampla divulgação de informações, merecedoras de uma ferramenta de registro automático de ofertas na CVM. Santo de casa faz milagres!

• As regras de distribuição parcial da Instrução 400, à exceção do disclosure da destinação dos recursos captados, não deveriam ser aplicáveis às debêntures, a exemplo da isenção de cumprimento concedida às LCIs [letras de crédito imobiliário] dos bancos. Essas regras foram criadas com o propósito de proteger a integridade do capital das companhias e, dessa forma, não obrigá-las a abrir a desistência e a realizar um novo ato societário para a rerratificação do aumento de capital em tamanho menor.

• Para facilitar o processo de captação, seria importante disciplinar a reabertura de séries, com previsão na escritura (do tipo capital autorizado), ou a necessidade de autorização de assembleia de debenturistas, caso não haja tal previsão. Ademais, em linha com o dinamismo do mercado, as ofertas decorrentes de reaberturas de séries deveriam ser igualmente objeto de registro automático.

• Para permitir a entrada de recursos mais rapidamente na companhia, o regulador poderia legitimar, mediante a edição de um parecer de orientação, a utilização do prazo regulamentar de seis meses das ofertas —para que intermediários, que adquiram títulos em garantia firme antes do final do prazo, continuem seus esforços de venda junto a investidores pelo prazo restante.

• A negociação das debêntures pela própria companhia emissora, como dito, ainda carece de regulamentação, apesar dos cinco anos da permissão legal. Portanto, já está na hora de a CVM priorizar a iniciativa, já bem regulada nos EUA, no Reino Unido e na Europa continental.

Afinal, a própria companhia, o formador de mercado e o investidor estrangeiro, diante de procedimentos padronizados e ágeis, serão os elementos capazes de viabilizar o mercado de dívidas no País. Não obstante, esse futuro promissor parece nunca chegar.

Desesperançados, custamos a acreditar que teremos um pujante mercado de debêntures no Brasil num futuro próximo, mas não conseguimos desapegar do tema.

E tudo termina como começou.

FIM


*Carlos Rebello ([email protected]) foi diretor de regulação de emissores da BM&FBovespa até junho de 2015 e superintendente da CVM entre 1978 e 2009.


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