Ações preferenciais e ordinárias no mercado brasileiro: a abertura do gap de preços
20/5/2015

Nos últimos tempos, quando os analistas escreveram sobre a falta de governança da Petrobras, lemos diversos comentários sobre corrupção e/ou ausência de cuidado na gestão dos investimentos da empresa. Traduzindo em números, todos já falaram sobre os grandiosos R$ 45 bilhões de baixas de impairment (fruto da queda expressiva do preço do petróleo e muita incompetência na alocação de investimentos) e dos R$ 6 bilhões de reconhecimento de “pagamentos indevidos” (corrupção). Enfim, nada do que se orgulhar, mas praticamente tudo já foi comentado sobre esses assuntos.

No entanto, faltou comentar um tema de governança com a ênfase merecida, que foi o não pagamento de dividendos às ações preferenciais.

Escrevo sobre esse assunto sem nenhuma pretensão de discutir a questão no âmbito legal, que eu deixo para os competentes advogados de plantão. Mas, como gestores, temos o total direito (e o dever) de analisar o impacto nas ações (nesse caso, nas diferentes classes) das decisões de qualquer empresa.

Há anos que se vem tentando “desconstruir”, em um processo de longo prazo até louvável, a figura das ações preferenciais, que tiveram o seu papel no começo do crescimento do mercado de capitais no Brasil, propiciando uma combinação altamente conveniente para os empresários: farta captação de recursos, sem a respectiva divisão de poder. Nas empresas em que se mantém a estrutura original de capital composta de 2/3 de ações preferenciais e 1/3 de ordinárias, o acionista majoritário consegue deter o poder total na companhia com apenas 16,6% da base acionária. Situação nada saudável quando pensamos em um processo mais democrático na gestão das empresas.

Esse modelo se esgotou com a mudança do ambiente em termos de exigências crescentes dos minoritários. A reforma da Lei das S.As. e a introdução dos selos de governança corporativa representaram uma grande evolução no debate.

No entanto, restou parte importante do mercado de ações de antigas empresas, sobretudo as estatais, com parcela relevante em preferenciais em seu free float. Desde que eu me entendo por gente no mercado financeiro, a única vantagem palpável do detentor de ações preferenciais consiste exatamente na “preferência” pelo dividendo. Mesmo assim, ao longo dos anos, as companhias abertas, em geral, adotam a política de sempre buscar pagar um valor igual de dividendos para ambas as classes de ações. A vantagem da ação preferencial reside, quando faltam recursos, na garantia de um valor mínimo “teoricamente garantido”. Em troca dessa vantagem, o preferencialista abre mão do seu direito a voto. Esse é o conceito básico ensinado aos investidores de geração em geração, há décadas, desde os tempos da saudosa Bolsa do Rio de Janeiro, na Praça XV.

Todo esse conceito era “tácito e teoricamente escrito nos estatutos”, até a surpresa do dia 22 de abril de 2015, quando a Petrobrás declarou dividendo zero para todos os acionistas. Para os ordinaristas, nada a comentar, faz parte do jogo. A companhia reportou prejuízo de R$ 22 bilhões e não faria o menor sentido econômico uma potencial alavancagem (já em patamar elevado) para o pagamento de dividendos.

Mas e quanto aos preferencialistas? Mesmo com o prejuízo de 2014, a reserva de lucros, uma fonte potencial explicitamente citada na Lei das S.As. para pagamento de dividendos, abrigava o relevante valor de R$ 150 bilhões antes da divulgação dos resultados do terceiro e quarto trimestres. Após a contabilização do forte prejuízo, o número ainda ficou em R$ 104 bilhões. Em outras palavras, a empresa teria, com tranquilidade, de onde tirar os recursos de fontes indicadas pela Lei das S.As. para pagar dividendos aos preferencialistas; e deveria tê-lo feito por possuir reserva de lucros altamente superavitária.

Enfim, se Economia está longe de ser uma ciência exata, o que falar do Direito? Certamente existirão diversos argumentos jurídicos que a Petrobras deve ter se baseado para tomar tal decisão. Da mesma forma que os minoritários preferencialistas, caso se sintam lesados, irão buscar os seus direitos nos fóruns devidos.

Mas há um fato inegável. Mesmo sem essa intenção, a decisão da Petrobrás de não pagar dividendos aos seus preferencialistas na situação descrita abalou o resto de credibilidade que as ações preferenciais ainda carregavam. Após toda essa situação, pergunta-se:

Qual razão levaria um investidor racional, depois da abertura desse precedente, a optar pela compra de uma ação preferencial em vez de uma ordinária? Por que comprar um ativo que não dá direito a voto e que teve todos os conceitos de “preferência”, “dividendo mínimo obrigatório” e outras expressões historicamente transmitidas colocadas em dúvida?

Cabe ressaltar que a teoria de valuation tradicional não entra no mérito da diferenciação do valor de diferentes classes de ações. Quando um fluxo de caixa descontado calcula, por exemplo, o valor justo da companhia em R$ 100 milhões e a base acionária é de 10 milhões de ações (entre ordinárias e preferenciais), o cálculo do valor justo por ação chega a R$ 10 (R$ 100 milhões /10 milhões). A teoria não entra no mérito de como a composição desses R$ 100 milhões se dá entre ações ordinárias e preferenciais. O mercado repete insistentemente mantras como “valor de controle” e “diferencial de liquidez” que justificariam “prêmios ou descontos” de 10%, 20% ou 30%, patamares difíceis de justificar a partir de qualquer teoria, restando o puro empirismo.

O importante, porém, para a nossa análise como gestores de recursos, é o movimento observado no mercado após o anúncio da decisão da Petrobras. O mercado entendeu a mensagem. A seguir, apresentamos os três gráficos de ratios (cotação da ação PN/ cotação da ação ON) entre preferenciais e ordinárias de Eletrobras, Petrobras e Vale.

Figura 1 – Gráfico normalizado do ratio de cotações (PN/ON) de Eletrobrás, Vale e Petrobras

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Fonte: Bloomberg, elaborado na Canepa Asset

> Eletrobrás – O ratio (PN/ON) saiu de uma média de 2014 em 1,50 para os atuais 1,30 (17/05/2015), após ter batido 1,15 no começo do mês.

> Vale – O ratio (PN/ON) saiu de uma média de 2014 em 0,88 para os atuais 0,83 (17/05/2015), após ter batido 0,75 no começo do mês.

> Petrobras – O ratio (PN/ON) saiu de uma média de 2014 em 1,05 para os atuais 0,93 (17/05/2015), após ter batido 0,91 no começo do mês.

Nota-se que, a partir de março de 2015, quando começam as especulações sobre a possibilidade de não pagamento de dividendos aos preferencialistas da Petrobras, o movimento se acelera.

A retenção de R$ 4 bilhões de caixa na Petrobras (valor a ser potencialmente pago de dividendos) à custa dessa polêmica em torno da quebra do compromisso (talvez não de direito, mas de fato) com o preferencialista pode dificultar muito as captações futuras a partir do uso de ações preferenciais. A nova realidade poderá obrigar a empresa a dispor da emissão de ações ordinárias para futuras ofertas, o que limita muito o potencial de captação, dado que o governo não deseja se diluir.


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