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Cálculo de risco
Por que os cada vez mais milionários termos de compromisso se tornaram uma saída conveniente para a CVM e para os acusados

, Cálculo de risco, Capital Aberto

Em menos de dois meses, o mercado de capitais brasileiro se deparou com dois marcos históricos: pela primeira vez, executivos foram condenados à prisão por negociarem ações munidos de informação privilegiada (“insider trading”) e um termo de compromisso celebrado com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) alcançou R$ 150 milhões. Uma conclusão que se tira desses episódios é que as sanções para quem anda fora da linha estão cada vez mais severas. Mas uma análise menos apressada de ambos os casos pode revelar muito sobre os critérios e os objetivos dos investidores ao proporem acordos — e os da CVM ao aceitá-los.

Para os investidores e para a autarquia, o termo apresenta uma série de conveniências: é mais rápido, potencialmente mais barato, e, embora não exija a confissão de culpa da parte do acusado, na maioria das vezes envolve um pagamento que serve de exemplo ao mercado. Em certos casos, entretanto, ele custa caro, muito mais do que custaria a multa (no caso de condenação, ela não ultrapassa o triplo do valor supostamente obtido com a atividade irregular). E ainda há circunstâncias nas quais a CVM nega a proposta de acordo e decide levar o caso até o fim, mesmo que o acusado se proponha a pagar uma soma elevada para encerrar o processo. Não é apenas o dinheiro que conta na hora de celebrar o acordo: as partes fazem uma complexa avaliação de riscos e da mensagem que o mercado vai receber.

, Cálculo de risco, Capital AbertoRISCOS NA PONTA DO LÁPIS — Quais são as chances de ser inocentado no processo administrativo sancionador (PAS) que a CVM move contra você? Essa é uma questão crucial para o investidor e seu advogado. Diante de uma possibilidade alta de provar a inocência, talvez valha a pena apostar todas as fichas na defesa e deixar o termo de lado, mas, quando as chances de condenação são grandes, lançar mão dessa ferramenta pode poupar uma série de problemas no futuro. “É um cálculo de risco”, compara Daniel Tardelli Pessoa, sócio do escritório Levy & Salomão advogados. “A minha função é informar meu cliente sobre as chances que ele tem de ganhar o processo e recomendar ou não o termo. Cabe a ele tomar a decisão.”

Mas as nuances de um processo não param por aí. Acusados que têm convicção de sua inocência podem escolher assinar o termo e “pagar para não se incomodar”. Manter a reputação e resolver o problema mais rápido pode compensar o custo elevado do acordo, pois a pendência administrativa afasta oportunidades de bons negócios. “Algumas pessoas não querem correr o risco da condenação e preferem terminar logo o assunto para não prejudicar o currículo. Ser punido pela CVM pode trazer danos para a carreira tanto de um administrador como de um diretor ou conselheiro”, conta Eliana Chimenti, sócia do escritório Machado Meyer. Provavelmente, esse deve ter sido o raciocínio da francesa Vivendi ao propor o pagamento de R$ 150 milhões à CVM e terminar o processo no qual era acusada de falta de transparência e desrespeito a regras de ofertas públicas de aquisição na compra repentina da empresa de telecomunicações GVT, em 2009.

Outro ponto que os advogados evidenciam é o risco da condenação judicial. Marcelo Cosac, do escritório Felsberg & Associados, ressalta que mesmo havendo independência total entre a Justiça e a esfera administrativa (no caso, a CVM), uma pode influenciar a outra. “A existência de uma sentença que conclui pela culpa do acusado na esfera administrativa pode dificultar a absolvição em um eventual processo judicial. O juiz muitas vezes não tem conhecimento técnico sobre o mercado de capitais e tende a se embasar na decisão da CVM, um órgão que conhece profundamente o assunto.” Independentemente do resultado do processo administrativo, o regulador do mercado pode, inclusive, ser chamado a atuar como “amicus curiae” (amigo da corte, em latim). Dentro desse conceito, a CVM ajuda o Judiciário fornecendo informações técnicas ao longo do processo penal.

Para os críticos do fechamento de acordos em detrimento da punição, a não confissão de culpa, um pressuposto dos termos de compromisso, é mais um obstáculo para as sentenças judiciais, pois os juízes não teriam o apoio de uma decisão técnica em que ficou provado o ato ilícito. Além disso, não serviria de exemplo na hora de disciplinar o mercado e desestimular condutas ilegais. Alexandre Pinheiro dos Santos, procurador-chefe da Procuradoria Federal Especializada da CVM, defende os acordos, dizendo que os termos não amarram a ação da Justiça. Para ele, um bom exemplo é a recente condenação, na esfera criminal, de um ex-executivo do ABN Amro Bank e de dois ex-administradores da Sadia, acusados de negociar ações da Perdigão em 2006 sabendo que a empresa logo receberia uma oferta pública de aquisição da concorrente.

 

“O termo acaba sendo uma economia de tempo e dinheiro para a própria CVM”

Alexandre Ponzio de Azevedo, ex-superintendente executivo de empréstimos estruturados do ABN Amro, assessor da oferta, assinou um termo de compromisso de R$ 238 mil com a CVM para encerrar a investigação, mas isso não impediu que ele fosse condenado pelo Poder Judiciário a prestar serviços a uma instituição filantrópica durante seis meses. “Sua postura colaborativa foi levada em consideração na aplicação da pena”, explica Santos.

Para Luiz Gonzaga Murat Júnior, ex-diretor de finanças e relações com investidores (RI) da Sadia, e Roberto Ancelmo Fontana Filho, ex-membro do conselho de administração da companhia, a história foi diferente. Eles foram alvo do Ministério Público Federal e da CVM na Justiça, que determinou, respectivamente, 21 meses e 17 meses de prisão para cada um, conversíveis em prestação de serviços comunitários. Além disso, Murat Júnior terá de pagar cerca de R$ 350 mil e Fontana Filho, R$ 375 mil em multas que serão revertidas à autarquia. Cabe lembrar que os três insiders do caso Sadia-Perdigão haviam firmado acordo pelo mesmo crime, em 2007, com a Securities and Exchange Commission (SEC), órgão regulador dos Estados Unidos, onde as ações foram compradas. A atuação da SEC, porém, não interfere no julgamento brasileiro.

PARA DOER NO BOLSO — Em 2010, a CVM avaliou 117 propostas de termos de compromisso e aceitou 57, que renderam mais de R$ 169 milhões aos seus cofres. O número de termos celebrados não foi recorde — em 2008, registraram-se 59 termos e, em 2009, 71 —, contudo a comissão nunca arrecadou tanto como no ano passado.

O histórico dos últimos anos mostra que os profissionais indiciados pela CVM estão apostando nos acordos e que a instituição exige valores cada vez mais altos para encerrar o assunto. Embora grande parte dos pagamentos se situe na faixa de R$ 100 mil a R$ 200 mil para cada envolvido, e normalmente se cobre o dobro do suposto lucro, não existe uma tabela de preços fixos. Dois extremos de 2010 confirmam isso: o termo de menor valor custou R$ 2,1 mil; o mais caro, e principal responsável por inflar a arrecadação de 2010, R$ 150 milhões, desembolsados pela Vivendi. A quantia mais elevada paga por uma pessoa física foi de R$ 2,5 milhões, em um caso de conflito de interesses envolvendo a Invest Tur.

Para o professor do departamento de direito comercial da Universidade de São Paulo, Paulo Salles de Toledo, a variação e a eventual cobrança de valores elevados têm seu lado positivo. Se houvesse um valor previsível para o termo, o estímulo ao mercado seria negativo. “O investidor poderia optar por uma conduta imprópria pensando que, se ele perder, o máximo que a CVM vai cobrar é um valor ‘xis’ e que vale a pena correr o risco”, analisa.

EXEMPLAR? — O pagamento é uma compensação para condutas prejudiciais aos mercados financeiro e de capitais — insider trading, divulgação de informações falsas ou fora do prazo e conflito de interesses, dentre outras —, mas não pode ser encarado como “penalidade”. A possibilidade de propor um termo de compromisso existe a qualquer momento do processo, mas o mais comum é apresentá-lo junto com a defesa. “A maioria dos clientes prefere assim, porque, se achar que o valor exigido pela CVM no termo é muito alto, prossegue-se com a defesa”, diz Eliana (veja quadro ao lado).

Os advogados ouvidos pela reportagem afirmaram de forma quase unânime que os termos são uma boa alternativa para o acusado. Resta saber se eles cumprem o objetivo de disciplinar o mercado, pois não há a chamada “punição exemplar”, como no caso da multa. “Apurar, investigar e punir sempre é o melhor dos mundos, mas isso tem muitos problemas. Consome recursos financeiros e humanos que são escassos na instituição”, pondera Viviane Müller Prado, professora da Direito GV, faculdade de direito da Fundação Getulio Vargas. “O termo acaba sendo uma economia de tempo e dinheiro para a própria CVM e serve de exemplo, sim: mesmo que não seja uma multa, o acusado é obrigado a pagar valores consideráveis, e todo mundo tem acesso às condições do acordo”, completa. “O termo é mais uma ferramenta do enforcement, assim como a multa”, acrescenta Alexandre dos Santos.

Um advogado que não quis se identificar questionou a aplicação de valores elevados: “Quando a CVM cobra R$ 30 mil, por exemplo, pode doer no bolso do sujeito, mas ele tem como pagar. Se começa a subir para R$ 100 mil, não compensa. A companhia, de uma forma velada, acaba arcando com esse valor.” Embora não haja problemas na utilização de seguros D&O para cobrir o gasto, é vedada a utilização de recursos da empresa para isso. Se ela optar por ressarcir o funcionário, está cometendo ato ilícito. “Temos nossos mecanismos para checar esse tipo de atitude e podemos instaurar um PAS se descobrirmos algo nesse sentido”, afirma Santos.

O que ficou claro no caso da Vivendi, por exemplo, é que empresas e empresários estão dispostos a suportar um gasto elevado para não carregarem o peso de uma condenação capaz de implodir carreiras, como aconteceu com os ex-administradores da Sadia. Aparentemente, os termos de compromisso têm sido uma aposta vantajosa para os acusados e a CVM. Com eles, a autarquia acelera o desfecho de certos assuntos para, então, poder se voltar a outros, considerados mais significativos; e os acusados eliminam pendências sem, necessariamente, assumirem a culpa.


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