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Braços do conselho
Companhias se inspiram no exemplo das corporações americanas e inglesas e multiplicam os comitês para azeitar a gestão

ed45_p024-028_pag_4_img_001Toda vez que vai adquirir um terreno, a Gafisa submete a proposta de compra à apreciação de um grupo de trabalho, que pode pedir informações adicionais sobre o contrato ou até rejeitá-lo. Nenhum negócio é concluído sem a chancela desse pessoal. O grupo em questão é o comitê de investimentos, um dos cinco do conselho de administração da construtora — os outros são de auditoria, remuneração, governança corporativa e finanças.

Assim como a Gafisa, cada vez mais companhias abertas brasileiras, atentas às melhores práticas adotadas nos Estados Unidos e na Europa, aderem à estrutura de comitês de conselhos. O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) fez um levantamento, no ano passado, sobre o funcionamento de comitês nas empresas nacionais. Numa amostra de 343 empresas listadas na Bovespa em 2005, 66 (19,2%) apresentavam algum tipo de comitê. Em 2004, o percentual era de 13,8%.

O modelo de comitês ligados aos conselhos de administração nasceu no Reino Unido e foi trazido ao País há cerca de dez anos, segundo Alexandre Di Miceli da Silveira, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e pesquisador sênior do IBGC. “Mas encontramos comitês funcionando mesmo só de 2000 para cá”, diz ele.

Apesar de a expansão ser inegável, Silveira pondera que essa cultura precisa se difundir ainda mais, principalmente se considerarmos a realidade das empresas abertas norte-americanas e inglesas. Três tipos de comitês se tornaram obrigatórios nas companhias listadas na Bolsa de Valores de Nova York (Nyse) em 2003: auditoria, remuneração e nomeação/governança corporativa. Desde 2001, os dois primeiros fazem parte de todas as corporações do índice S&P 500 (cujas ações, em sua maioria, estão listadas na Nyse e na Nasdaq), conforme aponta relatório de 2006 sobre governança da consultoria norte-americana Spencer Stuart. No ano passado, 99% das companhias já abrigavam também um comitê de nomeação/governança.

Na Europa, os comitês se propagaram substancialmente. Segundo a consultoria norte-americana Heidrick & Struggles, atualmente há três comitês por companhia européia, ante a relação de 1,6 verificada em 1999. Oito anos atrás, 25% das empresas do continente não mantinham um comitê sequer, enquanto em 2006 esse órgão faltava somente em uma companhia, entre 294 nomes. Essa adesão maciça indica um crescente profissionalismo nos conselhos de administração europeus, sugere o estudo da Heidrick. É o mesmo fenômeno que Marcelo Mariaca, sócio-diretor da consultoria brasileira Mariaca, vê em curso no País. “Antigamente, a característica mais importante procurada no conselheiro era ser uma pessoa confiável. Agora as empresas passaram a valorizar membros que tenham alguma experiência específica em finanças ou em seu ramo de atividade.”

ESPECIALIZAÇÃO NO NEGÓCIO — É por isso que uma equipe com foco no estudo de incorporações faz todo o sentido numa construtora como a Gafisa, uma das maiores do País. O comitê de investimentos existia desde 2004, porém sob a denominação “comitê de incorporação e novos negócios”. Dois anos depois, passou por uma reestruturação, recebendo o novo nome. Suas principais funções são investigar oportunidades de negócio, recomendar ao conselho novas transações e acompanhar seu desenvolvimento. As contribuições ocorreram em vários níveis: diferentes modelos de financiamento e projetos concorrentes com melhor retorno vieram à tona. Antes, as aquisições eram aprovadas no plano anual de investimentos e o papel da análise cabia aos gestores. Com a formação do comitê, criou-se, enfim, um fórum capaz de lançar uma visão mais objetiva sobre os projetos. “Como os integrantes do comitê não lidam com esses assuntos no dia-a-dia, enriquecem o processo de avaliação”, diz o diretor financeiro e de Relações com Investidores (RI), Alceu Duilio Calciolari.

Por conta da natureza de suas atribuições, o comitê de investimentos da Gafisa pode vetar projetos. Mas esse tipo de autonomia é atípico nos comitês de conselhos à brasileira. Nos casos norte-americano e britânico, os grupos têm mais espaço para a tomada de decisões, afirma Alexandre Di Miceli da Silveira. Para o pesquisador, no entanto, a prerrogativa não se faz necessária. “O papel dos comitês é estudar a fundo questões relevantes e apresentá-las de maneira estruturada ao conselho, de forma que o órgão possa tomar a melhor decisão para todos os acionistas”, resume.

Para a professora Elismar da Silva Campos, do núcleo de governança corporativa da Fundação Cabral, à medida que os conselhos de administração adquirem consistência e abordam assuntos complexos e estratégias mais ambiciosas — como expansão e internacionalização —, eles precisam de um “braço” para aprimorar os processos decisórios. É aí que entram os comitês. A preocupação com o desenvolvimento sustentável, por exemplo, está se tornando tema comum nesses grupos. “Não vejo como a empresa possa ter hoje boa governança se não estiver alinhada com as práticas de sustentabilidade”, diz Elismar.

Na Gafisa, o comitê de investimentos criou um fórum capaz de lançar uma visão mais objetiva sobre os projetos

A Energias do Brasil mantém quatro comitês — um deles dedicado exclusivamente à sustentabilidade e à governança corporativa. O grupo é liderado por um conselheiro independente, o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, e conta com um nome indicado pelos minoritários e outro pela controladora Energias de Portugal (EDP). A busca de comitês com maior isenção é uma meta na empresa. No comitê de auditoria, presidido por um conselheiro independente, Francisco Gros, o acionista minoritário detém uma cadeira, o mesmo número reservado ao majoritário. Mas a regra não vale para o comitê de supervisão, composto pelo presidente- executivo da EDP, António Mexia, pelo CEO, António Martins da Costa, e pelo CFO e diretor de RI, Antonio José Sellare. “A filosofia desse comitê é envolver executivos que podem avaliar sob a ótica do conselho matérias do dia-a-dia”, explica Sellare. Na pauta, entram tópicos como a definição do preço de participação num leilão de energia, por exemplo.

TEMA CONTROVERSO — Vencedora do Prêmio IBGC de Governança Corporativa 2006, na categoria companhia aberta, a Energias do Brasil cumpre um dos pressupostos defendidos pelo pesquisador Alexandre Di Miceli da Silveira. Segundo ele, comitês devem ser formados unicamente por conselheiros. “É importante que os comitês sejam mesmo do conselho. Um consultor não tem comprometimento de longo prazo com a empresa”, argumenta.

A companhia só contraria Silveira quando coloca executivos nesses grupos, caso do comitê de supervisão. Para o especialista, essa característica é nociva, pois os gestores são objeto de avaliação dos conselheiros. Mas há quem discorde desse conceito. O coordenador do comitê de capacitação do IBGC, Leonardo Viegas, afirma que a composição das equipes de apoio dos conselhos pode ser mista. Consultores externos e executivos não-conselheiros, inclusive, podem até ser imprescindíveis em sua avaliação, desde que isso não signifique conflitos de interesse.

À medida que os conselhos ganham consistência e abordam assuntos complexos, precisam de aliados para aprimorar os processos decisórios

Seria difícil aceitar, por exemplo, o diretor de finanças à frente do comitê de remuneração ou o diretor de controladoria presidindo o de auditoria. Já um consultor externo poderia contribuir com valiosas sugestões num comitê de auditoria ou estratégico, segundo Viegas. Ou ainda, no caso de uma empresa que esteja se sentindo parada no tempo, provavelmente um comitê de inovação misto seria mais eficaz, uma vez que opiniões diversas ampliariam o debate, diz ele. Para quem teme a presença de pessoas externas e de diretores nos comitês, Viegas dá um lembrete: “A responsabilidade do grupo é estudar o assunto com profundidade e fazer recomendações. Isso não é uma delegação de autoridade”.

Diversidade, aliás, é a marca do subcomitê 20-F, do Itaú, que, ao lado do de responsabilidade socioambiental, responde ao comitê de divulgação e negociação do banco. Nada menos que 14 profissionais integram o 20-F, vindos de áreas distintas, inclusive marketing e RH. A missão da equipe é propor melhorias nos processos de elaboração do relatório submetido anualmente à Securities and Exchange Commission (SEC). “Toda discussão surgida, vinda tanto de executivos quanto de conselheiros, sejam eles independentes ou não, é levada ao comitê”, conta o superintendente de Relações com Investidores, Geraldo Soares. Um dos resultados alcançados pelo subcomitê, montado em 2004, foi um maior detalhamento das informações prestadas no relatório conforme a segmentação de mercados do Itaú, como o corporativo, o de varejo e o de banco de investimentos (Itaú BBA). O grupo se reúne três vezes por ano e obedece a um regimento interno.

Cuidados como a criação de um regimento não ocorrem por acaso. Especialistas apontam a formalização dos comitês como fator crítico de sucesso. Estabelecer normas, freqüência dos encontros, se o comitê é de caráter permanente ou não, é fundamental. Leonardo Viegas, do IBGC, diz ser importante documentar as recomendações levadas ao conselho e fazer atas das reuniões. “Senão vira um trabalho ‘para inglês ver’”, complementa Di Miceli da Silveira. As empresas que ainda estão preparando seus comitês não precisam se preocupar em inovar. “Criatividade não é necessariamente algo bom em termos de governança corporativa. Muitas vezes, o melhor é fazer o feijão-com-arroz”, afirma Silveira.


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