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Bomba escondida
Analistas e investidores desconhecem as operações com derivativos realizadas por grande parte das companhias brasileiras — e os riscos a elas relacionados

, Bomba escondida, Capital AbertoMuitos analistas e investidores se enganaram. Em relatório de 22 de setembro, o Banif afirmava com todas as letras que a Sadia não deveria ter o resultado do 3º trimestre prejudicado pela alta do câmbio. Motivo: tinha realizado operações de hedge para proteger suas dívidas em dólar. O banco português não foi o único. Relatórios semanais do UBS Pactual, Credit Suisse, dentre outros, também apresentavam boas perspectivas para a companhia de alimentos. Logo após o encerramento do pregão do dia 25 de setembro, a Sadia comunicou a perda de R$ 760 milhões com a liquidação antecipada dos derivativos cambiais. Por trás dessa cifra não estavam as operações de hedge feitas para minimizar os impactos de uma eventual alta do dólar sobre as dívidas em dólar, mas sim apostas especulativas na queda da moeda. A companhia confessou: “a diretoria financeira realizou operações relacionadas à variação do dólar superiores à finalidade de proteção das atividades expostas a variação cambial”.

No dia seguinte, foi a vez de a Aracruz Celulose reportar prejuízos com derivativos. “Foi realmente uma surpresa, ninguém estava esperando”, diz a analista do setor de papel e celulose da corretora Ativa, Mônica Araújo. Incertezas se alastraram pelo mercado. A dúvida era se outras empresas estariam com o mesmo problema e quem seriam elas. “Com as informações disponíveis publicamente, os analistas têm extrema dificuldade para entender as operações com derivativos e os riscos a que as empresas estão expostas”, afirma o professor Alexsandro Broedel, da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi) e membro do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC). Pela atual norma brasileira, as exigências de demonstração dos instrumentos financeiros usados pelas companhias são extremamente fracas. “Boa parte é considerada como operações off balance (sem obrigação de serem contabilizadas)”, completa o professor.

No caso da Sadia, a empresa alega que a culpa foi do diretor de finanças e desenvolvimento corporativo, Adriano Lima Ferreira. Explica que ele abusou dos derivativos, buscando, além do hedge, ganhar com operações de trading. “Como há pouca transparência nos derivativos, é difícil saber o que se passa. As contas da empresa não ficam claras”, reforça uma experiente analista do setor que, nos últimos dois meses, vinha se incomodando com esse item nos balanços das empresas.

Os derivativos aparecem nos resultados financeiros divulgados a cada trimestre, mas não é exigida a marcação a mercado (reconhecimento do valor atual). Por isso, é comum o resultado da operação só aparecer depois da liquidação, como forma de prejuízo ou ganho. Às vezes, há citações nas notas explicativas. “O analista que realmente quer entender os possíveis impactos dos derivativos precisa ligar para as áreas de Relações com Investidores e solicitar informações”, diz Broedel. Depois do comunicado da Sadia, foi exatamente o que aconteceu. Os analistas correram aos executivos para pedir mais explicações. “Esses fatos acenderam um sinal amarelo no mercado. Estamos agora de olho nas empresas que têm significativas operações de derivativos com commodities, juros e dólar”, diz Lucy Souza, presidente da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec) em São Paulo.

A dificuldade é saber se a companhia usa os derivativos apenas para proteção ou se também especula. “Falta tornar isso público.”

Na Sadia, os derivativos em aberto são citados em notas explicativas, mas não contabilizados até a liquidação. Por isso, podem surpreender. “Mas já suspeitávamos que a tesouraria da companhia era muito agressiva e fazia operações de trading, visando à especulação com lucros financeiros”, reconhece a mesma analista, que estava atenta aos números indecifráveis dos resultados financeiros das empresas dos setores de alimentos e agrícola. Anunciado o prejuízo, a primeira conferência da Sadia não foi suficiente para esclarecer os analistas sobre as posições de hedge. A companhia não soube detalhar a operação que gerou tais perdas. O diretor de Relações com Investidores (RI), Welson Teixeira Júnior, reconheceu também que a empresa possuía títulos do mercado futuro de câmbio no total de US$ 12 milhões (marcados a mercado) de emissão do banco norte-americano Lehman Brothers, que entrou em concordata em setembro.

As operações da Aracruz eram citadas com mais detalhes nas notas que acompanhavam o demonstrativo de resultados do último trimestre. A empresa encerrou junho com uma posição vendida em dólar na BM&F no valor de US$ 360 milhões. Além disso, tinha uma posição de swap para dívida em moeda local que representava US$ 387 milhões. Ou seja, a valorização da moeda americana de 11% em apenas um mês poderia causar estragos. “É muito complicado para o mercado conhecer a exposição exata da empresa em derivativos. A companhia, a cada trimestre, mostra um retrato daquela situação, mas não explica os riscos diante de uma variação diferente da prevista”, diz Guilherme Kobylko, gestor de renda variável do Banco CR2. Uma das principais dificuldades é saber qual a política de risco: se a companhia usa os derivativos apenas para proteção de dívidas e exportações ou se para especular no mercado. “Todas as estratégias são legítimas, mas falta tornar isso público para o investidor”, completa o gestor.

CULPA NO CARTÓRIO — A prova de que as informações divulgadas nos resultados financeiros não são suficientes foi a reação das empresas após o anúncio da Sadia. Uma leva de companhias, formada principalmente por exportadoras, foi ao mercado para se explicar e tentar conter o temor dos investidores. Apenas no dia 26 de setembro, dez empresas divulgaram que não teriam perdas com as operações de derivativos — Cosan, Marfrig, Minerva, Perdigão, SLC Agrícola, Marcopolo, Vale, Invest Tur, Embraer e Klabin. “Esse mercado é muito dinâmico. Para ter transparência, é preciso que as empresas se comprometam com a prestação de informações”, adverte Francisco Papellás, presidente do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon). A medida, no entanto, não foi suficiente para evitar impactos no preço das ações, que já despencavam quando elas vieram a público se manifestar. “As dúvidas haviam sido precificadas”, explica Kobylko.

Os analistas do Banco Fator, Jacqueline Lison e Marcello Gunther, pediram mais informações ao departamento de Relações com Investidores da Embraer. A empresa garantiu que a posição atual visa somente a corrigir o “descasamento entre receitas e despesas operacionais”. No segundo trimestre de 2008, a Embraer registrou um ganho financeiro de US$ 30 milhões com derivativos cambiais, conforme demonstrativo em US Gaap (as normas contábeis norte-americanas). Considerando que a companhia tenha mantido a mesma posição ao longo do terceiro trimestre, os analistas do Fator estimam que as suas perdas ficaram em torno de US$ 50 milhões — diante da desvalorização cambial de 15% nos últimos três meses.

QUE VENHA A NOVA LEI — A escassez de informações com derivativos, no entanto, pode estar com os dias contados. As companhias brasileiras deverão explicar detalhadamente no balanço as características das suas operações com esses instrumentos quando aderirem totalmente à Lei 11.638, que prevê adaptações às normas internacionais de contabilidade (International Financial Reporting Standards — IFRS). “Esses títulos serão contabilizados, classificados e marcados a mercado”, confirma Broedel. “Tudo de uma maneira padrão. Atualmente, cada empresa adota um modelo, e muitas negligenciam essas informações”, acrescenta.

As estratégias e posições deverão ser descritas em notas explicativas e também comprovadas com documentos. “O grande avanço da nova regra é a marcação a mercado na data do fechamento do balanço”, comenta João Santos, sócio da PricewaterhouseCoopers (PwC). “A finalidade da operação, se de hedge ou trading, também terá de ser descrita”, ressalta. Indicar o risco a ser protegido e o tipo do hedge, dentre outras informações, será obrigatório. “A nova regra demonstrará uma volatilidade que antes só era reconhecida quando havia a saída efetiva de caixa”, conclui Grégory Gobetti, sócio de serviços financeiros da Ernst & Young.

As companhias brasileiras que possuem ADRs já fazem a marcação a mercado dos derivativos em suas demonstrações financeiras no padrão US Gaap. Nessa lista, estão a Aracruz e a Sadia. A Petrobras, por exemplo, informa que tanto as normas internas de gestão de riscos de commodities quanto as relacionadas a transações no mercado financeiro só admitem o uso de instrumentos que tenham sido modelados no seu sistema de avaliação de riscos, que impõe a marcação a mercado. Atualmente, no entanto, no mercado interno, as operações de derivativos da Petrobras só são registradas após a finalização do contrato. As posições em aberto são citadas em notas explicativas, mas não entram na contabilidade. Na sua política de transações no mercado futuro, a empresa informa que só são realizados contratos para proteção das atividades.

COMPROMISSO E CONTROLES — Apesar de trazer mais volatilidade aos balanços, as práticas internacionais prometem reduzir os sustos com as operações de derivativos. Ainda assim, não solucionam totalmente a questão. “O mercado é muito complexo e amplo, as regras não podem ser específicas demais”, esclarece Gobetti. O que fará diferença é a postura das empresas. “A companhia precisa estar comprometida com a transparência e ter controles eficientes de gestão de risco”, acrescenta.

Na opinião dos analistas, a Sadia, por exemplo, poderia ter reportado o fato ao mercado com antecedência. A empresa já vinha amargando prejuízos havia cerca de duas semanas, mas só comunicou o mercado quando a situação chegou ao limite. A situação também colocou em xeque a eficácia do comitê do conselho de administração voltado ao acompanhamento das commodities e à gestão de risco. A Sadia conta com essa estrutura na sua governança corporativa. O foco do grupo de trabalho é desenvolver ações estratégicas para reduzir a volatilidade dos seus principais insumos e matérias-primas.

Outro problema que vem à tona é a postura dos analistas financeiros e acionistas diante de operações complexas. “Não adianta melhorar as regras contábeis se os profissionais não se derem ao trabalho de entender as operações antes de fazer as suas análises”, declara Santos, da PwC. Diante da valorização abrupta do dólar, os analistas não questionaram as empresas, principalmente as exportadoras e aquelas que utilizam commodities, sobre as suas posições no mercado futuro de câmbio? Para a analista que preferiu não ser identificada, “se gestores e analistas se limitarem a repetir o que as companhias dizem, seu trabalho deixará de ser necessário e não haverá mais razão para remunerar os mesmos”.


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