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Quanto vale não ter patrão?
Resposta envolve muito mais que aspectos financeiros
, Quanto vale não ter patrão?, Capital Aberto

Eliseu Martins*/ Ilustração: Julia Padula

Lendo uma entrevista com o psicólogo Daniel Kahneman, que ganhou prêmio Nobel de Economia provando que ninguém consegue ser racional o tempo todo, lembrei-me de uma lição aprendida há pelo menos 50 anos, ainda no banco escolar. Ou melhor, no tempo do banco escolar, mas fora dele.

Como graduando na USP, me vi diante de uma oportunidade ímpar de utilizar e demonstrar conhecimento quando um amigo do interior me contou que deixara de ser empregado para montar um torno no fundo do quintal e trabalhar por conta própria. Sentei-me ao lado dele e comecei a pedir informações: quanto ganhava como empregado, quanto investiu de sua poupança e do acordo trabalhista (não havia FGTS naquela época) na compra do torno, quanto ganharia se aplicasse esse dinheiro, quanto gastaria de energia e materiais no novo trabalho, quanto tempo duraria o torno, se lembrava que não ganharia nada quando saísse de férias etc etc.

Ao final das contas, concluí e ele concordou (os números são fictícios, a moeda era outra, mas a proporção é essa): como empregado ganhava $ 1.500 mensais e como autônomo deveria ficar nos $ 1.300. Achei que estava conseguindo mostrar o erro que cometera quando, depois de pensar por uns momentos, ele me disse: “São $ 200 de diferença? Então estou ainda mais convencido de que fiz o melhor negócio do mundo!”.

Claro que fiquei perplexo, até que ele completou: “Você sabe o quanto vale não ter patrão? Está barato!”.

Só aí me dei conta do que não havia aprendido na aula. O valor de qualquer investimento, de qualquer decisão, não está apenas nos valores presentes do fluxo de benefícios econômicos, dos tais fluxos de caixa. Está nas diferenças de valor presente dos fluxos de benefícios. Dos benefícios, repito, para deixar bem claro que isso inclui todos os tipos deles: o de não ter patrão, o de poder dizer “sou presidente desta loja” (como vi uma vez alguém se vangloriar perante os clientes ao adquirir uma grande loja de departamentos), o de derrotar um “inimigo”. Ou seja, inclui-se no preço dos negócios e das decisões um conjunto amplo de benefícios, os financeiros e os não financeiros, os materiais e os psicológicos, os políticos e os de orgulho, vaidade, ciúme, vingança, gosto ou aversão ao empreendedorismo.

Evidentemente isso não significa que esses outros fatores que não os “racionais” econômicos sejam os dominantes — às vezes, o são —, mas sempre ou quase sempre estarão presentes, com maior ou menor impacto. É por isso que, depois de tantas análises, previsões, auditorias e due diligences demonstradas exaustivamente em infindáveis planilhas e lógicas, não se entende porque o número final acaba estabelecido num jantar a dois, após uma rodada de belos vinhos, ou durante uma partida de golfe. A pitada e a decisão finais acabam, muito mais comumente do que se imagina, vindo da alma, do estado de espírito do momento, e não da cabeça.

É lógico que não podemos chamar isso de irracionalidade. É apenas a constatação de que dominamos ainda pouco do racional que dirige a mente humana, que é dependente de muito mais variáveis do que sonha nossa vã filosofia. Nossa racionalidade completa é fruto do conjunto de todas essas motivações, e não exclusivamente da vinculada ao dinheiro.


* Eliseu Martins ([email protected]) é professor emérito da FEA-USP e da FEA/RP-USP, consultor e parecerista na área contábil


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