Há dez anos, o mundo se viu mergulhado em uma crise econômica e financeira de dimensão comparável apenas àquela vivida na Grande Depressão, três gerações antes. Assistiu-se ao desfazimento de instituições financeiras icônicas, ao salvamento público de outras tantas, a uma desaceleração e recessão econômicas de alcance global e à perda de milhões de empregos. No Brasil, a crise de 2008 tardou a ser sentida, em comparação com o que acontecia nos EUA e na Europa. O que ficou de aprendizado dessa experiência nefasta? Três lições da crise parecem ter particular importância para o Brasil.
A primeira é que a economia brasileira, por ser aberta e fazer parte integral do mercado financeiro global, está sujeita a tempestades e a períodos de bonança criados por fatores externos. Hoje essa afirmação parece óbvia, mas a inserção do País no mercado internacional é um fenômeno recente. Depois do Plano Brady do início dos anos 1990, somente há cerca de duas décadas o Brasil voltou a acessar o mercado internacional de capitais, com a emissão de global bonds pelo Tesouro Nacional; surfou a onda do aumento de preço das commodities durante parte dos anos 2000, mas sofreu desaceleração quando a crise de 2008 chegou. A economia brasileira cresceu a uma taxa média de 4,8% ao ano no período entre 2004 e 2008, mas apresentou recessão (ainda que leve) em 2009. Ou seja: o País está inserido em um contexto internacional, para o bem e para o mal, e sentirá os efeitos de qualquer crise, mesmo que ela não tenha se originado por aqui.
A segunda lição é que a ampla regulação dos mercados não tem o poder de evitar crises financeiras. No pós-crise imediato, muitas vozes acusaram as autoridades por não terem imposto uma regulação financeira mais pesada. Entretanto, essa é uma visão estreita das causas da crise. O que fica como aprendizado é que não basta existir muita regulação — para ser útil e ajudar na prevenção de crises, ela precisa ser eficiente. Deve efetivamente proteger o investidor e permitir seu acesso a informações relevantes. Um prospecto com 400 páginas não é informativo, assim como um formulário de referência com 900 páginas não é útil. Os reguladores devem buscar simplificar as normas, torná-las eficazes e reduzir o respectivo custo de observância. Na esteira das recentes inovações, será cada vez mais ouvida a expressão regtech, que representa a aplicação de tecnologia para o cumprimento de regulação. Tanto empresas quanto reguladores devem adotar o quanto antes as inovações nessa área, o que aumentará a segurança dos mercados.
A terceira lição — talvez a mais importante — é que o Brasil só conseguirá mitigar os efeitos adversos de crises financeiras nascidas no exterior se estiver com a casa em ordem. Em 2008, a economia brasileira crescia e acumulava superávits primários bem acima de 3% do PIB a cada ano. Mesmo sendo um país emergente, de onde tipicamente o capital foge na direção de paragens mais seguras em momentos de crise, o Brasil suportou relativamente bem a crise de dez anos atrás. O mesmo não se pode dizer agora: o País enfrenta a pior crise fiscal de sua história e a economia tem um processo de recuperação muito lento. Uma nova crise financeira vinda de fora terá efeitos devastadores para a economia brasileira nesse cenário. E não há dúvida de que ela acontecerá — resta saber quando.
Pensando nessas lições, neste momento pós-Copa e pré-eleições, é compreensível o nervosismo dos participantes dos mercados financeiros e de capitais. Afinal, a casa não está em ordem; o Brasil está despreparado para um novo período de turbulência internacional. Não se pode evitar essa turbulência, mas é preciso ter em mente que a capacidade da economia brasileira para aguentar uma crise externa será tanto maior quanto menor for sua fragilidade. A década de 2010 foi perdida para o Brasil. Que o mesmo não aconteça com os anos 2020 e que o resultado das eleições deste ano permita a criação de condições para um futuro econômico mais condizente com o potencial do Brasil.
*Mauro Miranda, CFA ([email protected]), é presidente da CFA Society Brazil. As opiniões apresentadas neste artigo não representam, necessariamente, a visão das entidades às quais o autor está associado.
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