ESG já deixou de ser questão de escolha
Está cada vez mais acurado o olhar dos analistas de empresas para as práticas corporativas sustentáveis
ESG já deixou de ser questão de escolha

Imagem: vectorpouch/ Freepik

Não é mais uma questão de escolha. As práticas corporativas reconhecidas pelo acrônimo ESG (relativo a aspectos ambientais, sociais e de governança) passaram a ser determinantes para o futuro das empresas. Só devem sobreviver a longo prazo, e com chances de prosperar, as companhias que atenderem adequadamente aos anseios das partes interessadas, os chamados stakeholders. E o reforço dessa dinâmica não veio da pandemia: a atual crise apenas acelerou movimentos que já vinham tomando corpo ao longo dos últimos anos. Nesse contexto, também precisou de adaptação e aprimoramento o trabalho de análise de empresas, de forma a constantemente incorporar os fatores ESG à seleção de ativos e à gestão de risco dos portfólios.

Esses foram alguns dos pontos discutidos no encontro online “Desvendando a análise ESG” promovido recentemente pela Conexão Capital com a participação de Hugo Bethlem, presidente do conselho do Instituto Capitalismo Consciente Brasil; Laura Velez, analista de ESG da Fama Investimentos; e Rodrigo Santoro Geraldes, superintendente da Bradesco Asset Management (Bram).

De acordo com Bethlem, antes de se falar em aspectos ESG é necessário que se compreenda uma importante mudança estrutural, representada pela consolidação do que já ficou conhecido como “capitalismo de stakeholders”. Esse novo modelo assume o lugar que durante décadas foi do capitalismo voltado à geração de retorno para os acionistas, sem maiores preocupações com os impactos das atividades corporativas nos entornos das empresas. “O capitalismo ainda é a melhor forma de se gerar riquezas. E agora está claro que é possível que esse processo seja atingido com maior consciência. Questões que antes eram intangíveis transformaram-se em drives para as empresas”, comenta. Nesse sentido, o shareholder (acionista) acaba virando um entre vários stakeholders.

E o que requerem hoje as partes interessadas? Basicamente, atenção e respeito das empesas às suas externalidades, ou seja, aos efeitos que provocam sobre o ambiente e a sociedade. “Trata-se da transformação de um jeito de se fazer negócios para um modelo que contribua para a diminuição das desigualdades. E isso só pode ser feito com a estruturação de quatro pilares: propósito genuíno, cultura e valores, cuidado com os stakeholders e um líder consciente”, enumera Bethlem.

ESG e análise de empresas

Um olhar para a adoção desses pilares já está em grande parte incorporado ao trabalho de análise de empresas — mesmo no Brasil, mercado em que as ideias ESG chegaram de forma mais robusta com um pouco de atraso. Na Bram, entretanto, esse prisma já é adotado há pelo menos uma década, segundo Geraldes. “Adotamos ESG tanto para análise de crédito quanto para a renda variável. Percebemos que as empresas que têm esse direcionamento são mais organizadas, eficientes e adequadas em termos de governança”, afirmou. A Bram trabalha com ratings ESG montados internamente e, apesar de contar com apenas um analista especializado, esses fatores são discutidos por todos os outros analistas e também pelos gestores das carteiras. “O ESG nos ajuda na administração de riscos dos portfólios.”

Velez destaca que já há muito tempo a Fama Investimentos adota os aspectos ESG para fazer suas análises. “Importante ressaltar que esses fatores vão muito além do ambiental: aqui estamos falando de cultura, de mentalidade, de propósito, de eficiência, sempre levando em conta o que a empresa oferece a seus clientes, colaboradores e investidores”, observa a analista. “Hoje, é possível dizer que o consumidor, por exemplo, tem poder de voto.” Segundo ela, não há empresa 100% sustentável. “A questão é observar o que a empresa faz para preencher a lacuna”, acrescenta. Nesse ponto, Bethlem e Geraldes concordam com Velez: é muito melhor a empresa admitir suas dificuldades ou falhas no cumprimento da agenda ESG (até porque, dependendo do setor, elas serão da própria natureza do negócio) do que esconder ou maquiar problemas que, de uma maneira ou de outra, virão à tona.

Engajamento com as investidas

A análise ESG no Brasil, mesmo com os muitos avanços recentes, ainda se depara com obstáculos relacionados à disponibilidade e à qualidade das informações prestadas pelas empresas. Por isso, o caminho da boa análise passa pelo engajamento junto às investidas. “Olhamos os relatórios de sustentabilidade com ressalvas, já que podem não estar lá as informações de fato relevantes. Como complemento, procuramos acompanhar de perto, além da empresa, seus colaboradores, consumidores, fornecedores e concorrentes”, relata a analista da Fama Investimentos. Esse procedimento gera um ganho adicional. “Às vezes a empresa tem boas práticas ESG que não consegue comunicar.”

Geraldes vê uma boa evolução da prestação de informações relacionadas a ESG nos últimos anos. “Se há dez anos uma empresa fosse procurada para falar do assunto, em geral ou não saberia do que se trata ou simplesmente não responderia à demanda. Hoje ainda vemos informações pobres, mas num volume muito menor do que antes”, afirma o superintendente da Bram, destacado que o papel dos analistas também envolve oferecer uma contribuição às empresas para melhorarem sua comunicação com o mercado no que se refere a ESG.

ESG deve ser “plano de governo”

Consistência é uma palavra-chave nesse jogo. As empresas que estiverem interessadas em perenidade devem de fato incorporar as políticas ESG, independentemente do CEO. “ESG não pode ser um plano de governo, deve ser um plano de Estado”, comparou Bethlem. Um aspecto bastante relevante da discussão, ressalta, é a clareza em torno da ideia de que as práticas ESG não são compensatórias. Em outras palavras, de nada adianta uma empresa adotar uma política sustentável para uma área de sua atividade pensando em compensar alguma prática predatória ou antiética de outra. Os investidores, os colaboradores, os fornecedores e os clientes, afinal, têm plenas condições de identificar essa jogada.

A rubrica ESG, segundo dados apresentados por Bethlem, já está em cerca de 23 trilhões de dólares em investimentos espalhados pelo mundo. É uma fatia de um universo de 800 trilhões de dólares alocados, mas está em constante expansão. Essa magnitude, concordam os debatedores, é uma contundente resposta à falsa ideia de contraposição entre investimento ESG e retorno. “Não existe ESG ou retorno, só ESG e retorno. Se não fosse assim não haveria uma quantidade tão grande de dinheiro investido com esse filtro”, opina Bethlem. “Também acredito que não existe essa dicotomia. Até porque os aspectos ESG fazem parte da empresa”, completa Velez.


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