Já é um fato conhecido os mercados financeiros olharem para o futuro mais do que para o presente. O valor de qualquer ativo é o fluxo de caixa que ele gerará trazido ao presente descontando-se algum custo de oportunidade. As mudanças de percepção em relação ao futuro são constantes, o que ajuda a explicar a volatilidade de alguns ativos. Hoje, o preço de muitos ativos já reflete as expectativas para os próximos meses: o avanço da vacinação e a reabertura da economia. Os estímulos monetário e fiscal sem precedentes — principalmente o último — podem tornar a recuperação mais rápida, mas com mais inflação. A principal pergunta a ser respondida nos próximos meses é se a alta da inflação e dos juros representa apenas um retorno a níveis pré-pandêmicos ou se haverá uma alta mais pronunciada por causa dos estímulos e dos problemas de ofertas.
Nos Estados Unidos, a pandemia e as consequências econômicas levaram o Banco Central do país, o Fed, a cortar a taxa de juros de volta para perto de zero e a mais uma vez comprar ativos para ajudar o funcionamento dos mercados e reduzir os juros dos títulos de longo prazo. O Executivo e o Legislativo adotaram diversas medidas fiscais, principalmente para estender o auxílio–desemprego e a transferência direta de recursos a dezenas de milhões de americanos, com despesa total de pelo menos 2 trilhões de dólares. Soma-se a isso o projeto aprovado já no governo Biden, de 1,9 trilhão de dólares, que, muito provavelmente, permitirá às famílias americanas sair da pandemia, em média, com as suas finanças melhores do que as que tinham quando entraram nessa crise.
Risco de superaquecimento
Dois economistas que há anos pedem mais estímulos fiscais estão preocupados com as consequências de tanto gasto. Olivier Blanchard, ex–economista–chefe do FMI, e Larry Summers, ex-secretário do Tesouro americano, temem que tanto estímulo cause um superaquecimento da economia, acorde a inflação e leve o Fed a retirar estímulos monetários a ponto de frear a recuperação.
A pandemia levou a inflação americana para zero em meados de 2020 e a taxa de juros dos títulos de dez anos para 0,6% ao ano. O avanço das campanhas de vacinação e os estímulos monetários e fiscais estão levando a inflação para 1,7% nos últimos 12 meses e o juro de dez anos para 1,65%. A pergunta importante já posta é se a situação é uma volta ao ambiente anterior (em que a inflação estava ligeiramente acima de 2% e a taxa de juros no mesmo patamar atual) ou se ambos continuarão a subir, exigindo aperto da política monetária e com consequências negativas para países emergentes.
Estes já vêm sofrendo com a força do dólar e o efeito das commodities na inflação. Em março, a Rússia subiu juros diante de uma inflação pulando de 2,65% em fevereiro de 2020 para 5,67% um ano depois. A Turquia deu um choque de 200 pontos-base nos juros, levando a taxa de curto prazo para 19% ao ano com a inflação passando de 15,5%. A Ásia se saiu melhor, em geral, com números menos negativos da pandemia e sem grandes gastos de apoio à demanda. Mas podem sofrer agora com os problemas de oferta na produção de importantes insumos de tecnologia.
Brasil entre os malcomportados
O Brasil mais uma vez está no grupo dos malcomportados. A situação fiscal anterior à pandemia já exigia cuidado, e o País não tem a capacidade de endividamento de países desenvolvidos, embora gaste como um deles. Ao mesmo tempo, o Banco Central reduziu a taxa de juros para 2% ao ano. Entre os indicadores de mercado, as consequências mais visíveis estão no câmbio e na curva de juros. Mesmo com o balanço de pagamentos organizado, com superávits significativos na balança comercial, o real está frequentemente entre as moedas mais fracas do mundo. A curva de juros precifica até 2023 taxa de 6,4% e até 2027 de 8,4%. Considerando a Selic de 2,75%, é um aumento significativo precificado, levando os juros de curto prazo para 9% já em 2023.
Parece etéreo apenas falar nesses números, mas há consequências negativas para a economia real. A volatilidade na taxa de câmbio impede qualquer planejamento de empresas que têm relações com o exterior. Além disso, o nível da taxa de câmbio, mesmo com as commodities ajudando, está pressionando a inflação — o melhor exemplo é o IGP-M acumulado em 12 meses próximo a 30%. O aumento das taxas indicadas na curva de juros implica encarecimento do financiamento do Tesouro Nacional em um momento delicado, de rolagem dos títulos emitidos durante a pandemia. Para as empresas privadas, o crédito já ficou mais caro.
Se a elevação dos juros e da inflação nos EUA continuarem e os riscos fiscais no Brasil não diminuírem, a combinação resultará em um cenário pior do que o já precificado na curva de juros. Mesmo que o cenário externo não seja maligno e que a situação atual seja só uma normalização pós–pandemia, a economia real já perdeu com o elevado risco fiscal no Brasil.
Evandro Buccini é sócio e diretor de renda fixa e multimercado da Rio Bravo Investimentos
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