À espera de mudança
O ano de 2015 tem feito os gestores de recursos suar a camisa. No quesito aporte, os fundos de ações apresentam o pior desempenho do período [...]

11O ano de 2015 tem feito os gestores de recursos suar a camisa. No quesito aporte, os fundos de ações apresentam o pior desempenho do período. Segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), os resgates somaram R$ 36,2 bilhões até o fim de setembro, frente a um ingresso de R$ 22 bilhões. O patrimônio líquido da categoria encolheu quase 8%, para R$ 158,7 bilhões. O tombo é resultado da deterioração dos fundamentos econômicos e do pessimismo do mercado com o governo Dilma Rousseff. Nesta edição do Antessala, realizada no dia 5 de outubro, conversamos com quatro gestores de fundo de ações sobre a conjuntura político-econômica atual e os reflexos do cenário sobre os investimentos. Os melhores trechos você confere a seguir.

CAPITAL ABERTO: No dia 2 de outubro, o P/L (preço/lucro) da Bolsa era de 17 vezes, segundo a Economatica. Podemos dizer que está barata?

Fabio Motta: Na minha opinião, não. A bolsa brasileira caiu bastante, mas seu desempenho depende dos resultados das empresas e do quanto os investidores aceitam pagar por eles. O problema é que não vejo perspectiva de melhora nos resultados das companhias neste ano e nem em 2016. E não há motivo para os investidores aceitarem pagar mais pelo mesmo bolo de lucro. Por isso, não vejo razão para considerar a bolsa barata agora. Pelas nossas contas, as companhias registram uma queda de lucro de, pelo menos, uns 5% neste ano sobre 2014.

Alexandre Silverio: Para considerar a bolsa uma oportunidade hoje, é preciso que ocorra uma mudança significativa em relação ao rumo da economia. E isso está muito interligado, obviamente, à questão política. Não podemos esquecer que a bolsa opera as expectativas do mercado. Então, se nos próximos meses houver alguma mudança significativa no cenário político, por exemplo, uma alternância de poder, isso pode influenciar o humor dos investidores e pode ser que eles visualizem um futuro melhor que o passado recente e o presente. Também cabe ponderar que, com a taxa de juros atual projetada pelo mercado futuro, é muito difícil enxergar, por meio de um modelo de avaliação de empresa, algum upside na maioria das companhias listadas em bolsa. O custo de oportunidade, hoje, é muito alto no Brasil. Só uma mudança do ambiente político-econômico poderia fazer esse custo mudar.

André Caminada: Concordo. Hoje, ninguém está disposto a arriscar seu capital próprio. Como o Fabio lembrou, os lucros das companhias estão caindo. É preciso ter muita paciência e estômago para poder investir em alguma coisa neste momento e aguardar dois ou três anos para ver os resultados. Não vejo mudança nessa situação no curto prazo, exceto, como disse o Alexandre, se houver alguma ruptura do modelo político-econômico atual. Como gestor, a gente reza para que alguma coisa mude, porque nesse cenário atual há uma paralisia. As empresas estão deprimidas. Eu converso com empreendedores e vejo que estão sem perspectiva. E se as empresas não têm perspectiva é impossível que gerem resultado para fazer a bolsa andar.

Sergio dos Reis: Em meio a essa situação, eu chamo a atenção para a destruição da poupança nacional. Eu estimo que o Brasil precise de, pelo menos, cerca de 16% do PIB ao ano só para manter o atual estoque de capital e fazer, por exemplo, a manutenção de prédios, estradas etc. Hoje, a taxa de poupança nacional é de 13%. O País precisa passar por um processo difícil de redução do consumo de todos os agentes para que haja poupança outra vez. Além de boa vontade e entusiasmo, o investidor precisa de dinheiro para investir. O problema é que ele não vai ter esse capital, e um dos motivos é que precisará usá-lo para pagar mais impostos.

Alexandre Silverio: Gostaria de fazer uma provocação. Todos nós traçamos um cenário muito difícil, mas a minha sensação é de que estamos passando por um ajuste macroeconômico significativo e que ele está em curso neste momento. Como o Sergio falou, o Brasil viveu durante algum tempo um ciclo de consumo intenso, causado, talvez, por uma absorção de poupança externa. O nosso governo não fez as reformas necessárias e não se preparou para uma mudança de ambiente. Mas a verdade é que a economia é auto-ajustável. E eu começo a enxergar algumas mudanças importantes, que não vão resolver os nossos problemas de curto e de médio prazos, mas, ao longo do tempo, vão fazer com que a economia mude de cara.

CAPITAL ABERTO: Que mudanças seriam essas?

Alexandre Silverio: Nós, gestores, temos que olhar para a nova economia brasileira. Vou dar um exemplo: a desvalorização contínua do real nos últimos 12 meses está trazendo um ajuste paras as contas do País — a balança comercial já reage e neste ano deve registrar saldo positivo de R$ 15 bilhões. O déficit de transações correntes começa a se ajustar para algo mais financiável e pode voltar a corresponder a 2,5% a 3% do PIB. E isso vai aumentar, pelo menos um pouco, a competitividade da indústria. Além disso, a elevação de tributos e a própria inflação, que consumiu um pedaço da renda, vão levar a economia a se ajustar. Todo esse cenário gera oportunidades. Algumas companhias ganharão competitividade e serão capazes de obter margens melhores. Outras, as que ao longo dos anos foram muito bem em função desse ciclo de consumo, vão precisar se ajustar.

CAPITAL ABERTO: Vocês compartilham essa visão?

Fabio Motta: Eu concordo com o Silverio, mas o problema é o tempo que o mercado demora para reagir a essas mudanças. Nos jornais, a gente lê entrevistas de empresários e banqueiros colocando panos quentes na situação e tentando mostrar uma certa calma, mas, na prática, não vejo os empresários retomando os investimentos e nem os banqueiros retomando a concessão de crédito. Em relação à possibilidade de algumas empresas se tornarem mais competitivas, depende. O caso da Usiminas é um bom exemplo. A atual cotação do dólar gera uma boa alavancagem operacional à companhia, só que a indústria de aço está destruída. O preço do aço no mercado internacional caiu muito, e a indústria automobilística, uma grande compradora da Usiminas, está péssima. Por isso, o investidor precisa ser muito cuidadoso ao analisar cada indústria. As estatísticas de falência de companhias são terríveis. E isso é algo que vai afetar o País durante um bom tempo.

André Caminada: Infelizmente, no Brasil, o governo só reage quando a coisa não tem mais para onde ir. É óbvio que, mesmo neste cenário, há oportunidades. Se elas não existissem, era melhor pegar a mala e ir embora. O Brasil tem um potencial muito grande, mas algumas coisas preocupam, como, por exemplo, a perda de capital intelectual nos últimos dois anos. Muitos líderes de empresas simplesmente desistiram do Brasil e não voltam mais. Na história recente do País, eu não me lembro de isso ter acontecido, exceto por causa da ditadura. Então, dentro dessa visão, acredito que está na hora de pararmos para pensar o que é o melhor para o Brasil. Continuamos sendo um país agrário e de bens intermediários. E um dos motivos é não existir planejamento estratégico.

Sergio dos Reis: Desde 1982, já vivi muitas crises. E elas tinham sempre uma mesma característica: eram relativamente curtas, embora, muitas vezes, piores do que a atual. Nas crises de 1990, com o Plano Collor, de 2001, com o apagão, ou a de 2002, com a eleição do Lula, todos os sinais pioraram muito rapidamente. Porém, após reconhecidas as perdas, as coisas, lentamente, melhoravam. O que espanta desta vez é a lentidão do processo e o fato de a situação continuar piorando.

Fabio Motta: Por isso eu acho que, talvez, exista um ambiente favorável a reformas agora. Não porque os agentes políticos sejam responsáveis, liberais, pensadores. Não é isso. É simplesmente porque estamos próximos de um colapso. E quando você está próximo de um colapso ou você dá o próximo passo rumo ao precipício ou você faz, pelo menos, um recuo para ter alguma margem de segurança.

André Caminada: O problema é que precisamos de uma mudança estrutural, mas não acredito que a atual presidente ou seu partido tenha aptidão para conduzir esse processo. Agora, esse status quo será quebrado via impeachment? Não sabemos. Até que isso se conclua, o jeito é torcer para o governo não fazer mais besteiras, tanto sociais quanto econômicas, porque o custo disso ainda nem veio — ele está por vir. As pessoas só estão olhando o lado do imposto. Mas e os custos sociais? Sorte que o País tem algum dinheiro guardado — anos atrás, nem isso tinha. O problema é que dinheiro acaba.

Fabio Motta: Esse caminho da transição política pode ser turbulento. No sistema parlamentarista, se o chefe de governo faz alguma bobagem, pode ser substituído sem grandes riscos institucionais. Mas num sistema presidencialista a coisa é mais complicada. Precisa haver todo um embasamento jurídico para que se peça a saída do presidente. Mas suponhamos que isso ocorra com a Dilma e que se forme um governo de coalizão, com ampla maioria no Congresso e com disposição para fazer a série de reformas de que o Brasil precisa. Se isso fosse apresentado para a sociedade dessa forma, eu acho que o mercado poderia reagir muito bem, ainda que isso gere alguma volatilidade.

CAPITAL ABERTO: O quanto essa conjuntura tem dificultado o trabalho de vocês?

Alexandre Silverio: O nosso trabalho fica bastante difícil quando não há clareza sobre o que esperar. E aí o que fazemos é nos defender dessa imprevisibilidade, tentando selecionar ativos com mais chances de performar bem em meio à turbulência. Eu citei que vejo um cenário de mudança, mas isso não necessariamente se reflete nas decisões de investimento a serem tomadas hoje. Porque essa mudança está acontecendo, mas, como o Fabio disse, ainda vivemos num momento de muita incerteza.

André Caminada: Algumas ações estão sofrendo muito. Papéis de algumas companhias familiares ficaram tão baratos que vale a pena as famílias comprarem tudo de volta. E o mercado nunca mais recupera as empresas que saem da bolsa, porque, se estiverem bem equilibradas e não precisarem de mais capital, não voltam. Nós, gestores, vivemos de tentar comprar boas empresas. Não compramos bolsa ou vendemos bolsa. Por isso, é preocupante que o nosso universo de investimento esteja ficando mais restrito.

Fabio Motta: Por isso, algumas gestoras estão buscando ativos no exterior. No Brasil, há entre 150 e 160 empresas com alguma liquidez, em que é possível investir. É muito pouco.

Alexandre Silverio: Em contrapartida, há 500 gestoras de fundos no Brasil. Em relação a buscar ativos no exterior, minha dúvida é: que vantagem comparativa um analista baseado no Brasil tem para analisar uma empresa de biotecnologia nos Estados Unidos ou mesmo um banco alemão? Cada gestora tem que fazer sua avaliação sobre esse ponto, mas precisamos ser cuidadosos. Na AZQuest, preferimos importar o conhecimento sobre ativos internacionais da Azimut (gestora italiana que adquiriu participação na Quest no início de 2015).

Fabio Motta: Essa é a mesma abordagem que usamos na Western, que faz parte do grupo Legg Mason.

André Caminada: A Victoire tem um fundo de investimento em small caps asiáticas, gerido pelo nosso escritório na Ásia. Eu acredito que as gestoras locais tenham capacidade de fazer análises de ativos internacionais daqui, mas o problema é a percepção do cliente. Nós atendemos muitos estrangeiros e eles nos contratam para investir em ações no Brasil, justamente porque nós estamos aqui e conhecemos o mercado.

CAPITAL ABERTO: Qual a visão do estrangeiro em relação a Brasil neste momento?

André Caminada: Certamente, eles estão mais atentos e preocupados do que antes, mas não vejo uma vontade de ir embora. Os europeus e os americanos investiram no Brasil com uma visão de década. A diferença é que, antes, eles ligavam para a gestora uma vez por ano e, nos últimos seis meses, já devem ter falado conosco umas quatro vezes para entender a situação atual. Eu não acho que teremos resgates neste momento, mas se o ambiente político-econômico não melhorar em um ou dois anos, eu não sei se essa paciência do estrangeiro vai continuar.

Fabio Motta: Nós temos clientes principalmente do Japão. Mas como são investidores de varejo, o rebaixamento da nota de crédito do Brasil pela S&P não gerou uma demanda regulatória de resgate. É diferente do investidor institucional, que diante de duas perdas de investment grade precisa sacar seus recursos. Assim como o André, eu vejo o estrangeiro em compasso de espera. Se o cenário político melhorar, acredito que algum dinheiro que saiu do País possa até voltar, a despeito de os fundamentos econômicos continuarem ruins por um tempo. O que precisamos é reestabelecer a confiança.

CAPITAL ABERTO: Para gerar receita, o governo quer abrir o capital de BR Distribuidora e Caixa Seguridade. Há apetite para esse tipo de ativo?

Fabio Motta: Esses são ótimos ativos. Mas a abertura de capital dessas empresas agora mostra que, no Brasil, as coisas só ocorrem sob pressão. Esses IPOs deveriam ser feitos num momento de boa precificação. Mas o governo não tem escolha porque está sem dinheiro.

Alexandre Silverio: Não à toa, nós só vemos possíveis IPOs de empresas públicas neste momento. As companhias privadas não estão pensando nisso agora, dado o desconto que o investidor vai exigir no preço.

Sergio dos Reis: Esse é o ponto. Dependendo do preço, há apetite. Mas, neste momento, é possível que esses ativos sejam vendidos a preço de banana. Aí a esquerda brasileira vai ficar horrorizada.

Fabio Motta: Para se ter uma ideia, a BB Seguridade, que é uma boa empresa controlada pelo Banco do Brasil, é negociada a 13 vezes o lucro deste ano. Esse número já bateu 17, 18 vezes. O certo seria o governo tentar fazer o IPO da Caixa Seguridade quando a BB Seguridade estivesse sendo negociada a 18 vezes o lucro, por que aí o investidor aplica um descontinho em cima disso. Eu posso estar enganado, mas acho que, hoje, se o governo tentar vender a Caixa Seguridade, vai conseguir no máximo nove ou dez vezes o lucro. E o pior, o dinheiro gerado terá impacto desprezível nas contas públicas.

 

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