É fato que os investidores estrangeiros mudaram radicalmente as condições para sua participação nas ofertas públicas iniciais de ações (IPOs) de empresas brasileiras. Entre janeiro e maio de 2007, 19 companhias abriram o capital, enquanto no mesmo período deste ano apenas três se aventuraram: a Nutriplant, do setor agrícola, a Hypermarcas, de bens de consumo, e a grife de moda feminina Le Lis Blanc. Mas é verdade também que, por mais que o cenário internacional seja desfavorável, afetado pela crise no mercado financeiro norte-americano, a credibilidade das empresas brasileiras continua em alta. Enquanto aguardam um direcionamento sobre a crise do subprime nos Estados Unidos, investidores observam atentamente os movimentos do mercado de capitais e as oportunidades que estão por vir.
Além de alguns movimentos ansiosamente esperados, como o IPO da Visanet e o da Cetip, prevê-se pelo menos uma dezena de grandes operações este ano, além de algumas de menor porte. Uma que promete ser badalada é a da OGX Petróleo e Gás, do empresário Eike Batista, que registrou no dia 22 de abril o pedido de IPO na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). “O momento é mais de expectativa do que de insegurança. Os investidores estrangeiros acreditam muito nas empresas brasileiras”, diz o sócio do Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados, Daniel Facó. “Temos várias ofertas em desenvolvimento desde o fim do ano passado e estamos só aguardando o mercado ficar mais comprador para implementá-las.”
“Nós, investidores, nunca deixamos de olhar operações de ofertas de capital”, afirma Marcos de Callis, gestor da Schroders Investment Management Brasil. No atual momento, ele ressalta que, como há pouco dinheiro em jogo, só trocaria seus papéis por outros novos se houvesse um bom desconto no preço da ação. Mas é otimista em relação ao futuro próximo. “O Brasil passa por um momento único, com uma dinâmica interna diferente. Os estrangeiros estão olhando o mercado de capitais brasileiro como um ambiente sério, uma alternativa real de investimento de longo prazo”, completa De Callis. “Isso vai trazer oportunidades tanto para os investidores brasileiros como para as empresas.”
Como prova de que a expectativa para o médio e o longo prazo é positiva, os bancos de investimentos continuam com suas áreas estruturadas para realizar ofertas públicas de ações. “Os bancos líderes em processos de IPO no ano passado estavam se preparando para isso desde o ano 2000”, diz o professor Ricardo Humberto Rocha, do Laboratório de Finanças da Fundação Instituto de Administração (FIA). Ele estima que, até o fim do ano, sejam realizadas no Brasil em torno de 35 aberturas de capital na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), com uma concentração maior no segundo semestre.
HISTÓRICO E LIQUIDEZ — O otimismo dos investidores, evidentemente, é acompanhado por um sentimento de cautela e um aprofundamento maior nas análises em relação a 2006 e 2007, anos considerados atípicos para o mercado de capitais. Se, no ano passado, houve espaço para operações menores e mais arriscadas, em 2008 a palavra liquidez ganha muito mais peso nas negociações. “Os investidores estão passando por um momento de indigestão, após terem assimilado um volume muito expressivo de IPOs no ano passado”, comentou José Olympio Pereira, diretor do banco de investimentos Credit Suisse, em seminário realizado pela agência de comunicação Máquina Finance em abril.
A chance de sucesso em um IPO diminuiu bastante para companhias avaliadas em até R$ 500 milhões, segundo especialistas. Mas operações de maior porte — a partir de R$ 1 bilhão —continuam atraindo atenções. As novatas que se arriscarem a estrear na Bovespa correm maior risco, justamente pela falta de histórico que demonstre solidez ao investidor. Neste momento de “pausa” do mercado, as operações de “follow on”, ou seja, de distribuição de ações por empresas já listadas em bolsa, têm se mostrado mais interessantes.
Na visão dos profissionais ouvidos pela CAPITAL ABERTO, as comparações com 2007 devem ser deixadas de lado, já que a grande liquidez internacional no período tornou aquele ano um ponto fora da curva. “Foi uma janela de oportunidade única ou, no mínimo, rara”, diz o professor Ricardo Humberto. Não é para menos. Registravam-se ofertas públicas primárias ou secundárias praticamente a cada dois dias, com preços bastante valorizados. Mesmo com as cotações já elevadas na largada, os investidores não continham a animação. A operadora de telecomunicações GVT, por exemplo, se valorizou 27,22% no dia do lançamento. A Anhanguera Educacional, 21,39%.
Já nas operações realizadas este ano, a Nutriplant inaugurou o Bovespa Mais, mercado de acesso da bolsa doméstica, com um preço da ação 28,5% inferior ao piso da faixa sugerida pelos bancos, que variava entre R$ 14,00 e R$ 18,00. Os papéis foram vendidos a R$ 10,00, e a companhia arrecadou R$ 21 milhões. A Hypermarcas, dona de pesos-pesados como Assolan, Zero-Cal, Etti e Gelol, foi a segunda empresa a ir ao mercado, também com preço abaixo do esperado: R$ 17,00, um desconto de 17% sobre os R$ 20,50 mínimos sugeridos inicialmente. A arrecadação inicial foi de cerca de R$ 700 milhões. No dia 28 de abril, as ações da Hypermarcas valiam R$ 15,53.
A Le Lis Blanc, controlada pela gestora de recursos Artesia (dona da Metalfrio), foi a última a abrir o capital, no dia 25 de abril. Teve de conceder um desconto de 40% em relação ao preço médio estimado depois de várias tentativas de ofertar suas ações na faixa prevista inicialmente, entre R$ 10,50 e R$ 12,50. Acabou vendendo a um preço inicial de R$ 6,75. Considerando os lotes extra e suplementar, a Le Lis conseguiu arrecadar R$ 169,4 milhões — prova de que o mercado está bastante receoso em relação à aposta em empresas sem tradição em bolsa ou com operações de valor abaixo de meio milhão de reais.
De qualquer forma, investidores e analistas vêem com bons olhos o fato de empresas como a Hypermarcas e a Le Lis Blanc terem ousado sair a mercado em abril, bem no meio da turbulência internacional. “Está todo mundo dizendo que tem operação e tem cliente. Falta só o mercado criar oportunidade”, afirma Felipe Claret, superintendente de registros da CVM.
MAIS RACIONALIDADE — A bem da verdade, a mudança no padrão de preços de 2007 para cá reflete um amadurecimento do mercado. A euforia das rápidas negociações de compra e venda deu lugar a investidores mais criteriosos nas análises, que buscam atribuir preços adequados. “O mercado puniu muito as empresas com pouca liquidez no ano passado. Agora, os mesmos ‘players’ estão mais seletivos”, diz o estrategista-chefe do Unibanco, Vladimir Pinto. Isso significa mais tempo para analisar com profundidade os números e as perspectivas reais de crescimento para a empresa. “Em 2007, as precificações estavam distorcidas. O ofertante que se agarrar aos níveis conseguidos no ano passado vai se equivocar”, diz Camila Goldberg, sócia do Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados, responsável pela área de mercado de capitais. Ela afirma que vários processos de IPO tiveram de ser interrompidos em razão do receio das companhias. Ainda assim, estuda fazer a oferta de ações do Banco Fibra no primeiro semestre de 2008.
Apesar de o mercado brasileiro ter se descolado parcialmente da crise internacional, o País não tem fôlego suficiente para dar conta de novas ofertas na Bovespa. Por isso, a dependência dos investidores estrangeiros — especialmente os grandes fundos — ainda é muito grande. Eles arremataram, em média, 70% das ações das empresas que abriram o capital no País no ano passado. Segundo a Bovespa, a participação dos estrangeiros nas ofertas públicas de ações em 2008, incluindo IPOs, representa 59,5% do total de
R$ 8,4 bilhões em ações distribuídas até 23 de abril.
Diante dessa perspectiva, desde o início de 2008, 19 empresas que estavam listadas na CVM suspenderam, ao menos temporariamente, suas ofertas de ações. Dessas, 11 seriam IPOs. “As empresas estão se utilizando ao máximo dos prazos previstos na Instrução 400 enquanto aguardam o cenário melhorar”, explica Felipe Claret. Somando o período de análise da CVM, os 60 dias úteis para os ajustes das empresas e as possibilidades de prorrogação, é possível permanecer quase seis meses na lista de ofertas em análise para abertura de capital.
PAUSA DE UNS, OPORTUNIDADE DE OUTROS — Quem pode se tornar atrativo para os investidores nessa fase são os fundos de private equity, observa Daniel Facó, do Machado, Meyer. “Vejo uma forte tendência para as operações com esses investidores, que podem resultar em IPOs neste ano ou no próximo”, diz ele. Como se viu nos últimos tempos, os gestores de private equity se aproveitam do bom momento do mercado de ações para se desfazer de parte ou da totalidade de seus investimentos a preços convidativos. Para Facó, a convivência com esses investidores consiste em uma etapa muito válida e educativa, que traz ganhos em governança corporativa para as empresas antes do efetivo lançamento em bolsa.
Em relação aos possíveis IPOs para este ano, alguns segmentos estão na mira de analistas e investidores e prometem conquistar atenção maior para suas ofertas públicas de ações. Aí se incluem o agronegócio e as empresas ligadas a commodities, consumo e infra-estrutura. E também existe espaço para as demais. “Pode haver boas histórias nos mais diversos setores”, diz José Eduardo Carneiro Queiroz, sócio do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr e Quiroga Associados. Quando o mercado está seletivo — ou, simplesmente, racional —, o sucesso ou não da operação só pode ser previsto caso a caso. Mas não era assim que deveria ser?
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