Beco sem saída?
Certificação digital emperra votação por procuração eletrônica e faz os prestadores de serviços repensarem seus sistemas

, Beco sem saída?, Capital Aberto

Era para ter sido fácil. Quando o paranaense Eduardo Lobato Salles comprou suas ações da Natura, há cerca de um ano, ele pensou que não teria dificuldades em enviar seu voto para a assembleia de acionistas que ocorreria neste ano. O jovem empresário, de 28 anos, veio de Londrina para São Paulo para participar do encontro inspirado nas assembleias-espetáculos da Berkshire Hathaway, de Warren Buffett, mas queria enviar sua procuração de voto antes, do conforto da sua casa, por meio do sistema eletrônico oferecido pela companhia. Doce ilusão. “Foram horas e horas de telefonemas, durante dois ou três dias, até o sistema estabilizar”, conta ele. O problema? A certificação digital exigida para a validação da procuração de voto. Burocrática, ela vem se revelando um entrave tecnológico para as assembleias online.

Salles usou o sistema Assembleia na Web, da consultoria de relações com investidores (RI) Firb, contratada pela Natura para prestar o serviço de envio eletrônico de procurações. A princípio, o investidor imaginou que poderia recorrer ao certificado digital já criado para a Assembleias Online, plataforma da MZ Consult, conforme sugestão da própria Firb. No entanto, ele descobriu que esse certificado, produzido pela Certisign Certificadora, servia apenas para assembleias de companhias usuárias do sistema da MZ. A fornecedora da Assembleia na Web, da Firb, é a Serasa Experian. Depois dos percalços para votar, Salles não teve dúvida: comprou logo uma ação da Eternit, cliente da Firb, para “amortizar” o tempo investido na obtenção do novo certificado.

O desfecho da saga do paranaense foi positivo. Persistente, ele foi até o fim e conseguiu votar para o encontro da Natura. Portador de um “número simbólico” de ações da fabricante de cosméticos e de outras companhias, Salles tem um gosto especial por frequentar as assembleias de acionistas — “é tão ou mais importante que o sufrágio universal”, diz ele. Só neste ano, participou de 13, presencialmente ou eletronicamente. Mas não há dúvidas de que esse é um caso raro. Na maioria das vezes, a dor de cabeça para votar eletronicamente faz o acionista parar no meio do caminho.

A Natura tem os números. Em sua assembleia deste ano, 100 acionistas entraram no ambiente digital criado pela Firb para enviar o seu voto. Desses, 29 preencheram a ficha de cadastro, 17 enviaram os documentos solicitados para obter a certificação digital e somente três conseguiram, de posse da assinatura digital, encaminhar sua orientação de voto — Salles era um deles, e os outros dois não compareceram ao evento. “Eu mesmo não consegui”, conta Moacir Salzstein, diretor de governança corporativa da companhia, responsável por pilotar o processo internamente. Seu plano é, para 2012, estudar a dispensa da certificação. “Me senti frustrado”, confessa. A Firb confirma a dificuldade. “O número de solicitações de auxílio foi superior ao número de votantes”, diz Arleu Anhalt, presidente da Firb.

O cenário decepciona, pelo segundo ano consecutivo. Em 2010, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) editou a Instrução 481 justamente para incentivar as companhias a criarem sites na internet em que investidores pudessem dar a sua voz. O objetivo era facilitar a participação de acionistas nas assembleias, que historicamente se consagram por seu esvaziamento. No primeiro ano, a adesão foi baixíssima. No segundo, quase nada mudou. Não dá para dizer que a certificação digital é a única responsável pelo fracasso. Mas, como se vê, em vez de facilitar, ela só tem atrapalhado os acionistas. Outras dificuldades com que se depararam os investidores foram a falta de portabilidade e a incompatibilidade dos sistemas em seus próprios computadores. E o que parece ser a constatação mais desanimadora: apesar dos problemas admitidos pelos próprios prestadores de serviços, é melhor não esperar por melhorias.

A dor de cabeça para votar eletronicamente faz o acionista parar no meio do caminho

A Serasa Experian, que fornece os certificados dos usuários da plataforma Assembleia na Web, da Firb, reconhece que poderia tornar a experiência de uso dos acionistas mais palatável. Seria possível investir na redução de etapas para a instalação do certificado nos computadores dos usuários e também ampliar a compatibilidade do sistema. No entanto, com a baixa adesão — são apenas 150 certificados emitidos até o momento —, fazer novos investimentos está fora dos planos. “Precisaríamos de uma sinalização de adoção massificada (do sistema) para aprimorar as interfaces e as plataformas”, reconhece Igor Ramos Rocha, presidente da unidade de identidade digital da Serasa Experian.

Enquanto a adesão aos ambientes eletrônicos não decola, medidas paliativas estão sendo adotadas. No primeiro ano de procuração eletrônica, os clientes da Assembleia na Web só conseguiriam instalar o certificado se fossem usuários de Windows XP. Neste ano, o leque de opções passou a incluir as versões Windows 7.0 e Vista. Os usuários de computadores Apple, porém, ainda ficam de fora do universo das assembleias virtuais. O formato não é aceito nem pelo Assembleias Online nem pelo Assembleia na Web. “Este ano registramos só dois casos de usuários Apple”, comenta, por e-mail, Tereza Kaneta, da MZ. A executiva informa que estão sendo feitos estudos para evolução do sistema.

No quesito portabilidade, outra decepção para os acionistas. Ao se submeter aos trâmites para obtenção de um certificado digital, muitos imaginavam que conseguiriam votar em qualquer plataforma de assembleia online. Ledo engano. A MZ informa que os certificados fornecidos pela Certisign só podem ser usados dentro da sua plataforma. Como é um sistema fechado, os clientes da Firb, cujos certificados são emitidos pela Serasa Experian, também ficam ilhados em seu ambiente de origem. Ou seja, para votar pelas duas plataformas, os investidores precisam renovar, anualmente, dois certificados digitais. Outra opção seria o acionista ter o ICP-Brasil, uma assinatura digital padrão aceita em todo o País. “Mas esse certificado tem um custo diferenciado e exige a presença física do usuário no momento da sua emissão”, explica Paulo Kulikovsky, da Certisign.

A celeuma é, no mínimo, curiosa. O sistema é alvo de críticas dos acionistas, que esperavam ter seu acesso às assembleias facilitado com a tecnologia. E a certificação digital tampouco é obrigatória pela regulamentação, conforme a CVM já manifestou publicamente. Contudo, esse é o único método de identificação dos acionistas com amparo legal, o que, para as companhias, significa segurança. Nenhuma delas gosta de pensar na hipótese de ter uma decisão de assembleia contestada devido à vulnerabilidade do meio online.

Para os provedores do serviço, o desafio é encontrar uma alternativa que seja menos burocrática e, ao mesmo tempo, suficientemente segura para dar conforto às companhias. A Firb pode ser a primeira a anunciar uma assembleia sem uso do certificado digital. Sua plataforma estaria pronta para operar com outros sistemas de identificação. “Basta uma companhia aceitar outro sistema”, observa Anhalt. O método poderia ser a combinação de login, senha e token — o que dispensaria o uso do certificado e daria maior portabilidade ao acionista, já que o voto poderia ser exercido a partir de qualquer computador com acesso à internet. A Serasa Experian, contudo, não acredita em mudanças no modelo atual. Abrir mão do certificado representaria, para as empresas, um risco que não valeria a pena correr. “Os bancos usam login e senha para oferecer acesso ao internet banking, mas, quando há qualquer fraude, são obrigados a assumir os prejuízos. O mesmo aconteceria com as companhias”, compara Rocha.

Uma manhã dedicada aos acionistas
Se o uso da plataforma eletrônica para envio de votos frustrou os planos da Natura, o mesmo não se pode dizer da sua assembleia. Pelo segundo ano consecutivo, a fabricante de cosméticos inovou ao transformar o encontro em um evento especial, dedicado aos acionistas pessoas físicas. Dessa vez, com a bênção de uma manhã ensolarada — cenário mais aprazível que o do ano passado, quando os visitantes chegaram à fábrica da companhia em Cajamar debaixo de chuva forte —, a Natura reuniu um total de 250 acionistas e mais 24 analistas da Apimec (este ano os associados da entidade também foram convidados para o evento).

Os preparativos começaram em dezembro. O diretor de governança, Moacir Salzstein, contratou uma empresa especializada para validar os endereços da sua base de 10 mil acionistas cadastrados na Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia (CBLC). De posse dos endereços atualizados e de 4.000 e-mails capturados pela empresa de mailing, enviou convites impressos e eletrônicos aos acionistas. Além disso, usou os serviços de um call center para esclarecer as mais variadas dúvidas sobre o evento — desde como votar até como usar o transporte fornecido pela Natura. A equipe fez também um trabalho de telemarketing ativo, ligando para os acionistas mais conhecidos. Nesse contato, os operadores reforçavam o convite para o evento e incentivavam o envio da procurações.

Quando os três principais acionistas — Luiz Seabra, Pedro Passos e Guilherme Leal — e o presidente Alessandro Carlucci sentaram-se no palco para a seção de perguntas e respostas, Maria Helena Nachif, consumidora assídua da marca e acionista, logo levantou o braço para esclarecer a dúvida que a afligia: “muitas vezes eu preciso de um produto para ontem, mas não consigo com a minha consultora, porque raramente ela tem estoque. Acabo comprando do concorrente, contra a minha vontade. Como acionista e consumidora, quero entender como vocês enxergam essa questão”, disse. Carlucci, por sua vez, citou o investimento em centros de distribuição mais ágeis, mudanças nos procedimentos dos pedidos das consultoras e o uso dos canais digitais como medidas em curso para amenizar o problema. Maria Helena adorou. “Quero poder usar mais a internet para comprar os produtos”, disse à CAPITAL ABERTO.

Questionado sobre seu envolvimento com a política, Guilherme Leal (vice-presidente na chapa de Marina Silva nas últimas eleições presidenciais) surpreendeu pela franqueza: “Espero não ter criado um problema para vocês todos (…). Não tenho vocação para o palanque, mas continuo achando que a política é fundamental (…). Ficaram umas pequenas feridas, saí um pouco machucado (da eleição), mas nada que eu não possa esquecer ou guardar”.

Terminada a assembleia, foi servido almoço aos acionistas, que depois seguiram para uma visita à fábrica. Carlucci, Leal e Passos se retiraram, mas Luiz Seabra, fundador da companhia, permaneceu no salão do encontro por mais meia hora. Foi cumprimentado por muitos, ouviu todos com paciência, distribuiu vários cartões de visitas e posou para fotos. Espirituoso e carismático, ele parecia gostar de estar ali, rodeado por uma pequena, mas entusiasmada, parcela dos seus milhares de sócios. (S.A.)


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