Atenção companhias!
Investidores menos tolerantes e novidades na regulamentação mudam as regras para as captações de recursos no mercado local

ed09_p030-033_pag_3_img_001Emitir títulos de dívida ou de capital para o mercado doméstico já não é mais como antigamente. Aliás, numa visão bem realista, sequer é preciso ir tão longe. Já não é mais como há poucos anos ou, até, como há um par de meses. Uma série de mudanças na regulamentação, nos códigos de auto-regulação e na mentalidade dos investidores transformou os paradigmas que até então norteavam as ofertas de títulos. Na nova ordem prescrita pelos principais agentes do mercado, questões como eqüidade de direitos, liquidez, dispersão do capital, prestação de contas, governança corporativa e, claro, transparência, assumem papel inédito nas estratégias de captação de recursos.

Empresas como Natura, ALL Logística e Gol, em fase de preparativos para lançar suas ações na Bolsa, são exemplos dessas mudanças. Mais do que apresentar boas projeções de resultados futuros e uma sólida estrutura de negócios, elas têm o desafio de provar aos investidores que vêm em busca de parceiros para a sua expansão. Aqui leia-se parceiro como substituto do simples provedor de recursos, típica figura do investidor que aplica parte de suas poupanças em ações preferenciais e, dali em diante, passa a ser um mero expectador do desempenho da companhia. Não pode opinar na gestão, não tem poder de voto ou nenhuma outra chance de influenciar o destino das cotações das ações e dos dividendos que almeja.

Para convencer os investidores de que são diferentes, elas optaram por abrir o capital no Novo Mercado ou no Nível 2, segmentos da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) mais exigentes no tratamento dos acionistas. Carimbadas com estes selos, elas pretendem conquistar aplicadores determinados a não reviver experiências como a deflagrada recentemente pela Ambev. “O caso fez aumentar o interesse pelas ordinárias entre os investidores”, afirma Rodrigo Magelo, gestor da Arx Capital. Ele se refere ao descontentamento dos acionistas minoritários da companhia após o anúncio da transferência do controle da cervejaria para a belga Interbrew. As ações preferenciais sofreram forte baixa porque a empresa não estendeu a todos os acionistas minoritários o direito de vender ações para os belgas. Preferiu seguir à risca o que está na Lei das S.As e conceder esse direito apenas para os detentores de ações ordinárias (com direito a voto).

A operação repercutiu tão mal que os papéis preferenciais chegaram a cair mais de 30% nas duas semanas que se seguiram à venda. A Ambev providenciou às pressas um programa de recompra das ações PN para segurar as cotações e detalhou os benefícios da operação para os minoritários, mas as medidas não foram suficientes para reverter as perdas. “O que aconteceu com os acionistas da Ambev serviu para os investidores lembrarem que empresas em formação, como é o caso de todas as que se preparam para abrir capital nos próximos meses, podem passar por uma mudança de controle em algum momento no futuro”, diz Alexandre Barreto, advogado do escritório Souza Cescon, de São Paulo. “Comprar papéis preferenciais de uma Petrobras, que, sabemos, não terá uma alteração de controle nos próximos anos, é diferente de adquirir uma ação de Natura, em pleno processo de desenvolvimento”, afirma Barreto.

LIQUIDEZ EM PAUTA – Outra característica das novas emissões de títulos é uma preocupação com o pós-venda. Em outras palavras, com as condições que o investidor terá para negociar seus papéis no mercado secundário depois de comprá-los. No Novo Mercado, as empresas são obrigadas a garantir que, no prazo de até dois anos, pelo menos 25% do seu capital esteja em circulação no mercado. Para forçar também uma dispersão da base acionária, a Bolsa exige que pelo menos 10% dos papéis emitidos sejam oferecidos a pessoas físicas.

A Companhia de Concessões Rodoviárias (CCR), empresa que mantém a concessão de cinco rodovias no país e foi a primeira a se listar no Novo Mercado, se prepara para uma emissão de R$ 300 milhões em novas ações que tem por objetivo a aquisição de três novas concessões de grande porte (uma federal, uma estadual paulista e uma já explorada). Para conseguir a pulverização dos papéis, fechou um acordo com 24 corretoras e as incumbiu de dar especial atenção aos investidores individuais. Segundo Líbano Barroso, diretor de relações com investidores da CCR, foi determinada uma reserva de 20% da oferta para esses aplicadores, que poderão investir quantias de R$ 2 mil a R$ 300 mil.

“A preocupação em atrair a pessoa física ajuda a diminuir os problemas de liquidez”, afirma Roberto Roma, superintendente de mercado de capitais do BankBoston. Roma lembra a importância de tornar o mercado de ações atraente ao investidor acostumado à renda fixa. “Comprar um papel de 10 anos, sem um mercado secundário, é uma decisão restrita a quem pensa em projetos de longo prazo, como a aposentadoria”, reforça o executivo do BankBoston. Os investidores pessoas físicas respondem, atualmente, por 29% dos negócios realizados na Bovespa. É mais do que os investidores institucionais (28%) e do que os estrangeiros (27%).

“As empresas estão conscientes da necessidade de trabalhar visando a liquidez do mercado”, diz Maria Helena Santana, superintendente de relações com empresas da Bovespa. Ela fala com a propriedade de quem comanda um programa intensivo de visitas e de convencimento das empresas com potencial para serem abertas. Só entre o segundo semestre do ano passado e fevereiro deste ano, 100 empresas foram visitadas pela equipe da Bovespa.

A preocupação com a liquidez deverá ser a tônica também de algumas emissões de dívida corporativa. Na Instrução 404, que criou a debênture padronizada, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) requer que as companhias contratem um formador de mercado para esses títulos. Conhecidos como market makers, os formadores de mercado são corretoras contratadas para manter ofertas firmes de compra e venda para os papéis.

TRANSPARÊNCIA COMEÇA NA OFERTA – A abertura de informações ao mercado é mais um ponto que promete fazer a diferença nas novas emissões. Na Instrução 400 lançada em fevereiro, que disciplina as ofertas públicas de títulos, a CVM requer que os prospectos redigidos para vender os títulos sejam mais detalhados e transparentes, dotados de uma análise cuidadosa da administração sobre o negócio e dos fatores de risco que possam ter alguma influência sobre a decisão de compra dos papéis. O mesmo está previsto na regulamentação do Novo Mercado, que também requer prospectos aptos a abrir o jogo sobre os riscos envolvidos.

Na emissão da ALL Logística, concessionária de ferrovias, essa realidade ficou evidente. A companhia tinha uma restrição à conversão da totalidade do seu capital em ações ordinárias prevista no contrato de concessão que impedia sua entrada no Novo Mercado (ver matéria à página 36). Mas os riscos decorrentes dessa restrição estavam detalhados no prospecto, para quem quisesse ver. Ali a companhia mencionava inclusive que, na pior das hipóteses, pode perder a concessão por não estar adequada às condições previstas no edital.

Para as empresas que decidam abrir o capital, a transparência exigida logo na largada será um quesito permanente em sua trajetória no mercado de capitais. A CVM lançará em breve a minuta da reforma da Instrução 202, que define as exigências para atribuição de um registro de empresa aberta. Nela, a CVM propõe que as companhias passem a divulgar trimestralmente a Demonstração do Fluxo de Caixa (DFC) junto com o balanço, hoje não obrigatória, e que apresentem um relatório da administração no modelo norte-americano chamado de Management Discussion and Analysis (Md&A) – uma análise detalhada da evolução dos resultados nos anos anteriores e dos fatores de risco aos quais a companhia está submetida.

No regulamento do Novo Mercado, a Bovespa também exige a divulgação trimestral da DFC. É necessário ainda que a companhia apresente suas demonstrações contábeis conforme as normas norte- americanas ou internacionais, ou ao menos reconciliadas com base nesses padrões. Operações com partes relacionadas ou com ativos dos acionistas controladores e executivos da companhia devem ser divulgadas amplamente ao mercado.

CONDUTA SOB VIGILÂNCIA – A atenção dada pela Bovespa às operações com partes relacionadas e conduzidas por controladores e executivos aparece também nas novas regras da CVM para as ofertas de títulos previstas na Instrução 400. Pelo regulamento, todos os envolvidos nas distribuições de títulos – controladores e executivos da companhia emissora, bancos intermediadores, auditores e consultores – devem prestar contas de informações que possam dar margem a conflitos de interesses e se abster de negociar papéis da empresa durante todo o processo da emissão. Os intermediadores passam a ser co-responsáveis pelas informações reveladas nos prospectos.

O nível de abertura das informações ao mercado promete fazer a diferença nas novas emissões de títulos

Mas não só de obrigações são feitas as novas regras do jogo para as emissões. Em meio à seqüência de mudanças que visam atender à demanda dos investidores por mais proteção, surgiram algumas facilidades e instrumentos mais modernos que podem favorecer o sucesso das operações. A Instrução 400 trouxe novidades como os programas de emissão – que concedem às companhias um prazo de dois anos, após a concessão do registro da operação, para a distribuição dos papéis –, a distribuição de lotes suplementares de títulos em caso de comprovada a demanda do mercado (green shoe) e mecanismos para estabilização de preços durante a oferta. “São estratégias responsáveis e necessárias”, diz Ricardo Magalhães, gestor de renda variável do Mellon Global Investment, administradora de recursos independentes com sede no Rio de Janeiro.

A burocracia também diminuiu. O processo de registro ainda é lento, é verdade. Mas o que antes da Instrução 400 durava em média 120 dias corridos acontece atualmente em, no máximo, 70 dias úteis. Período necessário para que uma empresa apresente material de venda, prospecto e estudos societários, e espere a análise da CVM. Se o título em questão for uma debênture padronizada, o período de análise é menor. Depois de passar por uma análise prévia da Bovespa, prevista para não consumir mais de 10 dias, a emissão segue para a CVM, onde conseguirá o registro em até cinco dias.

Em resumo, a máquina está melhor preparada para receber a esperada retomada das emissões este ano e os investidores estão munidos de um discurso afiado em favor das boas práticas de governança corporativa. No caso das emissões de ações, depois de um longo período de pasmaceira, as companhias que desembarcam no mercado cumprem o papel de mostrar o caminho a ser percorrido daqui em diante. Cada passo está sendo observado de perto por intermediadores financeiros, possíveis futuros acionistas (individuais e institucionais) e também por empresas já abertas interessadas em captar recursos novos no mercado. Eis a hora de o mercado conferir, na prática, os efeitos da nova política.


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