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As cartas estão na mesa
Após quase um ano de mandato, governo Lula começa a dar o tom da nova política do Estado como acionista de grandes grupos privados nacionais

, As cartas estão na mesa, Capital AbertoPassados cinco anos da privatização das telefônicas e oito das elétricas, o governo ainda mantém forte presença no capital privado nacional. Tal participação manteve-se silenciosa durante o mandato de Fernando Henrique Cardoso, presidente que conduziu o processo de privatização e colocou o governo ao lado dos grupos empresariais que adquiriram as ex-estatais, seja como minoritário, seja como participante dos blocos de controle compostos por acordo de acionistas.

Agora, sob a gestão de Luís Inácio Lula da Silva, o Estado começa a dar sinais de que será mais atuante em suas relações societárias com a iniciativa privada. Dois passos importantes nessa direção foram anunciados recentemente por representantes de estatais e algumas mudanças mais sutis foram sentidas dentro dos conselhos de administração de empresas nas quais o Estado participa ao lado de investidores privados.

Em meados de novembro, o BNDES anunciou sua volta ao bloco de controle da Cia. Vale do Rio Doce por meio da compra da participação de 8,5% de ações do Investvale (fundo de investimento dos funcionários da Vale) na Valepar, holding que controla a mineradora. O BNDES havia saído em 2002, quando o Investvale comprou com financiamento do próprio banco as mesmas ações, segundo um acordo feito na época da privatização, em 1997.

Com a operação, a presença de instituições estatais e para-estatais (controladas indiretamente pelo governo) dentro da Vale aumentou significativamente. Os fundos de pensão Previ (funcionários do Banco do Brasil), Petros (funcionários da Petrobrás), Funcef (Economiários Federais) e Funcep (Caixa Econômica) passaram a controlar, junto com a BNDESPar, 60,52% do capital votante da Valepar. Além disso, o governo ainda é dono de uma ação “golden share”, que lhe dá direito de veto em algumas matérias.

Os motivos apresentados pelos representantes do BNDES geraram muita polêmica, com críticas do mercado e até de representantes do governo. “Temos uma preocupação geral de preservar o controle de empresas estratégicas em poder dos brasileiros. Essa é uma posição do governo”, disse Fabio Erber, diretor de indústria e crédito do BNDES durante entrevista à imprensa para anunciar a operação da Vale. Com presença mais expressiva na companhia, o governo está apto a impedir uma eventual venda do bloco de controle para sócios estrangeiros. Na entrevista, Erber também disse que, na visão do banco, a maior presença do BNDES no governo abre a possibilidade de ajudar a Vale a formular planos que contemplem seus interesses empresariais e os interesses do Brasil.

Governo ainda é o maior acionista da bolsa

As empresas estatais – federais, estaduais ou municipais, sem considerar os fundos de pensão – são donas, diretamente, de 11,44% do valor de mercado da bolsa brasileira, conforme estudo realizado pela Economática. Ao todo, estão presentes em 47 companhias e são as maiores acionistas do mercado.

Só a União Federal possui 6,37% do valor de mercado total da amostra analisada (que compreende as 254 maiores empresas da bolsa). Nessa conta, pesa a participação na Petrobrás. Em seguida, vem a Itaúsa Investimentos com 2,78%. A Previ tem disparada a liderança quando a classificação é pela quantidade de empresas em que cada grupo participa. A Previ detém participações em 30 companhias e é seguida pela BNDESPar, com 11.

As 254 empresas da amostra possuem um valor de mercado total de R$ 429,67 bilhões, calculado em 29 de julho. Foram consideradas na pesquisa somente as posições acionárias superiores a 5% das ações com direito a voto.

Como foram computadas somente as participações diretas, a posição do governo e de instituições para-estatais é, na verdade, maior do que a revelada pelo estudo. Previ, Petros e BNDES compõem indiretamente o capital de um número grande de companhias por meio de fundos de investimentos como o CVC/Opportuntiy ou de empresas de propósito específico criadas durante as privatizações. Somadas as participações da Previ e da Petros, o número de companhias nas quais o governo é dono de parte do capital sobe para 82.

Ainda segundo o estudo, houve uma pequena redução da participação do governo e de instituições estatais na bolsa de 1999 até o final de 2002. As estatais passaram de uma posição de 16,95% para 11,44%. Já na Previ a redução foi bem menor, de 1,30% para 1,19%.

Para Fernando Exel, presidente da Economática, essa redução se deve principalmente às campanhas de uso do FGTS para a compra de ações da Petrobrás e Vale do Rio Doce que estavam na carteira do governo.

Dias antes do anúncio da operação com ações da Vale, o BNDES e a Previ se uniram para destituir o banco Opportunity, do banqueiro Daniel Dantas, da administração do fundo CVC/Opportunity Equity Partners L.P, que participa do controle da Brasil Telecom. O fundo de pensão vinha tendo atritos com o Opportunity, acusado de irregularidades na gestão. Só agora, com o apoio do BNDES, conseguiu força para destituir o Opportunity. Até então, o BNDES mantinha-se neutro na questão e não expressava seu apoio à estratégia da Previ de destituir o gestor do fundo.

Em resposta à Capital Aberto, a diretoria do BNDES informou, por meio da sua assessoria de imprensa, que o fato de algumas participações terem valor estratégico na visão do novo governo para o desenvolvimento do Brasil, como é o caso da Vale, justifica uma participação mais ativa do banco no conselho de administração. Ressalvou, contudo, que a operação não se trata de uma reestatização. A intenção, afirmou, foi evitar que uma empresa estrangeira, no caso a japonesa Mitsui, alcançasse 25% de participação e passasse a ter direito de veto em algumas decisões. Já em relação ao Opportunity, o BNDES afirmou que a decisão não teve um viés ideológico, como no caso da Vale. Tratou-se de uma questão isolada, que exigia medidas específicas., As cartas estão na mesa, Capital Aberto

MERCADO TEME INTERVENCIONISMO – Mesmo acreditando que a presença maciça de instituições estatais na Valepar não é suficiente para ter o controle total – já que para algumas decisões é necessária a concordância de 75% do conselho –, a operação aumentou o temor do mercado de que o governo assuma uma postura intervencionista no capital privado. “Existe uma postura explícita do novo governo de intervir mais nas participações privadas e o mercado está preocupado. Mas a dúvida é se essa é uma posição do governo como um todo ou apenas do BNDES”, afirmou Marcelo Mesquita, chefe da área de pesquisa do banco UBS. Mesquita criticou a operação de compra de ações da Vale, que acredita ser prejudicial tanto para a empresa quanto para o banco. “Essas ações poderiam ser pulverizadas no mercado para aumentar o free-float da companhia”, disse.

MAIS CONVERGÊNCIA – Sem alarde, as mudanças na postura do governo estão sendo sentidas em outras empresas nas quais ele participa, ainda que indiretamente. É o caso da Guaraniana, holding que controla as distribuidoras de energia Celpe (Pernambuco), Cosern (Rio Grande do Norte) e Coelba (Bahia), e da qual Previ e Banco do Brasil são os principais acionistas, além da espanhola Iberdrola. A Previ detém 49% do capital total da Guaraniana, a Iberdrola 39% e o Banco do Brasil o restante.

Segundo uma fonte da empresa, houve uma maior convergência entre BB e Previ nas decisões, depois da eleição de Lula. “No passado, a visão dos dois sócios era muito divergente, o que já não acontece mais”, disse a fonte. Além de ser patrocinada pelo Banco do Brasil, que tem o voto decisório (voto de Minerva) na tomada de decisões, a Previ sempre teve forte influência de representantes de esquerda escolhidos pelos associados, que tinham ligações com o PT. Com a eleição de Lula, a Previ passa a ser mais homogênea e a trabalhar mais alinhada com o governo.

Essa maior convergência pode ser importante no futuro, numa possível decisão de sair ou não do capital da companhia. As duas instituições afirmaram oficialmente no passado estarem dispostas a vender suas ações, por se tratar apenas de um investimento financeiro.

“Houve uma evolução com a troca de governo e está havendo um maior diálogo entre as partes”, admitiu Sérgio Rosa, presidente da Previ, referindose aos parceiros BNDES e Banco do Brasil. O executivo nega, contudo, que a posição do BNDES no caso do Opportunity represente uma mudança na postura do governo depois da troca de presidente. “A situação com o Opportunity era muito grave e não tinha outra alternativa.”

Para Brasilio Salum Júnior, coordenador de pósgraduação em sociologia da Universidade de São Paulo (USP), a maior atuação federal nas participações privadas será focada em alguns setores vinculados a esferas do governo mais nacionalistas.

“O novo governo é muito heterogêneo. Enquanto na área econômica a atuação é ainda mais conservadora que na gestão passada, em segmentos como o BNDES há um impulso mais intervencionista.

Também não acredita que o critério para a escolha das empresas nas quais haverá uma atuação mais ativa nos conselhos seja o fato de as lideranças do PT terem se oposto à privatização dessas companhias. “Temos que lembrar que esse governo pensa diferente do PT antes das eleições.” Salum se referia principalmente à Telemar, cuja venda foi uma das mais polêmicas e criticadas pelo PT.

O governo tem forte presença no controle da empresa. Só a BNDESPar detém 25% do capital votante da Telemar Participações. A Previ, a Petros e a Sistel (fundo de pensão dos funcionários do antigo Sistema Telebrás) participam através da Fiago – a qual engloba outros fundos de pensão e detém 19,9% do capital votante da companhia. O Banco do Brasil também participa da Telemar, com 10% das ações com direito a voto.



PARTICIPAÇÃO ESTATAL CONTINUA FORTE – Por meio de participações diretas e indiretas, o governo ainda é um dos principais acionistas das companhias brasileiras de capital aberto (ver ilustração).

Só a Previ tem 368 assentos em conselhos de administração e fiscal de 95 companhias (com mais de um conselheiro em algumas delas). Ao todo, participa do capital de 165 empresas, sendo que em cerca de 10 – neste grupo estão algumas das empresas mais importantes do País – detém o maior bloco de ações ordinárias. A BNDESPar não fica atrás. Está presente no capital de mais de 100 empresas. Em algumas, como Telemar e Vale do Rio Doce, faz parte do bloco de controle.

Na maioria dos casos, a presença do governo em uma mesma empresa se dá por meio de mais de uma instituição estatal ou para-estatal, aumentando ainda mais seu poder dentro dos conselhos.

Como a Vale do Rio Doce tem participações relevantes em outras empresas – entre elas a Caemi e a Usiminas –, a maior presença do governo no seu conselho de administração poderá ter impacto multiplicador. No dia da aquisição das ações, o BNDES afirmou também que pretendia aumentar seu poder em decisões estratégicas como a alienação ou manutenção dos investimentos em controladas. Referiase aos planos da siderúrgica francesa Arcelor de adquirir as ações da Vale na Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST), maior exportadora de placas de aço do mundo.


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