Arma para os minoritários
Impedimento de voto do controlador em situações de conflito de interesses se instala na agenda de advogados e investidores

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Ficou para trás o tempo em que bastava ser dono para mandar e desmandar em uma companhia aberta. Atualmente, dependendo da matéria, deter o poder econômico — ou ao menos a maior parte dele — pode indicar justamente o contrário: ter de abrir mão da possibilidade de decidir. Essa tendência se delineou de forma mais expressiva após a sinalização dada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), no ano passado, em resposta a consulta da Tractebel. Na ocasião, o voto da GDF Suez, controladora da Tractebel Energia, foi barrado na deliberação sobre a compra da Suez Energia Renovável, outra de suas controladas. O argumento era que não seria possível um controlador votar de acordo com os interesses das minorias estando nas duas pontas da operação: de um lado, ele queria obter o melhor preço de venda do ativo; do outro, efetuar a melhor compra. Até então, a própria CVM indicava que o conflito de interesses deveria, primeiramente, se materializar para, então, impedir o voto do acionista. Mas a postura mudou, e o mercado agora quer ver a mesma interpretação da CVM em situações futuras.

A primeira a usar a munição dada pela CVM foi a Previ. O fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil queixou-se na autarquia sobre a Usiminas, companhia da qual detém 5,8% do capital total. A empresa convocou assembleia-geral para mudar o critério de avaliação de suas ações em casos de reembolso dos acionistas. A proposta era substituir o valor econômico, obtido a partir de laudo de avaliação, pelo valor do patrimônio contábil. A matéria foi aprovada, mas com abstenção da Previ. A fundação argumentou que o grupo de controle — composto de Nippon Steel, Votorantim, Camargo Corrêa e Caixa dos Empregados da Usiminas — deveria ter se isentado de votar por força de um conflito de interesses.

O conflito, nesse caso, baseava-se em uma suposição: a de que a mudança do critério de apuração do valor das ações tinha como objetivo facilitar alterações no bloco de controle que seriam de interesse do controlador. Há meses, especulações nesse sentido circulavam pelo mercado. Dentre elas, a expectativa de entrada da Gerdau no bloco de controle, através da compra das atuais participações da Votorantim e da Camargo Corrêa, e o interesse do empresário Benjamin Steinbruch, controlador da CSN e atual minoritário da Usiminas, pela parte que a Caixa dos Empregados detém. A lei prevê, no artigo 137, que os acionistas têm direito de se retirar da companhia (e de serem reembolsados) em casos de fusão ou incorporação por outra empresa. Procurada, a Usiminas não se manifestou sobre o assunto. A Previ aguarda avaliação do órgão regulador sobre a votação. E avisou que “adotará as providências cabíveis para proteger seus interesses como acionista minoritária”.

Favorável ou não à Previ, o caso da Usiminas evidencia que o posicionamento da CVM sobre conflitos de interesse do controlador entrou no radar dos minoritários. Outro episódio que poderá ajudar a compor a jurisprudência sobre o tema é a entrada da Portugal Telecom (PT) no capital da Oi, também em análise na CVM. A operação foi viabilizada através da venda de participação dos controladores e de um aumento de capital de mais de R$ 8 bilhões nas empresas do grupo (Telemar Participações e Tele Norte Leste Participações), conforme anunciado em janeiro. A entrada da PT na Oi é interessante para a companhia. A empresa portuguesa é uma sócia estratégica com larga experiência. Mas gerou desconforto o fato de os próprios controladores terem deliberado a venda de suas participações e as condições do aumento de capital. Investidores viram aí um conflito: os donos da companhia ganharam uma bolada ao vender parte de suas ações e, portanto, estariam mais propensos a tolerar um aumento de capital fortemente diluidor. Ao passo que aos minoritários restaria apenas a chance de acompanhar a capitalização para não serem diluídos. Reginaldo Alexandre, presidente da Apimec-SP, acredita que o mesmo entendimento da Tractebel caberia ao caso Oi.

Segundo a CVM, não é o caso de pressupor que todo contrato entre o controlador e a companhia envolve conflito formal

A CVM assegura que as situações de abstenção de voto por conflitos de interesse do controlador serão analisadas caso a caso. Para Otávio Yazbek, diretor da autarquia, não se deve pressupor que todo contrato entre o controlador e a companhia envolva conflito de interesses formal, aquele que não precisa ser materializado para existir. Não seria mais preciso esperar a pauta ser aprovada, e os danos comprovados. Bastaria caracterizar o duplo interesse do acionista em uma operação para questioná-la.

A mudança é tão significativa que não é difícil imaginar o mesmo argumento sendo aplicado por minoritários em inúmeras outras situações. Assembleias para alterações nas cláusulas de dispersão acionária (poison pills) que eventualmente criem benefícios ao controlador e prejuízos financeiros aos minoritários também poderiam ser enquadradas nessa hipótese de conflito, por exemplo. Outra possibilidade levantada por advogados é ainda mais ampla e corriqueira: qualquer tipo de contrato com partes relacionadas ao controlador estaria sob o mesmo chapéu do caso Tractebel.

“Todo mundo trabalha com a ideia de que a CVM adotará igual entendimento em outras situações”, afirma o advogado Erasmo Valladão França, apesar de sua posição contrária à da CVM. “A lei não proíbe o voto em situação de conflito formal”, completa. Outro advogado contrário ao entendimento da CVM torce para que o caso Tractebel não abra tantos precedentes quanto se imagina. “A criação desse tipo de regra pode inviabilizar a gestão pelo controlador”, diz. Seu argumento sustenta que deve haver proporcionalidade entre o poder que o controlador detém e o poder que ele exerce.

CRUZANDO INFORMAÇÕES — O entendimento da CVM sobre o caso dos controladores da Tractebel criou uma outra celeuma. Por ter sido configurada uma situação de conflito formal, alguns advogados passaram a defender a necessidade de revisão do Parecer de Orientação 35. Os dois posicionamentos seriam, segundo eles, contraditórios.

Alvo de muitas discussões desde sua criação, o Parecer 35 é específico para as situações de incorporação de controladas. Sua principal sugestão é a criação de comitês independentes para negociar a operação. As recomendações desses comitês devem ser enviadas ao conselho de administração que, por sua vez, as encaminha para aprovação numa assembleia sem restrições de participantes. Ou seja, apesar de negociarem a fusão ou a incorporação entre controlada e controladora, os donos do controle não estão obrigados a se abster de votar na assembleia.

No parecer, a CVM afirma que o controlador pode votar porque foi criado um regime especial pela Lei das S.As. de proteção às minorias nessas situações. De fato, a redação original da lei, de 1976, previa a criação de normas especiais que garantiam aos minoritários um amplo direito de recesso. Entretanto, no texto em vigor, alterado em 2001, o termo “normas especiais” virou “normas previstas” e, hoje, o direito de recesso é válido apenas para os casos em que a companhia não tem liquidez ou dispersão acionária suficiente.

Os defensores da revisão do Parecer 35 argumentam que o artigo 264 não prevê mais — ou pelo menos não em todos os casos — as tais compensações diferenciadas para o acionista minoritário prejudicado com o voto conflitado do controlador. “Não há qualquer particularidade ou tratamento especial ao minoritário que ainda justifique a interpretação de que o controlador pode votar por conta das compensações outorgadas aos minoritários”, defende a advogada Norma Parente, ex-diretora da CVM. Na mesma linha segue Luiz Leonardo Cantidiano, sócio do escritório Motta, Fernandes Rocha. Apesar de entender que o conflito de interesses se verifica posteriormente, ou seja, quando é materializado, o advogado acredita que as posições da CVM no Parecer 35 e no caso Tractebel (companhia da qual é conselheiro) são conflitantes. “Não entendo porque num caso pode votar e no outro, não”, questiona. “Embora o Parecer 35 trate apenas das operações de incorporação, toda vez que há impedimento formal o mesmo entendimento deveria prevalecer”, considera.

Os que vêem contradição entre o Parecer 35 e a recente decisão da CVM prevêem, inclusive, que a compra de controladas por controladoras perca atratividade. Os assessores legais passariam a recomendar apenas fusão, incorporação, ou incorporação de ações, que têm o mesmo efeito econômico e permitem o voto em assembleia do detentor do controle. Apesar das críticas, a CVM descarta a possibilidade de revisar o Parecer 35. Quando a orientação foi dada ao mercado, as alterações do artigo 264 estavam em vigor, sugerindo que o entendimento da autarquia contempla as mudanças. “Não há nada na pauta para voltarmos a discutir o assunto”, avisa Otávio Yazbek, diretor da autarquia.

Divergentes ou não, formais ou materializados, os casos de conflito de interesse apontam para uma saída em comum: o bom senso. Na avaliação do advogado Calixto Salomão Filho, tradicional defensor da existência do conflito material, é preciso desenvolver uma cultura legal baseada não apenas em princípios jurídicos. “A abstenção deve ser uma regra jurídica, mas também ética. Se é o seu interesse que está em jogo, saia.”


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