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Algemas neles
Punições para quem usa informações privilegiadas para negociar ações se tornam mais severas em todo o mundo

, Algemas neles, Capital AbertoA vida dos gananciosos está cada vez mais difícil. O número de mercados em que negociar ações com uso de informação privilegiada é crime não para de crescer. Em janeiro de 2011, a prática conhecida como insider trading tornou–se um delito passível de detenção de até sete anos na Rússia. Doze meses depois, foi a vez de os nossos vizinhos argentinos caminharem nessa direção, por meio de uma lei que prevê prisão de até quatro anos para os infratores. E a lista pode engrossar se a União Europeia aprovar uma medida que criminaliza o insider trading nos 27 países do bloco econômico. A proposta da Comissão Europeia foi apresentada no fim do ano passado e está em análise pelo comitê de assuntos econômicos e monetários do Parlamento Europeu. A ideia é que a regulamentação reforce e atualize o arcabouço legal para proteger os investidores. Atualmente, esse regime é dado pela Diretiva 2003/6/CE, que estabelece linhas gerais para o combate ao insider trading e à manipulação de mercado (conceito que inclui, por exemplo, a divulgação de informações enganosas e a emissão de ordens com o objetivo exclusivo de alterar preços, sem executá–las). Mas ela dá flexibilidade para que os 27 Estados membros estabeleçam, a seu critério, penas e sanções. Em países como Reino Unido e Alemanha, o insider trading pode levar os infratores à cadeia; em vários outros, não. Alguns apenas tipificam como crime as transações feitas pelos chamados insiders primários (os administradores das companhias abertas), deixando de fora os secundários (como profissionais de bancos de investimento, gestores de recursos, advogados e demais prestadores de serviço).

Toda essa diversidade vem dificultando o combate ao mau uso de informação privilegiada no continente. A saída encontrada para aumentar a credibilidade dos mercados europeus é unificar o tratamento e a legislação sobre o tema. A proposta busca, inclusive, reforçar o poder de fiscalização e punição dos órgãos reguladores. Eles poderão ter autorização judicial para acessar gravações telefônicas, documentos e dependências privadas quando houver indício de infração. Haverá ainda a exigência de que os países protejam as testemunhas e os participantes de programas de delação premiada, além de estabelecerem regras que incentivem as denúncias.

Outros pontos em discussão são a ampliação do escopo do insider trading e da manipulação de mercado monitorados. Hoje não entram no radar as transações feitas nos mercados de balcão e outras plataformas que não as bolsas, mas com importância crescente. Após a aprovação da regulamentação pelo Parlamento Europeu, os países membros terão dois anos para colocá–la em prática.

CLAMOR MUNDIAL — A tendência de criminalizar o insider trading é mundial. Vai dos Estados Unidos, onde a pena máxima é de 20 anos de prisão, à Nova Zelândia, que, desde 2008, pode encarcerar os espertalhões por até cinco anos. “As legislações que tratam de insider trading endureceram ao longo do tempo e tenderam a seguir o modelo norte–americano”, observa o advogado Renato Ximenes, do escritório Mattos Filho.

Mas não foram somente os Estados Unidos — onde até celebridades como a apresentadora de TV e empresária Martha Stewart podem parar atrás das grades pelo delito — que inspiraram a adoção de leis mais duras. As regulamentações estão convergindo para um aperto maior também por orientação da Iosco, associação de órgãos reguladores de mercados de capitais do mundo todo, que colocou o tema entre suas prioridades. São dois os aspectos levados em conta para coibir a prática de insider: a punição e a prevenção. Esse segundo ponto é atendido por meio da exigência de transparência às transações realizadas por administradores de companhias abertas e do estabelecimento de políticas de negociação.

Por trás do cerco aos insiders está, além da necessidade de revitalizar a credibilidade dos mercados de capitais — algo especialmente importante em momentos de crise como o atual —, o reconhecimento do quão danosa é essa artimanha. “Os países com leis mais restritivas desestimulam a prática de insider trading”, avalia o advogado e professor do Insper Plinio Shiguematsu. E, na visão de especialistas, a possibilidade de encarceramento funciona melhor como desincentivo a desvios do que punições financeiras. “Pessoas de um nível social elevado digerem bem a ideia de serem rés num processo civil por perdas e danos, pois conseguem se justificar para seus amigos. Mas ser réu num processo criminal, com chance de ser preso, é algo bem menos palatável”, diz o advogado José Marcelo Martins Proença, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e da Universidade de São Paulo (USP), que dissertou sobre o tema no seu doutorado.

Para ele, a legislação brasileira acertou em cheio ao tornar a negociação com informações privilegiadas um crime, em 2001, por meio da Lei 10.303. Até agora, tivemos apenas uma condenação criminal devida a insider trading. Em 2011, foram condenados em primeira instância da Justiça Federal dois administradores de companhia aberta, acusados de terem movimentado American depositary receipts (ADRs) da Perdigão, em 2006, sabendo que a Sadia faria uma oferta para aquisição de sua concorrente, mas antes de esse fato ser divulgado ao mercado. Luiz Gonzaga Murat Júnior, ex–diretor de relações com investidores da Sadia, recebeu sentença de um ano e nove meses de reclusão; e Romano Ancelmo Fontana Filho, ex–membro do conselho de administração da companhia, foi condenado a um ano e cinco meses de reclusão. Ambas as penas foram substituídas por prestação de serviços à comunidade. No entanto, os réus recorreram da sentença, e ainda não há decisão final. Era réu no mesmo processo Alexandre Ponzio de Azevedo, ex–superintendente de empréstimos estruturados do ABN Amro, banco assessor da operação. Mas ele foi excluído da ação penal por sua participação no caso ter sido menor e por ter se disposto, de antemão, a prestar serviços comunitários.

Outro caso em curso na esfera criminal envolveu o controlador, a esposa e quatro executivos da Randon, que negociaram ações da empresa e de sua controlada Fras–Le antes de ser anunciada a entrada de um sócio estratégico na subsidiária, em 2002. O controlador Raul Anselmo Randon e sua esposa Nilva Therezinha Randon foram absolvidos. Eles se beneficiaram de uma regra que reduz pela metade o prazo para prescrição do crime quando o réu tem mais de 70 anos. Já o processo contra os demais executivos continua na Justiça.

CONDENAÇÃO DIFÍCIL — As dificuldades de se provar o crime e os trâmites tradicionalmente extensos e demorados da Justiça fazem com que se pergunte o quão efetiva é a criminalização do insider trading. Não há estudos conclusivos sobre isso, mas a resposta parece estar na eficácia da aplicação das normas. Uma pesquisa publicada em dezembro de 2011 pela Universidade de Auckland, na Nova Zelândia, sugeriu não haver nenhum benefício concreto da lei que criminalizou o uso indevido de informações privilegiada no país. Desde sua entrada em vigor, em fevereiro de 2008, até o fim do ano passado, segundo os autores, a lei não havia sido usada. “Como em toda a regulamentação, o que faz a diferença é o enforcement”, avalia Alexandre Di Miceli da Silveira, especialista em governança corporativa e professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP (FEA–USP).

No Brasil, a maioria absoluta das sanções a insiders se dá na esfera administrativa, sob a responsabilidade da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Nem sempre a autarquia, porém, consegue transformar as suspeitas em provas concretas. Mesmo quando o colegiado da CVM decide condenar os acusados, há espaço para reversão do processo no Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN, também conhecido como “Conselhinho”), que costuma arrastar por anos os desfechos (veja infográfico na página 21). Logo, faz sentido a queixa de que, no País, a coerção às vezes é branda demais. Todavia, é consenso entre profissionais do mercado que a fiscalização da CVM vem se tornando mais efetiva e mais célere. Em 2004, transcorriam em média quatro anos e quatro meses entre a detecção de um fato supostamente irregular e o julgamento. Atualmente, o tempo médio de um inquérito levado a cabo pela autarquia é de 11 meses. “Não há aumento dos ilícitos, mas houve um desenvolvimento do combate a eles”, afirma Alexandre Pinheiro dos Santos, procurador da CVM.

Contribuíram para isso também os convênios assinados pela autarquia com a Polícia Federal (PF) e o Ministério Público Federal (MPF). A parceria com o MPF, em vigência desde 2008, permite que até a CVM atue como assistente de acusação em um processo criminal e facilita o bloqueio judicial de ativos dos suspeitos. O acordo com a PF, de 2010, possibilita aos dois órgãos compartilhar provas obtidas e dá agilidade para que os policiais cumpram mandados de busca e apreensão de documentos.

Outra ferramenta à disposição da CVM são os acordos firmados com os acusados. Muitos dos processos administrativos iniciados pela CVM foram arquivados com a assinatura de termos de compromisso. Apesar de não presumirem culpa, esses acordos também são entendidos como mecanismos de coerção, pois neles os acusados podem se comprometer a pagar um valor superior ao de uma multa (que não pode passar de três vezes o montante supostamente obtido com a negociação indevida). Trata–se de uma alternativa que pode ser mais rápida e eficiente para a CVM e para o acusado. Dependendo da repercussão do caso, o termo pode servir de exemplo para o mercado, pois o público tem acesso às acusações e às condições acordadas. E, mesmo que a investigação se encerre na esfera administrativa, ela pode prosseguir de forma independente em processos criminais e civis.

Não faltam iniciativas e ideias de combate ao insider trading. É possível que, num futuro não tão distante, novas facetas da vertente punitiva venham a surgir por aqui. “Passamos por ondas de sofisticação no nosso mercado”, salienta o advogado Carlos Lima, sócio do escritório Pinheiro Neto. Para ele, uma nova “onda” poderá vir a ser a inclusão de incentivos à denúncia de crimes na legislação brasileira. Eles estão em voga nos Estados Unidos e no Reino Unido, que recentemente tornaram a delação conhecida como “whistle blowing” obrigatória em alguns casos — alguém que descobre um ato ilícito e não o denuncia às autoridades competentes pode ser enquadrado. Como sempre, o difícil será fazer a lei funcionar.


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