Além do custo de capital
Estudo da Stern Stewart mostra que menos de uma dezena de empresas criaram valor para seus acionistas nos últimos dois anos. Para as que pretendem virar o jogo, uma nova gestão de resultados é o primeiro passo

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Basta ter início uma temporada de apresentação de balanços ou um abalo mais forte na bolsa para que muitos aplicadores reflitam sobre se possuem em suas carteiras ações de empresas compromissadas em gerar valor para os acionistas. Alguém pode perguntar se este não deveria ser um compromisso de todas as empresas com ações negociadas em pregão. Naturalmente, os executivos e controladores das companhias de capital aberto se esforçam para maximizar o valor dos recursos investidos na empresa. Mas, como mostra um levantamento da consultoria americana Stern Stewart, não tem sido fácil ter um negócio no Brasil que remunere todas as despesas de produção e operação e, mais do que isso, supere os custos de capital e de dívida.

Em estudo realizado com exclusividade para a Capital Aberto, realizado a partir de uma base de 73 companhias pertencentes ao IBX, a Stern Stewart mostra que apenas oito empresas conseguiram, em 2003, gerar um lucro operacional suficiente para pagar os custos do capital obtido com terceiros e daquele empregado pelos acionistas. Em 2002, somente sete haviam realizado a mesma proeza. Em um país de risco elevado e taxa de inflação crescente nos últimos anos, economia paralisada e poucos incentivos ao crescimento dos negócios, não deu outra. Foi um desafio e tanto obter resultados que efetivamente agregassem valor aos acionistas.

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O conceito de valor adicionado, batizado pela Stern Stewart de EVA e, por outras consultorias de Value Based Management (VBM), pressupõe uma relação positiva entre resultado e custo de capital. Por essa metodologia, o resultado somente adiciona valor efetivo ao acionista quando é capaz de remunerar o seu custo de oportunidade – pagando o retorno mínimo esperado em função do risco assumido – e o custo dos empréstimos obtidos com terceiros. Caso contrário, a empresa não terá oferecido a seus “proprietários” nenhum lucro extra além do que seria obtido com ativos financeiros de risco semelhante.

É bastante comum empresas lucrativas pelo método tradicional de contabilidade não gerarem valor. Aliás, é o caso de praticamente todas as companhias que, conforme o estudo, tiveram os maiores prejuízos sob o conceito EVA em 2003. A Telesp Operacional, por exemplo, que apresentou um lucro líquido de R$ 1,6 bilhão ano passado, gerou perdas de R$ 2,5 bilhões a seus acionistas quando levado em conta o custo de capital (ver tabela).

 

Claro que o EVA positivo deve ser encarado como uma meta dos gestores da companhia e não como um resultado a ser alcançado necessariamente todos os anos. Há fases de investimentos elevados em que o EVA precisa ser descartado temporariamente em favor de um retorno maior no futuro. No longo prazo, contudo, EVAs sistematicamente negativos são um forte indicador de que as coisas não vão bem., Além do custo de capital, Capital Aberto

No Brasil, a dificuldade das companhias em obter retornos que superem o custo de capital é peculiar. No mercado norte-americano, por exemplo, em 2002, 44% das 1000 maiores empresas listadas no mercado de ações alcançaram EVAs positivos, segundo a Stern Stewart. Aqui, as poucas que conseguiram o mesmo feito no ano passado foram Petrobras, Souza Cruz, Fosfertil, Caemi, Lojas Americanas, Tele Centro Oeste Celular, Randon Participações e Ferbasa. Em 2002, também estavam na lista companhias como Embraer, Confab e Ambev – esta última a pioneira na adoção do EVA como indicador interno para definição de metas e avaliação de desempenho no Brasil.

 

Os investidores mais curiosos podem se perguntar sobre as lições extraídas do bom resultado das empresas com EVA positivo em 2003. Existem muitas. Essas companhias, segundo executivos financeiros e de relações com investidores, são exemplos de organizações administradas, cada uma a seu estilo, por eficientes métodos de gestão. “Para se tornar uma empresa que gera valor real para os acionistas é necessário acompanhar o desempenho do negócio através de uma medida completa de rentabilidade”, diz Luis André Blanco, diretor financeiro da Tele Centro Oeste Celular (TCO). “A empresa deve apresentar um resultado operacional suficiente para pagar o, Além do custo de capital, Capital Abertos juros dos empréstimos e cobrir o retorno esperado pelo acionista.” Outra estratégia de empresas com EVA positivo é desenhar todo o planejamento – análise de alternativas, execução, monitoramento e recompensa – privilegiando a maximização da criação de valor para o acionista. Ou seja, todas as decisões, até as de curto prazo, devem levar em conta o desempenho de longo prazo. As organizações precisam ainda contar com sistemas de remuneração que recompensem os colaboradores através de métricas idênticas de criação de riqueza, e, por último, disseminar a cultura de criação de valor para todos os níveis organizacionais da companhia. Isso significa dizer que as corporações precisam treinar os funcionários para que compreendam como suas ações individuais são importantes e afetam os resultados da empresa e a remuneração dos acionistas.

 

Mas o ano passado não foi fácil para ninguém. A expectativa de crescimento da economia se reverteu em queda do PIB e isso exigiu que as equipes de executivos rebolassem para dar conta dos negócios. De modo geral, saiu-se melhor quem guiou suas de- cisões pelos benefícios no longo prazo. “Na Souza Cruz e em outras empresas com EVA positivo o interesse dos gerentes e dos acionistas caminharam juntos. No nosso caso, conseguimos manter uma política consistente de remunerar os acionistas com recursos da operação não necessários à gestão ou à expansão dos negócios”, diz Antônio Duarte Castro, diretor de tesouraria e relações com investidores da Souza Cruz. A companhia tem também destacado histórico de pagamento de dividendos, uma forma de levar o valor adicionado diretamente para o bolso acionista ao invés de reaplicá-lo no próprio negócio. O dividend yield – a relação entre o dividendo distribuído e o valor das ações da companhia – era de 14,1% em 2003. Praticamente o dobro do apurado em 1997, embora menor que o pico de 2000 (27,5%).

Graças a essa política, a Souza Cruz distribuiu o equivalente a 103% do seu lucro em dividendos no ano passado. O lucro líquido foi de R$ 769 milhões, enquanto a distribuição de dividendos alcançou R$ 789 milhões no período, Além do custo de capital, Capital Aberto. Detalhe: a empresa não pára de investir no aumento de sua produção e na modernização das plantas. Este ano, pensando em reduzir custos e obter ganhos de produtividade, a Souza Cruz inicia a expansão do complexo industrial de Cachoeirinha, no Rio Grande do Sul. Para lá serão transferidos o centro de pesquisa e desenvolvimento e a fábrica de embalagens que hoje funcionam no Rio de Janeiro. Até 2009, o projeto consumirá R$ 312,4 milhões.

Quem também prevê investir sem comprometer a geração de valor para os acionistas é a Petrobras. Estão programados R$ 24,329 bilhões de investimentos totais este ano. O dinheiro será gasto na aquisição de bens destinados às atividades de pesquisa e lavra de jazidas de petróleo e gás natural no Brasil e na conversão de navios e plataformas em unidades de produção. A Fosfertil também pretende investir pesado nos próximos 24 meses. A companhia, cuja geração de valor dobrou de 2002 para 2003, vai investir R$ 280 milhões no aumento de sua capacidade produtiva. A empresa vai ampliar as unidades de Catalão, de Tapira e de Uberaba. Em 2003, a Fosfertil e sua controlada Ultrafertil tiveram receita líquida consolidada recorde de R$ 1,875 bilhão, portanto quase 33% mais que em 2002. O lucro líquido consolidado foi de R$ 327,1 milhões. Segundo Luiz Antonio Bonagura, diretor de administração, finanças e relações com o mercado da Fosfertil/Ultrafertil, os resultados refletiram o crescimento da produção agrícola brasileira e o aumento dos preços das matérias-primas no mercado internacional.

Inflação e Risco Brasil foram os maiores entraves à criação de valor

Tornar um negócio lucrativo a ponto de remunerar os custos do capital próprio e de terceiros é uma missão especialmente complicada no Brasil. Principalmente em anos de pressão inflacionária, como foram os mais recentes. Além de ampliar o encargo do endividamento em moeda local, a inflação interfere no custo de capital próprio, uma vez que está refletida no Risco Brasil.

Por custo de capital próprio entenda-se uma série de indicadores mínimos de rentabilidade a serem superados. Indicadores esses que simbolizam o que o mercado costuma chamar de custo de oportunidade. Em outras palavras, o retorno que seria possível obter aplicando-se o mesmo dinheiro em ativos de risco equivalente ao do negócio da companhia. Na fórmula criada para expressar o tal custo de oportunidade, inclui-se a remuneração de um ativo livre de risco, mais a de um título atrelado ao Risco Brasil e, ainda, a valorização esperada para ações de companhias com perfil semelhante (o chamado risco do mercado acionário). Para que o EVA seja positivo, o lucro da companhia precisa ser maior do que o retorno proporcionado por esses três ativos.

Pensando-se nos componentes do custo de oportunidade e nos cenários de 2002 e 2003, fica fácil entender porque tão poucas companhias conseguiram adicionar valor a seus acionistas. Muito pouca coisa ajudou. Além da inflação, o Risco País chegou a estratosféricos 2 mil pontos. Nos cálculos da Stern Stewart, a conta do custo de oportunidade é feita sob a ótica do investidor estrangeiro. O que significa dizer que o ativo livre de risco é o título do Tesouro norte-americano e que o risco de mercado é o retorno histórico da bolsa do mesmo país. Com a previsão de alta dos juros nos Estados Unidos, pode-se imaginar que transpor os custos de capital será ainda uma tarefa mais árdua caso o Risco Brasil não ajude com uma trégua.

Neste cenário, há outros obstáculos para a conquista de um EVA positivo. Quanto maior o capital empregado, por exemplo, mais alto o seu custo e, portanto, mais difícil a missão de superá-lo com resultados opulentos. Esse desafio fica nítido no estudo da Stern Stewart. As empresas que estão no final da lista e que geraram os maiores prejuízos para seus acionistas em termos de EVA são, na maioria, companhias de elevado capital investido. É o exemplo da Vale do Rio Doce que, apesar de fortemente lucrativa do ponto de vista contábil, fechou 2002 e 2003 com prejuízos próximos a R$ 2 bilhões quando o custo de capital foi incluído na conta.

O peso do capital no cálculo do EVA faz necessárias, inclusive, algumas ressalvas. Considerando-se apenas os valores nominais, Vale e Eletropaulo deram prejuízos semelhantes a seus acionistas em 2003 pelo conceito de valor adicionado. Mas, feita uma ponderação pelo capital, de R$ 31 bilhões no cálculo do EVA da Vale e de R$ 9 bilhões no da Eletropaulo, o prejuízo da Vale fica proporcionalmente menor. As perdas da mineradora equivaleram a 6% do capital ao passo que, na Eletropaulo, esse percentual é de 18%.

E quando o capital é gigantesco, são precisos muitos bilhões de reais em resultado para agregar valor ao acionista. Foi o caso da Petrobras, que triplicou o seu lucro operacional após impostos de 2002 para 2003, saindo de R$ 6,6 bilhões para R$ 18,8 bilhões. O crescimento no resultado foi obtido sem um esforço de capital nas mesmas proporções . o capital passou de R$ 64 bilhões para R$ 87 bilhões . o que permitiu à Petrobras encabeçar a lista dos melhores EVAs em 2003. No ano anterior, contudo, a companhia tinha dado um prejuízo a seus acionistas de R$ 5,4 bilhões pelo mesmo critério.

Com tantas adversidades no caminho, a Stern Stewart recomenda às companhias uma busca constante de melhoria de EVA, ainda que essa progressão transite na faixa dos números negativos por alguns anos. “Diminuir o EVA negativo é uma forma de criar valor”, afirma Peter Jancso, consultor da Stern Stewart. Uma vez adotada a metodologia do valor adicionado como referência de desempenho, o objetivo passa a ser bater o custo de capital a cada ano. E para que isso realmente aconteça, o primeiro passo é uma adaptação de cultura da empresa, de seus acionistas, funcionários e todos os envolvidos com a operação para a nova medida de lucro. “É preciso haver essa consciência de que o capital custa, principalmente o próprio”, afirma José Guilherme Souza, também consultor da Stern Stewart. Mais um motivo para executivos brasileiros continuarem em busca de soluções engenhosas de gestão.

Mas nem só de uma boa execução dos investimentos vivem as empresas com EVA positivo. Como no ano passado subiu bastante o custo da dívida, em função da inflação elevada, as organizações tiveram que dar atenção especial ao seu endividamento. “Por isso, temos reduzido fortemente a dívida líquida consolidada da empresa que, no ano passado, fechou em R$ 822 milhões e já foi reduzida para R$ 328,3 milhões no primeiro trimestre deste ano”, diz José Roberto Pacheco, gerente financeiro e de relações com investidores da Caemi. “Reduzir a dívida, significa cortar custos com o capital de terceiros, o que favorece o retorno para quem confia na empresa e compra nossas ações.”

De acordo com previsões de Roberto Martins, diretor financeiro das Lojas Americanas, a companhia quer expandir a rede este ano, obter geração de caixa para pagar dividendos e também reduzir sua dívida. Nas Lojas Americanas, a implantação do EVA como referência para o sistema de gestão, em 2001, conduziu a uma otimização da estrutura de custos e a uma melhor performance dos produtos vendidos. Desde então, foi aprimorada a administração da relação estoque e fornecedor e adequada a estrutura de capital da companhia.

Este último ponto, aliás, faz toda a diferença na geração de resultados que efetivamente agreguem valor. Uma estrutura equilibrada de capital, com uma composição entre dívida e ações adequada às necessidades e oportunidades de crescimento da companhia, é o primeiro obstáculo a ser transposto para um EVA sustentável. Depois dele, é indispensável uma atividade efetivamente rentável, capaz de remunerar o capital investido, mesmo em companhias nas quais esse aporte de capital é gigantesco pela própria natureza da atividade. No Brasil, especialmente nos últimos anos, esse tem sido um desafio à parte. E para poucos.


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