Raramente o título de um livro se encaixa como o mote para uma resenha. Mas a força desse dito popular simplesmente afugenta qualquer outro candidato, além de exprimir o sumo da própria obra com grande objetividade. Essa feliz escolha de título faz jus ao ambicioso projeto editorial. Tratase de uma coleção de textos elaborados por um ilustre grupo de 23 colaboradores, sobre variados aspectos relacionados às empresas familiares. Nesse grupo heterogêneo identificamos consultores na área de transição familiar, advogados, membros de conselho de administração e até headhunters.

Inicialmente, o fio condutor entre cada texto não transparece de forma óbvia. Parece faltar a amálgama que uniria as partes do todo. Talvez um agrupamento dos temas em capítulos ressaltasse mais os assuntos cobertos. Mas uma revisão a posteriori esclarece o papel de cada um deles na composição final.

A partir de um aquecimento sobre os testes de liderança a que membros da família com potencial para serem gestores devem ser submetidos, a obra passeia por conceitos tão diversos quanto governança corporativa e formação dos herdeiros. Além disso, cobre outros aspectos relevantes como a profissionalização da gestão, a atração de sócios externos e os compromissos com eles, e, finalmente, os aspectos jurídicos da sucessão e a resolução de conflitos. Ao final, é possível compreender a amplitude pretendida pela obra: cobrir a complexidade das interações entre família (criador), empresa (criatura) e patrimônio (riqueza).

É interessante observar o ângulo a partir do qual cada autor enxerga a empresa familiar. Há reflexões psicológicas (complexidade da relação pai-empresário/ filho-herdeiro), considerações sobre processos típicos de consultorias (modelos de governança familiar) e discussão de aspectos jurídico-societários sobre partilha, herança e conflitos entre sócios. Essa riqueza de pontos de vista ajuda a colorir o mosaico de interações do ambiente das famílias empresárias. Por fim, após sorver um pouco do íntimo das empresas familiares, a realidade nos convida à reflexão. Vivemos tempos desafiadores e, se podemos encontrar um aspecto positivo da crise, este é a abertura para revisitarmos nossos modelos mentais e paradigmas. Não vai longe o tempo em que a configuração de governança consagrada era centrada em gestores profissionais com acionistas pulverizados.

Vale a pena olhar para o setor bancár io no mundo e traçar uma linha demarcatória entre as empresas com e as empresas sem “dono”. De um lado, instituições globais com incentivos desalinhados e mecanismos de controle de risco inadequados (para ser polido). De outro, famílias com vocação banqueira, estruturadas de maneira moderna e com grande capacidade de mesclar talento e liderança. É inescapável concluir que, em alguns negócios, o olho do dono não só engorda o boi, como também não o deixa fugir e nem ficar doente.

Acontece nas melhores famílias – Repensando a empresa familiar
Marcelo Melo e Paulo Lucena de Menezes (org.)
Editora Saraiva e Virgília
443 páginas
1ª edição – 2008
*Peter Jancso é professor da Business School São Paulo e sócio da Jardim Botânico Partners