A um clique da assembleia
Instrução 481 da CVM acirra concorrência entre consultorias que oferecem sistema de voto por procuração eletrônica

, A um clique da assembleia, Capital Aberto

Cansada de não conseguir reunir quórum suficiente para a realização de assembleias, a fabricante de telhas e caixas d’água Eternit resolveu recorrer à tecnologia. Contratou a plataforma de votação eletrônica Assembleia na Web para facilitar a participação dos seus 7 mil acionistas pulverizados. Desenvolvida pela Financial Investor Relations Brasil (Firb), a ferramenta foi lançada em dezembro de 2008 e só depois da divulgação da Instrução 481, da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) conseguiu conquistar, em janeiro, seu primeiro cliente. Além de exigir a divulgação de uma série de informações antes da assembleia, a instrução determina que a empresa que não oferecer um sistema na internet para apresentar e receber pedidos de procuração de acionistas reembolse, integral ou parcialmente, as despesas de quem divulgar esses pedidos por conta própria. A finalidade é estimular a adoção de meios eletrônicos.

A Eternit fez uma promoção para estimular a adesão de seus acionistas à plataforma de votação

A Eternit até criou uma promoção para os acionistas. Sob o pretexto de comemorar seus 70 anos, vai patrocinar a emissão do certificado digital — necessário para garantir a integridade e a autenticidade do voto — das primeiras mil pessoas que se cadastrarem na plataforma no primeiro ano. Cada certificado custa R$ 10 e vale por 12 meses, mas geralmente ele não é cobrado. As companhias costumam bancar os custos que o acionista tem para usar a plataforma. Mais do que presentear os acionistas, portanto, a campanha serve para estimular os registros na plataforma.

, A um clique da assembleia, Capital AbertoSegundo Rodrigo Lopes da Luz, assessor de relações com investidores (RI) da Eternit, mais da metade dos acionistas da empresa reside fora do estado de São Paulo, sede da companhia, — onde deve ser organizada a assembleia, por força da Lei das S.As. “Com a adesão à votação eletrônica, aprimoramos o nível de governança corporativa da empresa e ainda ficamos em sintonia com a 481”, comemora Luz. O código de melhores práticas do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) incentiva as companhias a usar tecnologias como assinatura eletrônica e certificação digital para emitir procurações eletrônicas. Além disso, recomenda que disponibilizem agentes de voto para receber as procurações dos acionistas e votar de acordo com as orientações recebidas.

A companhia pode desenvolver uma solução própria. O importante é garantir a autoria e a integridade das procurações

Estimuladas pela 481, a Triunfo Participações e Investimentos (TPI, concessionária de rodovias, energia elétrica e portos) e a construtora EZTec também se tornaram usuárias de plataformas de procurações eletrônicas este ano. Mas preferiram a do concorrente. Juntaram-se à Totvs e à Bematech no hall de companhias cadastradas no Assembleias Online, oferecido pela MZ Consult. A Natura, apesar de ter usado o sistema da MZ em 2009, este ano está migrando para o Assembleia na Web. Sua próxima assembleia, prevista para 6 de abril, já usará a plataforma da Firb. Por estar em período de silêncio em decorrência da publicação de balanço financeiro, a companhia não concedeu entrevista para explicar os motivos da troca.

Há mais de um ano no ar, o Assembleias Online conta com 550 investidores cadastrados. Destes, 74% são fundos nacionais e pessoas físicas e 26%, fundos estrangeiros. Denys Roman, CEO do Assembleias Online, acredita que esse número possa aumentar substancialmente com a chegada de novas companhias neste ano. “Hoje, temos 40 empresas avaliando a contratação do serviço. Nessa mesma época de 2009, eram apenas três.” Segundo o executivo, as companhias que tiverem interesse em contratar a ferramenta podem testá-la gratuitamente em sua próxima assembleia-geral. “Depois disso, conseguimos montar uma proposta de contrato, levando em conta o número de procurações geradas”, diz Roman.

DIFERENÇA NOS DETALHES — Para escolher qual sistema contratar, as companhias devem atentar às minúcias. O Assembleias Online e o Assembleia na Web — principais fornecedores do serviço no Brasil — são muito parecidos. Basicamente, ambos são portais disponíveis na internet, que possibilitam aos acionistas consultarem os materiais da assembleia (edital, manual, documentos enviados à CVM, dentre outros) e votarem remotamente sobre as ordens do dia. Esse voto gera uma procuração eletrônica, confeccionada de acordo com as instruções do usuário e com poderes específicos e limitados para o voto de cada encontro.

A integridade, a autenticidade e a confidencialidade do voto são garantidas por um mecanismo de certificação digital. No Assembleias Online, a autoridade certificadora é a Certisign; no Assembleia na Web, são as parceiras Serasa Experian e Comprova. Ambas reconhecidas e com vasta experiência no mercado. No entanto, caso o acionista possua outro certificado no padrão ICP Brasil (Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira) — utilizado, por exemplo, na Receita Federal —, não há necessidade de fazer um novo.

A decisão de contratar uma plataforma ou outra pode ficar, então, por conta do preço e das condições oferecidos no contrato. No Assembleia na Web, a companhia pode solicitar o serviço para a realização de uma única assembleia. No Assembleias Online, o cliente deve fazer um contrato anual, contemplando um determinado número de encontros que imagina fazer ao longo do ano. “Não tem como em um mês a companhia incentivar a participação dos seus acionistas por meio do voto eletrônico e no outro não ter mais essa possibilidade”, explica Roman, do Assembleias Online. Arleu Anhalt, presidente da Firb, pondera que as empresas precisam ter liberdade. “Como uma companhia contrata três assembleias no ano se nem ela sabe se irá fazer três?”, questiona.

Certificação digital não é obrigatória. A Bowne oferece sistema com apenas login e senha

Nessa balança pode pesar, também, o relacionamento que as consultorias possuem com seus clientes. Hoje, a Firb atende cerca de 40 companhias abertas, enquanto a MZ, 240. Ana Cristina Carvalho, diretora de RI da TPI, atribui a escolha do Assembleias Online à relação de confiança com a MZ, que presta serviços para a Triunfo desde a abertura de capital. “Não chegamos sequer a conhecer outra plataforma.”

Advogada alerta para os riscos de não ter a certificação. Em caso de fraude a companhia terá que provar sua inocência

O Assembleias Online e o Assembleia na Web também se diferenciam na forma como realizam a validação dos documentos enviados pelo acionista para a adesão à plataforma. A MZ mantém uma equipe interna, treinada pelos seus parceiros (Certisign e Tauil & Chequer Advogados), para verificar se a documentação enviada para obtenção do certificado digital e acesso à plataforma está correta. Na Firb, toda a papelada é encaminhada para a Serasa Experian/Comprova e o escritório Madrona Hong Mazzuco Advogados (MHM), que fazem a checagem. “Achamos que seria melhor cada um ficar responsável na plataforma pelo seu core business”, diz Anhalt.

Os dois serviços têm ainda suas peculiaridadesno que se refere ao modelo de representação adotado. Enquanto no Assembleia na Web advogados do MHM representam as procurações geradas pelo sistema, no Assembleias Online isso é feito por um administrador da companhia, como permite a Lei das S.As. “Preferimos deixar a função da representação a cargo dos profissionais designados pela empresa e que, portanto, assumem um compromisso direto com ela”, destaca Roman. No entanto, Byung Soo Hong, sócio do MHM, observa que a “representação por pessoas sem vínculos com a companhia dá mais independência ao processo”.

O Assembleias Online contratou a Ernst & Young para revisar anualmente seu ambiente de controles internos. Segundo Henrique Oliveira, sócio da área de sistema de informação da Ernst & Young, são avaliados nessa auditoria quesitos como privacidade, confidencialidade, segurança, disponibilidade e integridade do processo. O objetivo é que, em breve, o Assembleias Online obtenha o selo internacional WebTrust, que assegura que a plataforma é 100% confiável.

No Assembleia na Web, o processo de auditoria foi realizado após o desenvolvimento da plataforma e pode ser refeito a qualquer momento, assegura Anhalt. Porém, como não realiza procedimentos como validação de documentos e emissão de certificado dentro de casa, a Firb delega a auditoria desses procedimentos a cada um dos parceiros. A Comprova e a Serasa, por exemplo, por serem autoridades de registro, são regularmente auditadas pelo Instituto de Tecnologia da Informação (ITI), órgão do governo federal vinculado à Casa Civil.

CUSTOMIZAÇÃO — Apesar de os produtos da Firb e da MZ serem, hoje, as plataformas de votação eletrônica mais difundidas no mercado, nada impede que a companhia desenvolva seu próprio sistema. A CVM, em ofício circular sobre a Instrução 481, diz apenas que a empresa deve adotar “qualquer mecanismo que assegure a autoria e a integridade das procurações por meio eletrônico e que seja admitido como válido pelas partes envolvidas”.

Nos próximos meses, a RIWeb, braço de serviços para RI do grupo Comunique-se, deve apresentar ao mercado uma solução de voto por procuração eletrônica. Apesar de o projeto estar em fase incipiente, Rodrigo Azevedo, presidente da consultoria, adianta que não pretende lançar um sistema único para todas as companhias, como fazem os concorrentes. “Assim como cada empresa faz a reunião na sua sede, com características próprias, queremos trazer essa customização para as plataformas de voto”, afirma.

De acordo com Marcos Barbosa Pinto, diretor da CVM, nem mesmo o processo de certificação digital é obrigatório. A Bowne do Brasil fornece um sistema com apenas login e senha para a submissão de procuração.
Se preferir, a empresa pode adicionar um token — como os usados no banco — para aumentar o nível de segurança. “O importante é que a companhia tenha como assegurar que as procurações são verdadeiras”, ressalta o diretor.

A advogada especialista em direito digital Patricia Peck alerta para os riscos de um sistema dotado somente de login e senha. Ela entende que, caso ocorra um incidente de fraude ou alegação de falsa identidade, caberá à companhia comprovar sua inocência, uma vez que teve responsabilidade pelo desenvolvimento da plataforma. “Já usando um certificado digital há inversão do ônus da prova. O acionista é quem deverá provar que houve fraude”, explica.

O investidor pode argumentar que a utilização do seu certificado para assinatura da procuração eletrônica ocorreu de forma ilícita, sem sua autorização ou conhecimento. Mas, nessas situações, a jurisprudência é clara. A culpa é sempre daquele que falhou na guarda de sua assinatura digital. No caso, o próprio acionista que deixou que seu certificado, por descuido, fosse usado por outra pessoa. Por isso, Patricia avalia que uma assembleia só precisaria ser anulada — devido ao recebimento de uma procuração eletrônica assinada digitalmente e considerada falsa — se o resultado da deliberação tivesse sido decidido pela diferença de um voto. “Caso contrário, não há necessidade de segunda convocação.”

Procurações eletrônicas têm limitação

A Instrução 481 abriu as portas para a mobilização de investidores minoritários, mas mostra que há uma assimetria de informações entre administradores da companhia e acionistas que formulem propostas concorrentes. As críticas já começam a surgir no mercado. Dos pontos levantados, constam a lista de acionistas — a companhia sabe a posição acionária de cada um, mas os demais acionistas não — e o fato de os administradores terem acesso às procurações dos minoritários antes da assembleia (ver Espaço Regulamentação na pág. 62). Isso provavelmente os beneficiaria, já que saberiam se sua proposta está em vantagem ou desvantagem em relação à do concorrente.

Marcos Pinto, diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), avalia esse descompasso como natural. É apenas mais uma situação, dentre muitas outras, em que o administrador tem mais informações do que os acionistas justamente por ser o responsável pela companhia. “Existe, na própria legislação, uma presunção de que os administradores conhecem mais o negócio”, explica. No caso dos pedidos públicos, essa “vantagem” se traduz no fato de o administrador poder acompanhar a chegada de todas as procurações, ao contrário dos minoritários. Mas os prestadores de serviço que oferecem plataformas eletrônicas para a outorga das procurações podem ajudar a reduzir essa assimetria.

No Assembleias OnLine, os administradores só têm acesso às procurações dos minoritários quando é encerrada a votação na plataforma. Como isso acontece, de modo geral, com um ou dois dias de antecedência, sobra pouco tempo para a empresa tirar proveito dessa informação. O Assembleia na Web não tem um mecanismo nesse sentido. Mas o presidente da Firb, Arleu Anhalt, afirma que, caso a companhia demande algo do gênero, há a possibilidade de o sistema ser adaptado. (Luciana Tanoue, com colaboração de Yuki Yokoi)


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