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A realidade da desgovernança
Ranços culturais impedem que produtos da moda encontrem seu lugar na legislação brasileira

Parece inevitável que, de tempos em tempos, surjam temas que capturem nosso imaginário. Todos se convencem, finalmente, de ter encontrado aquele detalhe que faltava ajustar para o mercado de capitais brasileiro deslanchar de uma vez por todas.

Apenas para ficar no passado mais recente, quem não se lembra das discussões sobre os direitos das ações preferenciais, ou sobre a conveniência de se retirar, e depois de se voltar a reconhecer, o direito dos minoritários a uma parcela do prêmio de controle?

Agora, o detalhe da moda atende pelo nome de governança corporativa. Pretende-se mudar a lógica da relação controlador-minoritário, dando maior participação na condução da empresa aos minoritários. É só mudar a lei! Não é simples?

Temos tendência em nosso país a achar que a lei pode mudar os fatos. Trata-se de uma contradição curiosa. De um lado, é comum a crítica de que no Brasil as leis não são cumpridas. De outro, parece normal dizer que essa ou aquela norma “não pegou”, como se algumas leis (as que “pegam”) mereçam ser cumpridas, e outras (as que “não pegam”) possam ser desconsideradas.

Quando se aceita que certas leis podem “não pegar” fica fácil elaborar normas de cumprimento impossível. Mas, com isso, se torna muito fácil sugerir mudanças irreais na lei. No final das contas, se a lei mudar, e a realidade for outra, a lei “não pega”.

Um bom exemplo disso é a norma da Constituição de 1988 tabelando os juros em 12% ao ano. Trata-se de regra totalmente afastada dos fatos. Sobra para o Judiciário, que vive diariamente a realidade, a obrigação de não dar eficácia à norma.

Esse não foi, porém, o caso da nossa lei de sociedades por ações de 1976. O anteprojeto que nela resultou era um primor. E a ampla discussão que cercou sua elaboração viabilizou exatamente o que se pretendia: possibilitar o ingresso de capital de risco nas sociedades familiares brasileiras, sem incomodar muito os controladores, a fim de incentivá-los a participar do mercado de capitais.

A postura passiva do minoritário na empresa era uma condição para que as melhores companhias aceitassem ir a mercado. E os minoritários não pareciam se importar, desde que também não assumissem muitas responsabilidades. O legislador sabia disso e a lei – como sempre deveria ocorrer – refletiu a nossa cultura.

Será que essa realidade mudou? Será que os controladores das companhias abertas nacionais estão dispostos a ter sócios, ao invés de meros prestadores de recursos? E será que os minoritários realmente resolveram mudar a lógica da relação com os controladores, ampliando sua participação e sua responsabilidade?

Escuta-se muito que, com a internacionalização do mercado brasileiro, é preciso melhorar a governança. Os novos investidores de mercado – mais sofisticados – estariam a demandar essa melhora. Mas e a cultura de mercado? Mudou de 1976 para cá?

Em 2001, em plena moda da governança, a lei foi mudada. O objetivo? Melhorar a governança. Obviamente, todos os participantes do mercado se fizeram ouvir. O resultado foi o avanço possível.

E qual foi esse resultado? A exigência da lei de que todo integrante do conselho de administração seja acionista foi retirada? Não. Mas não importa. Mantém-se a prática de dar uma ação para ele, umazinha só não vale nada mesmo. Aí ele pode ser independente.

Ampliou-se a independência dos conselheiros? A verdade é que a lei sempre disse que os conselheiros têm que ser independentes em suas decisões. O que se acrescentou foi que eles têm que observar o que os acionistas decidirem em acordo de acionistas arquivado na companhia. Mas não precisam votar na forma do acordo. Podem se recusar a votar. Resolvido o problema.

Mas e se o conselheiro se recusar a votar, a matéria deixa de ser aprovada? Há quem entenda (eu, por exemplo) que o presidente da mesa pode considerar isso como uma abstenção e votar no lugar dele. Mas o presidente, veja bem, é independente. Ele pode contrariar o controlador.

Incluiu-se pelo menos uma regra que proíba o vínculo do conselheiro a quem o nomeia? Não. Não foi dessa vez. E a viabilidade de responsabilizar minoritário por abuso, mesmo que seu voto não prevaleça, foi tratada mais claramente? Também não.

Pressupondo que a reforma de 2001 refletiu a cultura de mercado nacional, pode-se dizer, sem medo de errar muito, que no centro das discussões da governança – o conselho de administração – a lógica consagrada em 1976 se mantém.

Se a lei não reduziu a influência dos minoritários, também não a ampliou. No outro lado da moeda, manteve a lei a possibilidade de o minoritário e seus representantes dizerem praticamente o que querem, sem que possam ser na prática responsabilizados, já que seus votos não prevalecem (apesar de, em tese, poderem ser responsabilizados, não vem sendo essa a nossa prática).

Ninguém parece, no mundo real, querer que as companhias abertas brasileiras tenham um conselho verdadeiramente independente

No final das contas, ainda que iniciativas louváveis, como a criação do Novo Mercado da Bovespa, auxiliem na melhora das práticas de governança, a realidade é que a estrutura da nossa lei societária incentiva a existência de integrantes do conselho de administração sem qualquer independência.

Os paradigmas adotados pelo legislador em 1976 não parecem ter sido ainda quebrados. Os controladores (salvo poucas e evidentes exceções) não parecem dispostos a aceitar sócios, no lugar de meros prestadores de recursos. E os minoritários (também com louváveis exceções), quando chegam ao conselho, não parecem querer deixar de indicar ao menos pessoas bem próximas a eles.

Ninguém parece, no mundo real, querer que as companhias abertas brasileiras tenham um conselho de administração verdadeiramente independente. E a questão não é jurídica. O direito não pode alterar a realidade. Pode até vir nova lei. Duvido que passe. E, se passar, acho que ela “não pega”. Para “pegar” precisa, antes de mais nada, de uma mudança de cultura. Tomara que seja logo.


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